Leonardo Valle

Estudo, trabalho e cuidar dos filhos. A jornada tripla faz parte do dia a dia da estudante do curso de nutrição da Universidade de Brasília (UnB), Ketelin Dayany Oliveira Ribeiro (30). “O mais difícil foi saber com quem deixar o meu pequeno quando estivesse estudando e trabalhando, e conciliar as tarefas universitárias e os cuidados com ele. Tento ficar um tempo a mais na faculdade para não precisar levar coisas para casa. E, se estudo domingo, dedico o sábado a ele, e vice e versa”, relata.

Ketelin Dayany Oliveira Ribeiro e seu filho: dedicação para conciliar,
maternagem, trabalho e o curso diurno em nutrição (crédito: arquivo pessoal)

 

Já em Florianópolis (SC), Maria Lauri Prestes da Fonseca (39) enfrenta uma realidade igualmente cansativa. Indígena da região do Amazonas, ela entrou por cotas no curso de ciências sociais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em 2011. Mãe de três filhas, ainda não conseguiu finalizar os estudos.

“A principal questão é se manter no curso. Pessoas na minha condição não acessam moradia universitária e não consegue comprovar renda para conseguir alugar um imóvel. Muitos proprietários não alugam para mães com criança. Já cheguei a ficar seis meses procurando casa. As opções são locais distantes, fora da cidade”, descreve.

Creches em contexto universitário são raras, e levar os filhos para a aula – principalmente no período da amamentação – pode ser bem difícil. Geralmente, não há trocadores no banheiro, local para preparar a comida e professores e colegas não aceitam a presença da criança. “Esse desgaste emocional afeta os estudos”, lamenta Fonseca.

Mapeando o fenômeno

Os desafios vividos pelas mães universitárias ainda não são conhecidos em sua totalidade. Para mapear essa realidade, a professora do Instituto de Psicologia da UnB, Carla Sabrina Xavier Antloga, realizou uma pesquisa com mulheres de todo o Brasil via questionário online. O resultado será lançado em artigos científicos ao longo de 2019.

“Dentro de um contexto de desigualdade de gênero, a maternagem [forma de criação que corresponde à relação da mãe com o seu filho, em especial durante o período da amamentação e cuidados vitais] influencia e muda a vida dessa estudante. Os principais desafios são a falta de suporte da família e da própria instituição de ensino, o que leva a um cansaço extremo e à exaustão”, destaca. “Os proventos também são uma preocupação constante. A aluna, sendo mãe e cursando uma universidade, nem sempre consegue trabalhar. Então fica na dependência financeira de uma bolsa de estudos, de familiares ou do pai da criança. É uma situação bastante estressante”, revela.

Antloga ainda complementa. “Elas estão sob a pressão dos prazos das aulas e há a incompreensão de vários colegas docentes em relação à rotina e aos imprevistos que ocorrem na vida de uma mãe. Consequentemente, não apenas há dificuldades para concluir os estudos como exercer a maternagem em uma rotina leve e agradável ao lado da criança.”

Redes de apoio

Tentar fomentar redes de apoio e reivindicar direitos são alternativas das mães universitárias. Em Florianópolis, Fonseca e Janaína Carrara – hoje já formada – criaram o grupo no Facebook “Mães e Pais da UFSC”. “O que acontece é que o foco da universidade é o aluno considerado ‘regular’: que saiu do ensino médio, não têm filhos, vai se formar no prazo e entrar rápido no mercado de trabalho. As vulnerabilidades sociais são desconsideradas”, contextualiza Fonseca.

“Naquele momento, a gente estava em uma situação bem crítica. Não encontrava vaga em creches municipais e não tinha recursos para pagar uma particular. As reuniões presenciais eram mais para nos dar apoio e chorar juntas, porque haviam muitas histórias tristes”, lembra a estudante. “Percebi que muitas dessas universitárias tinham a mesma realidade que eu: haviam entrado por cotas”, diz.

Juntas, as mães conseguiriam que a universidade fizesse uma seleção para pagar a algumas alunas um auxílio creche; que fossem instalados trocadores em alguns banheiros femininos do campus e que as crianças tivessem acesso ao restaurante universitário, o que antes era proibido.

“A questão é que muitas dessas medidas não foram regularizadas em decretos. Tentamos que todos os banheiros que fossem construídos pela universidade, masculinos e femininos, tivessem, a partir de agora, o trocador. Não conseguimos. E a questão do restaurante universitário é um acordo verbal. Não há segurança”, conta.

De acordo com Antloga, a situação nas instituições públicas pode ser ainda melhor do que a realidade nas faculdades particulares. “Tive contato com uma universitária que era impedida de entrar na faculdade com seu filho para amamentá-lo. Eles alegavam que a estudante estaria descumprindo um contrato assinado e, se algo acontecesse com a criança, seria responsabilidade da empresa”, conta a pesquisadora.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), é recomendado que a mãe amamente o filho nos dois primeiros anos de vida. Poucas universidades, contudo, oferecem mais do que os quatro meses de licença maternidade. “Para amamentar, muitas vezes é preciso que haja a condição de pagar uma cuidadora, e que ela fique passeando do lado de fora da faculdade com o bebê que, por sua vez, fica exposto a todas as intempéries. A mãe também terá dificuldade para se concentrar na aula”, aponta.

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Crédito da imagem: monkeybusinessimages – iStock

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