Para o ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 2014, o indiano Kailash Satyarthi, a escravidão humana e o analfabetismo são dois lados da mesma moeda. Em uma aula pública ministrada no Senac Lapa Scipião, em São Paulo (SP), nesta quarta-feira (26/1), Kailash – que é fundador da Campanha Global pela Educação – relembrou o primeiro episódio de libertação de pessoas em situação análoga ao trabalho escravo que participou, na Índia, em 1990. Na ocasião, uma garota de 14 anos que estava com tuberculose faleceu antes do atendimento médico chegar, após ser libertada de uma fábrica de tijolos.
 
“Ela e sua família haviam sido roubados de seu vilarejo e os traficantes deram um contrato para o pai, que era analfabeto, colocar sua impressão digital. Toda vez que ele pedia para sair para cuidar da filha, os traficantes o impediam e o ameaçavam com o contrato. O pai me disse que se soubesse ler e escrever, sua filha não teria morrido”, contou. “Educação é um passo importante para desenvolvimento humano, chave para abrir o futuro, direito fundamental que abre aporta para os demais direitos. Ela pode empoderar, trazer justiça social e igualdade de gênero. Mas para aquele pai, a educação era simplesmente uma questão de vida ou morte. Por isso, digo que não dá para combater a escravidão sem acabar com o analfabetismo”, ponderou. 
 
Campanha global
Para 2016, Kailash pretende reunir cem milhões de jovens ao redor do mundo em uma campanha pelo direito à educação e contra o trabalho escravo. Além disso, ele prega que a agenda até 2030 seja proteger as crianças de todas as formas de violência. “Por causa do que aconteceu na Nigéria, com o sequestro de meninas promovidos pelo Boko Haram [grupo radical islâmico], um milhão de crianças têm medo de ir à escola na região. Além disso, a maioria dos jovens que sofrem lavagem cerebral de religiosos fundamentalistas só são submetidos a isso, porque falta educação de boa qualidade”, relacionou. 
 
No encontro, o ganhador do prêmio Nobel ainda criticou a privatização da educação no mundo: “um direito não pode ficar nas mãos de poucas pessoas para ser comercializado” e parabenizou os estudantes paulistas e goianos que participaram das ocupações contra as reorganizações impostas pelos respectivos governos
 
“Vocês são maravilhosos, o mundo inteiro precisa de vocês. Quando eu tinha 13 anos, fui preso pela polícia contra a imposição do inglês no currículo escolar da Índia, que já era uma nação livre. A polícia me bateu igual aconteceu com vocês. Se me perguntassem, eu diria que faria tudo de novo”, confessou.
 
Kailash Sayarthi com os estudantes que ocuparam a Escola
Estadual Fernão Dias, em São Paulo 
 
Kailash também relembrou o pioneirismo do Brasil no combate ao trabalho infantil. “Houve o Bolsa Escola e depois o Bolsa Família, que foi expandido para todo o Brasil e ajudou a diminuir o trabalho infantil e a ampliar a frequência escolar. Muitas pessoas podem achar isso que não é mais um problema nos dias de hoje, por isso os números podem voltar a crescer”, advertiu. Confira, abaixo, entrevista à imprensa com o Prêmio Nobel da Paz:
 
NET Educação  Qual o impacto da privatização da educação no direito à educação?
 
Kailash Satyarthi – Os resultados são diferentes. Em alguns casos, quando as empresas constroem as escolas onde há crianças trabalhando, elas deram acesso à educação. Mas, na verdade, a respostas está na educação pública. É uma obrigação do Estado fornecer educação para todas as crianças. Ele pode trabalhar em parceria com o setor privado, com a sociedade civil, e com instituições como igrejas mas, no final, a responsabilidade é do Estado. 
 
Como será a campanha que pretende reunir cem milhões de jovens ao redor do mundo para mudanças na educação?
 
Satyarthi  Ela está na fase de planejamento. Já nos encontramos com vários líderes de mídias sociais, líderes jovens, de universidades e diretores de organizações para ter apoio para essa ideia. Vamos lançar em algum momento deste ano. Vai ser uma campanha online e offline. Por meio da campanha online, jovens poderão criar petições e demandas, falar com o governo e com comunidade internacional. Poderão protestar contra violência e escravidão infantil, exigir maior investimento dos governos para a educação. Também, poderão pedir que as comunidades internacionais cumpram as promessas feitas em relação a educação infantil. Por exemplo, 6 % do PIB dos países estão comprometidos com educação em teoria, mas isso não é feito na prática. Eles poderão se opor ao uso do trabalho infantil na cadeia de produção de produtos, o que ajuda a incorporar responsabilidade corporativa. 
 
Como é feito o trabalho em educação após o resgate das crianças?
 
Satyarthi  No caso das crianças, é necessário mais esforço, porque elas possuem diferentes idades e precisamos garantir que consigam ser incorporadas na educação formal. Tem também diferentes elementos que combinados formam a educação, como empreendedorismo, ética, excelência e igualdade. Eles têm que vir juntos com a educação. 
 
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