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A Organização Meteorológica Mundial, agência ligada à Organização das Nações Unidas (ONU), prevê haver 60% de possibilidades de que o fenômeno El Niño se desenvolva até o final de julho. Essa probabilidade sobe para 80% no período que se estende até setembro deste ano. O comunicado foi divulgado após se verificar que as águas do oceano pacífico estão mais quentes do que a média histórica. A expectativa é de um aumento global da temperatura, o que pode gerar seca em algumas regiões e chuvas muito intensas em outras. 

Segundo o professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP), Alexander Turra, os efeitos deste aumento da temperatura dos oceanos têm origem na emissão de gases do efeito estufa e impactam primeiro e mais veemente, na maior parte das vezes, pessoas que moram nas periferias e precariamente, caracterizando o racismo oceânico. 

racismo oceânico
São Sebastião (SP), desmoronamento causado pelas chuvas no bairro Itatinga (Crédito: Rovena Rosa, Agência Brasil)

“É um tema muito importante porque ele revela o efeito das crises ambientais sobre parcelas da população mais vulneráveis, que normalmente são as mais pobres e são normalmente compostas por pessoas pardas e pretas. É por isso que a gente usa o termo racismo. Isso vem, também, da ideia de um racismo estruturado, que cria esses bolsões de pobreza, de marginalização social, historicamente”, afirma.    

Com o aquecimento, os fenômenos climáticos sofrem alterações, aumentando o risco de eventos extremos, como tempestades intensas. O que resulta em perdas de propriedades e de vidas, como as que se verificaram em fevereiro deste ano no litoral norte de São Paulo. 

Falta de cultura oceânica

O racismo oceânico também acontece quando algumas pessoas têm mais dificuldade do que outras para ter acesso ao oceano. “A capacidade que, na zona leste de São Paulo, a juventude tem de, por exemplo, ir visitar o oceano, de estar próxima ao oceano, de ter momentos de lazer ou mesmo de esportes relacionados ao oceano, é pouco comum. Então as pessoas estão também distantes do mar e essa distância é proporcional ao poder aquisitivo e isso está associado à cor, à raça, e isso configura outra forma de ver esse racismo oceânico”.

Uma das consequências desse distanciamento entre grupos sociais mais vulneráveis e o mar é a não possibilidade de se ampliar a cultura oceânica, que permitiria às pessoas entenderem a importância do oceano na vida delas, mesmo morando longe do mar, e a necessidade da sua preservação.

Transcrição do Áudio

Vinheta: Instituto Claro – Cidadania 

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:

Tempestades, inundações, enchentes. Esses são alguns dos efeitos do aquecimento dos oceanos. Essas tragédias associadas às mudanças climáticas atingem, na maior parte das vezes, a população que mora nas periferias e em condições precárias. O professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP), Alexander Turra, explica como se dá o racismo oceânico. 

Alexander Turra:

Racismo oceânico é um tema muito importante porque ele revela o efeito das crises ambientais sobre parcelas da população mais vulneráveis, que normalmente são as mais pobres e são normalmente compostas por pessoas pardas e pretas. E é por isso que a gente usa o termo racismo. 

Isso vem, também, da ideia de um racismo estruturado, que cria esses bolsões de pobreza, de marginalização social, historicamente.  

Ele é um fenômeno que só tende a se intensificar e ele só vai mudar a sua tendência quando a gente conseguir efetivamente mitigar o problema das emissões de gases do efeito estufa — na medida que a gente atenuar o efeito estufa — e aí sim a gente vai ter a diminuição da temperatura da atmosfera, e aí, sim, a diminuição da temperatura do oceano. Ou seja, é um processo que vai demorar muito tempo, eu diria décadas, para acontecer, se a gente parar agora ou reduzir imensamente as emissões de gases de efeito estufa.  

Marcelo Abud: 

O biólogo traz um exemplo de como esse racismo oceânico acontece na prática. 

Alexander Turra:

Quando a gente vê um fenômeno como esse registrado em São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, e você contabiliza as pessoas que morreram, você vai ver que estavam em áreas de risco, eram pessoas vulneráveis e, predominantemente, pardas e pretas. Então a gente tem aí um fenômeno de pobreza e má distribuição de renda, que coloca um contingente muito grande de pessoas sob um risco maior de sofrer os efeitos das crises ambientais. A gente inclui nessas crises, a crise da mudança do clima, das mudanças globais. 

Então temos aí o que a gente tem chamado também de racismo oceânico, quando a gente tem esses fenômenos associados a aspectos derivados de fenômenos oceanográficos. É um pouco isso que a gente tem trazido para revelar e enfatizar que há uma injustiça ambiental e uma injustiça social que estão acopladas, porque são historicamente construídas e que a gente precisa combater veemente e imediatamente para que isso deixe de acontecer. 

Marcelo Abud:

O racismo oceânico também acontece quando algumas pessoas têm mais dificuldade do que outras para ter acesso ao mar. 

 

Alexander Turra:

Conversando com jovens lideranças que moram na periferia de São Paulo e do Rio de Janeiro, esse fenômeno também fica bastante evidente. A capacidade que, na zona leste de São Paulo, a juventude tem de, por exemplo, ir visitar o oceano, de estar próxima ao oceano, de ter momentos de lazer ou mesmo de esportes relacionados ao oceano, essa é uma realidade pouco comum. Assim como com juventude, né, lideranças comunitárias na favela da Maré no Rio de Janeiro. A gente tem ali a favela da Maré inserida na Baía de Guanabara, porém muito distante da orla marítima, que acaba sendo o local possível de se acessar o oceano. 

Então as pessoas estão também distantes do mar e essa distância é proporcional ao poder aquisitivo e isso está associado à cor, à raça, e isso configura uma outra forma de ver esse racismo oceânico. 

Marcelo Abud:

Turra explica que esse distanciamento entre grupos sociais mais vulneráveis e o mar afasta a possibilidade de se ampliar a cultura oceânica. 

Alexander Turra:

É o entendimento pelas pessoas da importância do oceano na vida delas, mesmo morando longe do mar. E, também, da importância das atividades dessas pessoas, das atitudes, das escolhas dessas pessoas em relação ao que elas acabam causando, direta ou indiretamente, no ambiente marinho. Um exemplo é o lixo, que é gerado muitas vezes longe do mar e que vai chegar no mar a partir dos rios, porque tudo está conectado. 

É fundamental que a gente entenda, também, e especialmente no caso do lixo — que permite a gente usar como exemplo bastante ilustrativo — que o lixo quando ele chega no mar, acaba sendo um problema, sim, mas ele também é um sintoma de que tem algo errado acontecendo rio acima, nas cidades, nos bairros, nas periferias. 

E esse tipo de situação que a gente tem que mudar, porque não faz o menor sentido o mar estar sem lixo, sendo que a raiz da questão, especialmente no Brasil e outros países parecidos com o Brasil, não é contornada.

Muitas pessoas me perguntam assim ‘ah, como você faz para combater lixo no mar?’. E eu falo: ‘bom, é fácil’. É combatendo a pobreza. Se você combate a raiz, você resolve o problema do lixo no mar e uma série de outras coisas que, na verdade, dizem respeito à própria definição de humanidade, se a gente deseja se entender enquanto ser humano. 

Marcelo Abud:

O especialista alerta que é preciso que toda a sociedade some forças para aumentar o grau de proteção sobre esses ambientes. 

Alexander Turra:

E quanto antes a gente fizer e quanto melhor a gente fizer, menos vidas a gente vai perder, menos propriedades a gente vai perder. E é por isso que a gente tem que inclusive se valer daquilo que a natureza nos dá, que são proteções naturais contra eventos climáticos. 

E que a gente não construa, por exemplo, em cima da restinga, não comprometa as dunas; e que a gente, especialmente, garanta que esses ambientes tenham condição de migrar em direção ao continente, na medida em que o nível do mar vai subir. Porque se a gente construir atrás desses ambientes, na medida em que o mar sobe, a gente promove um fenômeno chamado estreitamento costeiro, que leva à perda desses ambientes e à perda de todos os benefícios que eles trazem para a gente. Além do lazer, da recreação, da produção de alimentos, a gente vai perder a capacidade de proteção da linha de costa. 

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:

Se não houvesse a troca de calor com a superfície dos oceanos, a temperatura do planeta seria ainda maior. Por isso, é cada vez mais urgente a preservação desses ambientes como uma das formas de se diminuir os efeitos das mudanças climáticas.  

Marcelo Abud para o podcast de Cidadania, do Instituto Claro.

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