Cora Coralina, pseudônimo de Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas (1889-1985), foi uma escritora e contista do Brasil, nascida na Cidade de Goiás (GO). Publicou seu primeiro livro aos 75 anos e se destacou por abordar temas relacionados à identidade cultural e às questões sociais, como as tradições do interior e o cotidiano das mulheres.
“Pelas lentes de sua obra podemos conhecer um Brasil profundo, com seus saberes e fazeres. Considerava-se pertencente a uma geração ponte, no limiar da Nova República e em um país que punha fim ao regime de ecravidão”, descreve a professora de literatura da Universidade Estadual de Goiás (UEG) Ebe Maria de Lima Siqueira.
Os locais vividos nos primeiros anos de vida são recorrentes em sua obra. Após a infância na Fazenda Paraíso, retorna à Cidade de Goiás no início da adolescência, quando começa a escrever seus primeiros contos e artigos de opinião para o semanário A Rosa, junto com Leodegária de Jesus, primeira mulher a publicar livro em Goiás, em 1906. Porém, muda-se com o marido para São Paulo e retorna à terra natal somente depois de 45 anos.
“Assim, a linha de força da poesia e da prosa de Cora Coralina está centrada na memória. Ela diz em entrevista que precisava ‘passar a limpo os autos do passado’”, afirma Siqueira.
Poesia e prosa
Embora mais conhecida como poetisa, Cora Coralina também escreveu livros de contos, artigos para jornais e livros infantis, sendo ‘Os meninos verdes’ o mais conhecido.
“Também escreveu sobre normas de educação e sobre pessoas simples do povo, como lavadeiras, prostitutas e pessoas sem nome e valia, como ‘Maria Grampinho’, andarilha que morava em seu porão”, relata Siqueira
O próprio pseudônimo ‘Cora’ remete ao ato de corar a roupa, ato das lavadeiras, como aponta o professor de geografia Pedro Arthur Pedreira e a docente da Universidade Federal de Goiás (UFG) Valéria Cristina Pereira da Silva, autores do artigo “A Casa da ponte e o ninho vazio: a geograficidade na poesia de Cora Coralina e Leodegária de Jesus” (2024).
“Em muito dos seus poemas costumava se intitular como a lavadeira do Rio Vermelho. Valendo-se de uma sinédoque, a substituição do agente (lavadeira) pelo trabalho (corar roupa), a poetisa auto identifica-se no papel humilde de lavadeira em sua função libertária”, diz o artigo.
A seguir, os professores orientam como utilizar a obra de Cora Coralina nas aulas de língua portuguesa e geografia.
Lingua portuguesa: apresentando o gênero poesia
Professora de língua portuguesa no CEPMG-Unidade João Augusto Perillo, de Goiás, Edina Faria de Almeida usou a poesia de Cora Coralina para a formação leitora com alunos do oitavo ano do ensino fundamental. As atividades consistiram na leitura das obras ‘Poemas dos becos de Goiás e estórias mais’, por meio das quais trabalhou identidade e regionalidade.
Segundo Siqueira, qualquer livro de Cora pode ser apresentado a leitores de diferentes idades, com a mediação do professor.
“Seus principais livros considerados infantis surgiram de poemas que fazem parte de seus livros escritos teoricamente para os adultos. Como ‘O prato azul-pombinho’, ‘As cocadas’ e ‘Contas de dividir e trinta e seis bolos’”, assinala.
Porém, cuidados são necessários. “Contextualize com os alunos o tempo em que Cora começou a escrever para destacar o seu pioneirismo no interior de Goiás. Além disso, deve-se ressaltar que os 13 anos de anonimato, desde que ela publica seu primeiro livro em 1965 (‘Poemas dos becos de Goiás e estórias mais’), deram-se exatamente por ela ser mulher, idosa e originária de um estado sem tradição na literatura”, aponta Siqueira.
“Para completar, deve-se tomar Cora Coralina pela grandeza de sua obra e não pelo viés etarista, não a destacando apenas como uma velhinha que foi doceira e fazia poemas”, completa.
Geografia: lugar, paisagem e identidade
Na poesia de Cora Coralina é possível trabalhar os conceitos de paisagem, região, lugar e cidade, como orienta Pedreira. “Isso pode ser feito articulando escalas entre a casa e a cidade, por exemplo”.
O professor lembra que Cora expressa “lugar” como uma ideia de pertencimento. “A identidade dela está intimamente ligada ao lugar de onde veio. No poema ‘Minha cidade’ ela diz: ‘Eu sou estas casas encostadas cochichando umas com as outras’”, exemplifica.
“Em textos como ‘Minha cidade’, ‘O Rio Vermelho’ e ‘O poema do milho’, ela articula espacialidades com a realidade e a paisagem local”, reforça Silva.
“Ao referenciar seu local de infância, ela o coloca como parte de sua identidade. No poema ‘Minha cidade’, ela diz: ‘Eu sou aquela menina feia da ponte da Lapa. Eu sou Aninha’. Ao completar o texto com seu apelido quando criança, deixa claro que o processo de sua infância é importante para mostrar quem ela é”, completa Silva.
Em sua tese de doutorado O (re)significar o lugar no ensino de geografia em Goiás: por meio da poesia de Cora Coralina (2017), Rosana Alves Ribas Moragas criou uma sequência didática para explicar o conceito de lugar usando duas poesias: “Minha cidade”, do primeiro livro de Cora Coralina, “Poemas dos becos de Goiás e histórias mais”, e “Jabuticabal II”, escrita no livro “Meu livro de cordel”.
“Para isso, desenvolvemos atividades prévias sobre o conhecimento dos alunos sobre lugar, atividades escritas, musicais e desenhos sobre o Cerrado que eles conhecem e atividades sobre as duas poesias de Cora Coralina. Os alunos discutiram as concepções de lugar presentes nas poesias de Cora, tentando relacionar os aspectos geográficos evidenciados nas poesias com o contexto da realidade dos alunos. Finalizamos essa terceira fase com a elaboração, pelos alunos, de uma poesia sobre a cidade na qual eles residem, ou seja, Jataí (GO)”, relata a professora.
Outro conceito geográfico que pode ser explicado por meio da poesia da autora é o de paisagem. “Uma característica de Cora, influenciada pelo romantismo em Goiás, é a descrição do espaço. A paisagem vai além da descrição física, incluindo as sensações que o espaço proporciona às pessoas, como sons e cheiros, e como cada um interage naquele espaço”, analisa Pedreira.
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