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Há relação entre as crises hídrica e energética com o desmatamento na Amazônia? Especialistas ouvidos pelo Instituto Claro explicam que é possível associar a falta de chuva nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, por exemplo, com a derrubada ilegal de árvores na floresta. “Tem a ver com a mudança global do clima e, também, um enfraquecimento, uma atenuação, da transferência de água pela atmosfera da região amazônica, os chamados rios voadores”, afirma o físico e coordenador no Instituto Clima e Sociedade Roberto Kishinami.

Com a crise hídrica, a energia elétrica também fica comprometida, porque, em vez de investir em energias renováveis, o governo federal indica o uso de termelétricas. “Tem térmicas que estão operando de modo contínuo e que custam R$ 1.520,00 por megawatts/hora. Isso é uma enormidade, comparado com R$ 100,00 por megawatt/hora que uma eólica ou solar fornece”, cita Kishinami. O podcast também ouve o biólogo, ambientalista e vice-presidente do Instituto Democracia e Sustentabilidade, João Paulo Capobianco. No áudio, os entrevistados falam sobre a ameaça de apagões e apontam que o Brasil teria condição de adotar soluções para atenuar o problema com a mudança no sistema de abastecimento e políticas de preservação ambiental.

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Transcrição do Áudio

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, de fundo

João Paulo Capobianco:
Eu sempre uso aquela frase feita, né, que a primeira coisa que a chuva faz quando chega é apagar a memória da seca. Você passa uma seca tremenda, aquele desespero, de repente vem a chuva e as coisas todas acabam e você esquece que provavelmente virá a seca lá na frente. E não se prepara pra isso. É o que está acontecendo com o Brasil.
João Paulo Ribeiro Capobianco, sou biólogo, doutor em ciência ambiental pela Universidade de São Paulo e vice-presidente do Instituto Democracia e Sustentabilidade.

Roberto Kishinami:
O mundo todo, na verdade, está indo em direção à transição energética, o que significa abandonar os combustíveis fósseis e priorizar as fontes renováveis, que é o que a gente deveria estar fazendo: obedecendo aquela máxima, né?, de que quando você está preso num buraco você tem que parar de cavar.
Eu sou Roberto Kishinami, físico, especialista em energia e mudança do clima no Instituto Clima e Sociedade.

Vinheta “Instituto Claro – Cidadania”

Música instrumental, de Reynaldo Bessa, de fundo

Marcelo Abud:
Uma nova crise hídrica, riscos de apagões, problemas com as produções agrícolas… Esses e outros fatores estão ligados à alteração no regime de chuvas, que tem como uma das causas o crescente desmatamento. Em outras palavras, é possível associar a seca nas regiões Sul e Sudeste do Brasil com a derrubada ilegal de árvores na Amazônia.

Roberto Kishinami:
Existem fatores que estão sim provocando alterações no regime de chuvas e estão trazendo eventos climáticos extremos. Tem a ver com a mudança global do clima e também um enfraquecimento, uma atenuação da transferência de água pela atmosfera da região amazônica, os chamados rios voadores.

João Paulo Capobianco:
Você tem, de fato, cada vez mais comprovada, uma conexão direta entre o desmatamento na Amazônia e seus impactos na oferta e na disponibilidade de água nas regiões Centro-Oeste, Sul, Sudeste e em países vizinhos: Paraguai, Uruguai e Argentina, principalmente.

Música: Tá (meia palavra bas), de Carlos Renno, Pedro Luis Teixeira De Oliveira, Roberta Sa – com Mariana Aydar
Pra bom entendedor, meia palavra bas-
Eu vou denunciar a sua ação nefas-
Você amarga o mar, desflora a flores-
Por onde você passa, o ar você empes-

Marcelo Abud:
Capobianco destaca a importância do Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera da Amazônia, conhecido com LBA. Coordenado pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, o INPA, o estudo acontece desde o início dos anos 2000 e reúne cerca de 280 instituições nacionais e estrangeiras para entender a emergência climática.

João Paulo Capobianco:
Vieram a comprovar que a grande formação de nuvens na Amazônia, ou seja, a enorme disponibilidade de vapor de água lançado para atmosfera, na Amazônia, são deslocados pelos ventos em direção ao interior, mas ao se chocarem com os Andes – que formam uma barreira, uma muralha, digamos assim, que impede a continuidade do fluxo em direção ao Pacífico – eles se redirecionam para a região Centro-Oeste, Sul, Sudeste e os países vizinhos. Então esse é um dos principais fenômenos meteorológicos que explicam a abundância de chuvas justamente na região do Brasil onde se dá a maior produção agropecuária. Sem a floresta, você tem problemas dramáticos de perda de nascentes e também de erosão, perda da capacidade de transporte de água e, portanto, você cria um problema muito grande no abastecimento.

Música: “Eu era um lobisomem juvenil” (Dado Villa Lobos / Renato Russo / Marcelo Bonfa)
Ontem faltou água
Anteontem faltou luz
Teve torcida gritando, quando a luz voltou

Marcelo Abud:
Kishinami afirma que é um erro o sistema de abastecimento de energia no Brasil depender de questões climáticas e aponta que há soluções viáveis e com custos mais baixos.

Roberto Kishinami:
No nosso caso, nós temos uma possibilidade de resolver essa contribuição da mudança do clima para a geração de eletricidade de uma maneira virtuosa, porque nós temos uma abundância aqui de fontes renováveis. Quando você usa uma termoelétrica operando de uma maneira constante, na base, e funcionando com gás natural, que é o combustível fóssil – portanto, contribui, na verdade, para o aquecimento global – piora o quadro do ponto de vista de mais crises hídricas no futuro. É a solução no caminho errado.

João Paulo Capobianco:
Quem vai pagar ou já está pagando o custo pela má gestão, pela falta de planejamento, pela falta de previsibilidade, é a própria sociedade. Quer dizer, do ponto de vista do poder público e das empresas que operam o sistema de abastecimento de energia e de água – pra falar aqui dos dois pontos principais que nós estamos abordando – é muito simples: aumenta o custo e transfere para a sociedade. Isso é um equívoco, porque nós estamos condenando a população a pagar pela má gestão ou pela incapacidade de implementar um planejamento adequado, com soluções que estão disponíveis. Ninguém está falando de algo desconhecido ou fantasioso, utópico. Nós estamos falando de implementar soluções que estão disponíveis, acessíveis, possibilidades que o Brasil tem capacidade de implementar. Tem experiência, quadros técnicos, tem recursos. E nós seguimos um caminho totalmente equivocado, sem planejamento e sem ações de médio-logo prazo e caindo sempre de crise em crise.

Roberto Kishinami:
Então a gente tem necessariamente que estar preparado pra isso e tem que haver políticas públicas adequadas. No caso ainda do apagão, o que eu acho que pode ser esperado, é que ocorram, na verdade, apagões localizados. Porque o governo, na verdade, pegou todo o parque de térmicas que a gente tem e mandou ligar, independentemente de quanto custa. Pra você ter ideia tem térmicas que estão operando de modo contínuo e que custam mil e quinhentos e vinte reais por megawatts/hora. Isso é uma enormidade, comparado com cem reais por megawatt/hora que uma eólica ou solar fornece. De um lado tem o efeito sobre os preços da eletricidade, que os consumidores vão ter que pagar; das emissões, que vão piorar esse quadro de mudanças no clima; e pior, na verdade, tira totalmente a flexibilidade do sistema, porque essas térmicas que estão sendo ligadas de modo contínuo, elas foram instaladas pra atender aos picos de demanda: quando todo mundo sai do trabalho e aciona todos os elevadores, lâmpadas, iluminação pública, etc, você tem ali um pico. O sistema ele tem que estar sempre equilibrado em termos de demanda de um lado e oferta do outro. E aí se não há oferta o suficiente o sistema cai. Isso, na verdade, antes de falar, inclusive, da falta de água pra atender a energia, que aí vai ser uma situação muito mais complicada. Agora isso provavelmente vai acontecer ainda no final do ano, mas depois de você ter essa série de apagões localizados.

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, de fundo

Marcelo Abud:
Para os especialistas, o Brasil precisa voltar a investir em políticas de preservação ambiental se quiser enfrentar novas crises hídricas, energéticas e na economia, com a seca atingindo a agropecuária. João Paulo Capobianco e Roberto Kishinami indicam ainda que há condição para aumentar consideravelmente o uso de fontes renováveis de energia, como a eólica ou a solar, para garantir o abastecimento e a recuperação dos reservatórios e, ainda, com custos mais baixos.
Co m apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.

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