Paraibano radicado em Pernambuco, onde se consagrou na área de Tecnologia da Informação, Silvio Meira, 54 anos, é um daqueles profissionais que não correm o risco de perder espaço para “a geração mais jovem”, mais “antenada”. Isso porque sempre estudou o que se pode chamar de “futuro” e tentou, em parte, desenvolvê-lo. Primeiro, nos laboratórios de engenharia eletrônica do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), onde se formou. Depois, no departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde cursou mestrado em informática ainda nos anos 80. Em seguida, na mesma década, na University of Kent at Canterbury, na Inglaterra, onde fez o doutorado em computação.

 

Maíra Soares

“Se as pessoas não conseguirem entender que o futuro é possível, irão se sentir muito mais confortáveis num presente ortodoxo e pouco inovador, porém seguro”

 

Atualmente, é cientista-chefe do C.E.S.A.R, o Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife, o qual se tornou referência no país em projetos de tecnologia, inclusive aqueles voltados para a Educação. Foi para falar da sua incontestável experiência no universo da tecnologia e para discutir o uso da mesma nos processos de ensino-aprendizagem que Silvio Meira esteve no 4º Fórum do Instituto Claro, em São Paulo, dividindo a mesa de debate com a educadora Léa Fagundes, o psicólogo Roberto Balaguer e a moderadora do evento e diretora da Estação Ciência da USP, Roseli de Deus. Abaixo, confira a entrevistaque o engenheiro concedeu à repórter Giulliana Bianconi.

Que análise você faz da evolução das tecnologias para a educação tendo como período o tempo em que está à frente do C.E.S.A.R?

Eu sou professor titular de engenharia de software da Universidade Federal de Pernambuco, onde estou professor desde 1978, e sou cientista chefe do C.E.S.A.R desde 1996, quando a instituição foi fundada. Nesse período, o que a gente progrediu em tecnologias para a educação foi muito pouco. Em geral, o pessoal que entende de tecnologia não entende nada de educação, e o pessoal que entende de educação entende nada ou muito pouco de tecnologia. Então ficaram dois campos muito separados durante muito tempo. Agora vemos um outro cenário, em parte devido ao número muito grande de tecnologias que passa a se tornar disponível na internet de uma forma simples de usar, de programar e de reprogramar na forma de web 3.0. Muitas plataformas na web são, na realidade, plataformas de inovação e não somente de colaboração na forma de redes sociais. Na medida em que você tem a rede cada vez mais aberta, mais simples de ser programada e com possibilidade muito maior do pessoal que está lá na entrega final, na sala de aula, que são professores, instrutores, laboratoristas, criarem suas próprias coisas de vários formatos na rede, fica muito mais provável que a gente vá ter uma integração muito maior de tecnologia nos processos.

Você se refere exclusivamente aos processos educacionais?

Eu não chamaria somente de educacionais, mas de processos de aprendizado. Em particular, acho que aprendizado é feito cada vez mais fora e mais além da escola. E também enxergo que esse é o principal desafio que a escola, como instituição social, tem de enfrentar agora. Tem de enfrentar a sua obsolescência não mais conjuntural, mas estrutural. Rever ambiente e processos clássicos de ensino como meio e método de entregar conhecimento. Eu vejo uma mudança absolutamente radical na forma como isso começa a ser feito, com consequências que a gente só vai entender daqui a talvez 20, 30, 50 anos.

Maíra Soares

“Em geral, o pessoal que entende de tecnologia não entende nada de educação, e o pessoal que entende de educação entende nada ou muito pouco de tecnologia”

O C.E.S.AR é uma referência de tecnologia para a educação no Brasil. O que você diria que foi essencial para conseguir esse reconhecimento?

Primeiro a gente não usou o que seria a ideia trivial de que o pessoal de tecnologia entende de tecnologia “em e para” educação. Os projetos do C.E.S.A.R são feitos por times multidisciplinares que têm visões heterogêneas do mundo. Nossos projetos de educação têm desde designers e psicólogos a músicos e artistas. Gente que entende “do lado de lá” da cena, entende? Talvez um dos fatores que fizeram com que fôssemos bem sucedidos foi o fato de a gente ter usado um “approach” que usa a tecnologia como meio e nunca como fim. Nunca estivemos fazendo algo fantástico do ponto de vista tecnológico. O que estivemos tentando fazer e, em parte, acho que conseguimos, foi desenvolver coisas inovadoras do ponto de vista da educação, usando a tecnologia como infraestrutura.

É sabido que a cultura das TICs ainda não está enraizada nos modelos e processos educacionais. Como, então, O C.E.S.A.R consegue espaço para implementar essas ideias e para disseminar as TICs na educação?

Acredito que acontece algo parecido com toda a inovação. Se você partir da definição, a inovação é a mudança de comportamento de agentes em algum mercado como fornecedores e/ou consumidores de qualquer coisa. Então quando a gente parte para propor inovação, mesmo antes de realizar o que viria a ser a parte técnica, a estrutura tecnológica, é preciso mudar o comportamento de pessoas. Do cliente, do patrocinador, usuário. Isso fará com que eles olhem para aquela coisa inovadora e enxerguem o possível. Muitas pessoas se recusam, muitas vezes, a sair do estágio atual em que elas estão fazendo algum tipo de performance para um outro estágio onde elas vão fazer outra performance ou a mesma performance de uma forma completamente diferente. O que muda tudo nesse caso é que, quando você as envolve como parte do processo, primeiro você tem que se comprometer a ser parte integral do processo de motivação de mudança do lado delas. Porque se não conseguirem entender que o futuro é possível, irão se sentir muito mais confortáveis num presente ortodoxo e pouco inovador, porém seguro.

Como vocês, no C.E.S.A.R, conseguiram passar essa segurança para redes estaduais de ensino, com as quais têm parcerias de projetos?

Na Escola Cícero Dias, em Recife, e no NAVE (Núcleo Avançado em Educação), no Rio de Janeiro, o agente político, provocador, financiador e patrocinador do que a gente gosta de chamar de aventuras educacionais não fomos nós, mas o Instituto OI Futuro. Depois de procurar o C.E.S.A.R, buscou fazer a interface com as secretarias de educação visando criar ambiente político e institucional. Ambiente que, na prática, é de intervenção no sistema educacional e que gera a possibilidade de você inovar usando a tecnologia – não necessariamente a tecnologia de ponta. Se a gente tivesse tentado, simplesmente, chegar nas secretarias e vender tecnologia, não teríamos conseguido.

Maíra Soares

“Quando a gente parte para propor inovação, mesmo antes de realizar o que viria a ser a parte técnica, a estrutura tecnológica, é preciso mudar o comportamento de pessoas”

Então sempre há um agente político para catalisar implementações?

É sempre uma união de forças. Por exemplo, em outro caso, que é o das Olimpíadas Educacionais, projeto que atualmente está na Secretaria de Educação de Pernambuco e está indo para o Rio de Janeiro, de novo houve um grande acordo, uma grande articulação de múltiplos agentes. Trata-se de uma rede de empresas, um consórcio de empresas do Porto Digital (local que abriga o C.E.S.A.R) mais o Centro de Informática da UFPE, o departamento de Psicologia da mesma universidade, o C.E.S.A.R como instituto de inovação. Todos esses articularam um grande movimento interno na Secretaria, o qual criou, primeiro, a oportunidade de fazer. Depois, a possibilidade de financiar e de patrocinar a Olimpíada de Jogos Educacionais. A gente quer centenas de milhões de alunos dentro desse projeto. E, para você ter isso, você não chega na escola e diz: ‘Agora vou fazer essa coisinha aqui’. Isso vai mexer com o sistema, e quando você mexe com sistemas que estão muito bem estabelecidos, isso tem um custo de transação muito alto, pro bem ou por mal. Então você tem que estar preparado para enfrentar, e para enfrentar numa boa porque não se trata de uma guerra ou combate. Você só terá que enfrentar as dificuldades de construir novas alternativas com os novos agentes.

Em relação ao C.E.S.A.R Edu, o setor da instituição focado na educação, existe uma linha de desenvolvimento?

O C.E.S.A.R Edu trata de especializações e mestrados. A linha educacional é aprendizado baseado em problemas, a criação de oportunidades de aprender centradas na desconstrução de problemas como soluções. A gente aposta fortemente nessa alternativa de método educacional e temos “dois lados” no C.E.S.A.R Edu. Um lado é educação baseada em problemas em tecnologia. A gente tem um mestrado profissional em engenharia de software, tem especialização em segurança, em processos de software. É algo bem técnico para um público bem específico. De outro lado, a gente tem tecnologia para a educação. Ai é onde estão projetos como a Olimpíada de Jogos Educacionais, é onde estão intervenções várias, é onde estão projetos estratégicos de conceito de ambientes de jogos educacionais, de ambientes de aprendizado, de aprendizado pra a terceira idade. Sumarizando, somos planejamento, estratégia e política em tecnologias para a educação. As tecnologias propriamente para a educação e a educação para a tecnologia.

E como funcionam os desenvolvimentos de projetos? Vocês têm uma boa ideia e a colocam em prática mesmo sem parceiros ou só a desenvolvem quando já há um conjunto?

Em 99% dos casos funciona já em conjunto. É raro alguém chegar e dizer “eu quero fazer isso” ou a gente chegar para alguém e dizer “por que você não usa isso”? Porque esses projetos que envolvem tecnologia na área de educação sempre são projetos de intervenção. Como projeto de intervenção, as componentes política, cultural e educacional são sempre muito fortes. Por isso, é preciso ter um cuidado muito intensivo. Eu digo que é uma espécie de uma UTI de ideias. Você não pode sair propondo coisas. Você tem que ter o cuidado de formatar ideias sabendo que elas vão fazer parte de um contexto muito maior no qual você se insere, e não que você vai destruir o contexto inteiro para cada projeto que você vai fazer. O fato de a gente agir dentro do sistema educacional em parceria com instituições públicas, privadas, secretarias de governos, exige, de uma forma ainda mais intensa, esse cuidado.

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