Uma cidade, mesmo que seja São Paulo ou Nova Iorque, com as suas dimensões superlativas, pode se tornar familiar a qualquer um que, sequer, tenha andado pelas suas ruas, graças aos programas de geolocalização, que, no Brasil, têm o Google Maps como principal ícone. Se isso soa interessante aos cidadãos dispostos a explorar virtualmente as possibilidades de lugares que gostem ou tenham vontade de conhecer melhor, para educadores que enxergam na mobilidade um caminho para unir ensino e tendências do futuro, a geolocalização é apenas a ponta do iceberg.

O espaço urbano pode ganhar cara de playground se professores souberem explorá-lo com os seus alunos a partir de programas que não se limitem apenas a mostrar, na tela do computador, o que há em um determinado lugar, mas que também possibilitem interação dos estudantes com aquele meio. Assim, entra em cena o GPS, Sistema de Posicionamento Global, cujo potencial para a educação está mais uma vez sendo explorado neste Mobilefest, evento que visa popularizar as formas de utilização da tecnologia móvel de maneira que possam auxiliar na inclusão digital.

Maíra Soares

 

Ronald Lenz, do Instituto Waag,e alunos em criação de game

 

Em parceria com o Instituto Waag, da Holanda, o Mobilefest, idealizado pelo artista multimídia Paulo Hartmann e pelo produtor Marcelo Godoy, realiza a Gincana Global, uma das atividades de destaque da programação do festival, o qual tem semana de debates e palestras confirmada para o período de 11 a 15 de novembro (em São Paulo e Rio de Janeiro). A gincana foca exatamente a apropriação da cidade pelos jovens a partir de uma dinâmica que se encaixa na realidade de estudantes que respiram tecnologia e não chegaram a conhecer o mundo desconectado.

O Instituto Claro conferiu a participação de um grupo de estudantes na parte mais desafiadora da gincana: a criação de um game urbano que utiliza celulares com GPS. Detalhe: o jogo não era para diversão daquele grupo, mas para garotos holandeses, os quais tiveram a mesma missão, a de desenvolver um game para os brasileiros participantes do evento. Em um dia pré-determinado, eles jogam simultaneamente. O game para os brasileiros é ambientado no Parque Ibirapuera, onde aqueles estrangeiros nunca estiveram. Já os brasileiros criam dicas para “navegação” no Westerpark, onde também nunca pisaram.

Com a naturalidade comum aos que vivem cercados por celulares e computadores, cerca de 20 alunos vindos de São José dos Campos desceram de um ônibus fretado no MIS (Museu da Imagem e do Som), em São Paulo, para fazer algo inédito em seus currículos: criar um game. Assim como os colegas do Colégio Porto Seguro, demonstravam, diante do software apresentado, a desenvoltura que caracteriza os nativos digitais. A maioria dos estudantes não domina o inglês, nem por isso desanimou ao perceber que a aula, assim como as coordenadas para o desenvolvimento do projeto, em formato de workshop, seria dada pelo holandês Ronald Lenz, pesquisador do Instituto Waag. Tampouco reclamaram quando receberam um mapa “seco” do Westerpar.

Mapa do Westerpark, na Holanda, fornecido aos alunos,serviu de base ao game que desenvolveram

Ronald Lenz já acumula, com estudantes de Amsterdã, diversas experiências de games urbanos que utilizam GPS (ver lista abaixo). Em uma sala do MIS munida de oito Macs, o despojado professor não teve qualquer dificuldade para fazer os estudantes compreenderem as informações. A intérprete ajudava, mas em vários momentos era dispensada. Organizador do Mobilefest, Marcelo Godoy, justificou: “A gincana também tem entre os seus objetivos fazer com que os jovens desenvolvam o inglês, tão indispensável hoje”.

Entre as boas vindas e as apresentação gerais do evento, Lenz deu as regras: Divididos em grupos de quatro ou cinco, os estudantes iriam participar de uma gincana-teste, com o celular. Depois, voltariam para a sala, receberiam um tema (que gravitaria em torno da cultura brasileira), discutiriam com os colegas um formato de game, seriam filmados apresentando as suas proposta e, enfim, iriam trabalhar em prol do game.

O software utilizado? O 7scenes (lê-se Sevencenes), desenvolvido por Lenz e sua equipe holandesa. Ao final de dois dias de dedicação, aquele game que fosse julgado o melhor pelos organizadores/pesquisadores seria o escolhido para ser disponibilizado aos holandeses.

Gincana-teste corrobora papel de autor dos jovens

No pátio do MIS, estudantes do 2º ano do ensino médio que cursam Informática no ETEC Faculdades e quatro alunos do colégio bilíngüe Porto Seguro tiveram de completar algumas missões gravadas no programa instalado no celular. Ali aconteceu a Gincana Demo, uma prática para que os participantes descobrissem todas as funcionalidades do celular que usariam na gincana “oficial”.

Maíra Soares

Paulo Hartmann e Marcelo Godoy, idealizadores do Mobilefest

Indagado sobre o porquê de ter tanta certeza de que os jovens conseguiriam desenvolver um game em dois dias, Marcelo Godoy respondeu: “Se você quer saber, nesse workshop os alunos terminam ensinando aos professores. É impressionante como eles agem como se já conhecessem todo o processo”. Na realização da Gincana Demo, esse “domínio nato” dos estudantes ao qual Godoy se referiu veio à tona em vários momentos, como no instante em que os grupos tiveram de ouvir uma música no celular e gravar um vídeo com eles mesmos cantando aquela letra. Inglês fluente, na equipe formada por Juliana Martinez, 16, Gabriela Gopfertz, 16, Bruno Fernandes, 16, Guilherme Moreira, 16, e Cristian Khalil, 16, ninguém tinha, mas tiraram de letra a tarefa, sem qualquer inibição.

Se nunca haviam participado de uma gincana guiada por GPS, também não transpareceram dificuldades em se adaptar ao modelo. Ao encontrar os locais corretos sinalizados pelo software, os grupos receberam mensagens de texto que indicavam as próximas missões. Na realização dessas, extrapolaram os muros do Museu da Imagem e do Som, interagiram com os pedestres, refletiram sobre a língua portuguesa, descobriram funções que não conheciam no celular. Tudo isso num curto espaço de tempo, que representava a velocidade com que o jovem, hoje, consegue realizar diferentes tarefas no seu dia a dia. Com sucesso, o GPS cumpriu o seu papel de relacionar aqueles jovens com o entorno e integrar o uso de informação sobre o meio. Os estudantes, nem de longe, decepcionaram.

Outros games urbanos desenvolvidos no Instituto Waag

De volta ao laboratório, eles discutiram ícones da cultura brasileira, assim como os estereótipos e as suas preferências em relação a temas como gastronomia, cultura e linguagem. Ali começava, de fato, o desenvolvimento do game. Em cima de um desses assuntos, as equipes pensaram em dicas e atividades para compor as informações que alimentariam o software 7scenes. Todos conseguiram finalizar a tarefa.

Gincanas no foco de discussão entre especialistas

Em evento realizado ao final do primeiro dia de workshop com os estudantes que desenvolveram os games, o pesquisador Ronald Lenz participou de debate com a professora do Departamento de Engenharia de Sistemas Eletrônicos da EP-USP Roseli de Deus Lopes e com Alberto Magno, CEO da M1ND Corp (empresa americana desenvolvedora de games).

Ali, os especialistas falaram sobre a necessidade de enxergar os jovens como autores e de oferecer instrumentos diversos para que eles possam “queimar etapas”. Paulo Hartmann, organizador do Mobilefest e um dos mediadores do debate, destacou que os jovens de hoje têm acesso a tanta informação e são tão multimídia que superam o “passo a passo”. “Eles são capazes de ir muito longe apenas com algum direcionamento”, diz Hartmann. Prova disso foi justamente a realização, sem qualquer atropelo, de uma tarefa complexa, como desenvolver o game, em tão curto período.

Ronald Lenz explicou que, no Instituto Waag, onde trabalha, os games desenvolvidos têm a proposta de aflorar o lado estrategista e tecnologista dos alunos. Segundo ele, ao utilizar o ambiente urbano, o aluno se sente o próprio personagem de um jogo. Ele é o avatar numa dinâmica em que a participação e a colaboração são realizadas ao mesmo tempo em que ele se apropria do espaço onde vive.

Para Marcelo Godoy, a importância do GPS se dá por significar, de alguma forma, um adiantamento do que todos encontraremos no futuro. “Em poucos anos, eu não serei só o Marcelo. Eu serei o Marcelo que está exatamente em tal localização. E como eu vou me relacionar com as coisas que não estão no mesmo lugar que eu? Com a realidade aumentada”, diz.

Roseli de Deus, que falou sobre os games de forma ampla, sem destacar exatamente o formato gincana, defendeu o potencial que eles apresentam para carregar informações que podem agregar muito ao conhecimento de mundo do aluno. A professora disse valorizar até mesmo jogos violentos. “Se o educador conseguir trabalhar ali questões de conflitos, por exemplo, o aluno pode aprender história.”

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