Mestre em educação pela Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e professora de história em escolas públicas da periferia e região metropolitana de Belo Horizonte há 10 anos, Luana Tolentino procurou, ao longo da sua trajetória, pesquisar e aplicar práticas pedagógicas comprometidas com a justiça e a igualdade social. O resultado dessa experiência foi reunido no livro “Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula”.

“O racismo se manifesta de maneira sutil, mas também violenta. Essa violência refletirá na aprendizagem do aluno, que não se sente parte do ambiente, mas excluído”, explica a autora. “A presença dessas formas de preconceito e violência acontece porque a escola é parte da sociedade, que é racista, misógina e LGBTIfóbica, logo tende a refletir isso também. Então, a questão é como fazer desse um ambiente um lugar que respeite as diferenças e seja mais inclusivo. É papel da escola esse trabalho”, destaca.

Como você definiria o livro “Outra educação é possível”?

Luana Tolentino: A obra resume a experiência pedagógica de dez anos de trabalho como professora da rede pública. Seu intertítulo mostra o objetivo do livro: como conquistar uma educação que seja antirracista e feminista. Mas também fala sobre como ressignificar o currículo escolar e trazer mais sentido para a sala de aula, para que o aluno se sinta parte da escola. Além de relatar as práticas que apliquei, trago referências teóricas de Paulo Freire e Bell Hooks, uma pedagoga norte-americana negra.

Como o racismo e outras formas de violência se manifestam na escola?

Tolentino: O racismo se manifesta de maneira sutil, mas também violenta. Basicamente, alunos negros são os mais propensos à evasão escolar, a repetirem de ano, a não serem protagonistas nas atividades aplicadas, a serem alvos de violência física e verbal. Essa violência refletirá na aprendizagem do aluno, que não se sente parte do ambiente, mas excluído. A presença dessas formas de preconceito e violência acontece porque a escola é parte da sociedade, que é racista, misógina e LGBTIfóbica, logo tende a refletir isso também. Então, a questão é como fazer desse ambiente um lugar onde respeite as diferenças e seja mais inclusivo. É papel da escola esse trabalho.

“O aluno que sofre preconceito não se sente representado nesse ambiente, nas práticas adotadas, em um currículo que é extremamente eurocêntrico e que estereotipa a pessoa negra”, ressalta Luana Tolentino (crédito: arquivo pessoal)

 

Qual o impacto do racismo e de outros preconceitos no estudante que é vítima?

Tolentino: O silêncio e a negação são formas de perpetuar o racismo e outras formas de violência e preconceito. O aluno que sofre não se sente representado nesse ambiente, nas práticas adotadas, em um currículo que é extremamente eurocêntrico e que estereotipa a pessoa negra. A escola o exclui. Isso tudo impactará na sua permanência e no seu sucesso na jornada escolar. Mas vale lembrar que uma educação antirracista é para todo mundo, incluindo os estudantes brancos. Ela ajuda a combater as desigualdades e terá impacto na sociedade no futuro. Então, como professora sempre busquei práticas pedagógicas que fossem comprometidas com a justiça social e para a cidadania, para incluir e não excluir.

Quais atividades você apresenta no livro?

Tolentino: Eu deixo claro que não trago uma receita, pois acredito que cada escola e seus alunos são únicos. Mas são práticas que podem ser reproduzidas, dependendo do contexto. Apresento uma atividade em que utilizei o funk em sala de aula, um ritmo musical que faz parte da identidade das minhas turmas, que moram na periferia de Belo Horizonte (MG). Com isso, discuto que é importante valorizar o local de onde o estudante vem, os conhecimentos que ele trás, para que ele se sinta parte do processo pedagógico. Saber que cada aluno é uma pessoa que sente, que sofre e que tem uma bagagem, não é uma folha em branco. Falo de uma atividade em que os alunos passaram a trocar cartas com outros estudantes de Moçambique, em um momento em que abordava a história desse país. Além de incentivar a leitura e a escrita, eles tiveram contato com a África e sua história de uma outra forma, por meio de laços afetivos. Em outra atividade, eles trocaram carta com pacientes que se tratavam de câncer em um hospital. O objetivo era estimular uma educação cidadã. Por fim, compartilho minhas experiências com novas formas de organização da sala, o uso da roda substituindo as fileiras, a preferência por trabalhos em grupos, a forma de repensar a organização escolar e o currículo.

Qual orientação você gostaria de transmitir para outros colegas professores?

Tolentino: Afirmo que outra educação é possível porque, como professora da rede pública, sei que é. Essa realidade de desvalorização do docente, de sucateamento da educação pública, de baixos salários, falta de infraestrutura, e, agora, de perseguição, eu conheço bem. E creio que a melhor resposta que podemos dar é fazer nosso ofício com alegria e resistir. Isso ajuda a gente a fazer frente a todos esses horrores que estamos vivendo. Não perder de vista a educação como mecanismo de transformação social, por isso seu compromisso com a igualdade e com a justiça social. Além disso, convido o educador a refletir sobre a sua prática, se elas são inclusivas ou excludentes, se reforçam ou combatem mecanismos de opressão.

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Crédito da imagem: Capa do livro “Outra educação é possível”

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