A escola pode ajudar a prevenir o suicídio entre crianças e adolescentes ao identificar fatores de risco, criar mecanismos de proteção e difundir informações qualificadas sobre o assunto.
“O suicídio é um fenômeno complexo que, embora se manifeste individualmente, está profundamente ligado ao contexto social, às relações e à história de vida da pessoa, sendo resultado da soma de diferentes experiências e fatores ao longo do tempo”, resume a psicóloga e servidora do Instituto Federal do Paraná (IFPR) Aneliana da Silva Prado.
“Como crianças e jovens passam a maior parte do tempo na escola, é nesse espaço que muitas vezes se percebe quando alguém não está bem emocionalmente. Além disso, ela pode atuar em fatores de proteção, como a promoção da socialização e de saúde mental”, resume Prado, que é uma das autoras do e-book gratuito “Vamos falar sobre suicídio? A prevenção no ambiente escolar”.
O fenômeno exige atenção de educadores devido à sua incidência. Entre 2000 e 2022, correspondeu a 3,63% das mortes de brasileiros entre dez e 19 anos de idade, segundo o relatório “Adolescência e suicídio: um problema de saúde pública”, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz, 2024).
Nesse mesmo período, os suicídios entre adolescentes cresceram 53,6 vezes, índice superior ao observado em outras idades. Para os autores do estudo, isso pode ser reflexo de situações contemporâneas que geram desesperança em jovens, como crises econômicas e mudança climática.
Identificando alunos vulneráveis
“O comportamento suicida é um conjunto de pensamentos e ações. Inclui a ideação, planos de provocar a própria morte, tentativas e, por último, a efetivação do ato”, informa a psicóloga, mestra em enfermagem psiquiátrica e autora do e-book, “Prevenção do Suicídio nas Escolas: o que a equipe escolar pode fazer?”, Suzanna Martins Dutra.
Ela explica que os professores devem se atentar a fatores de risco em alunos. “A presença de um ou mais deles não determina com certeza se há comportamento suicida. Contudo, aponta para a necessidade de atenção”, orienta Dutra.
Os fatores de risco mais comuns são:
- Presença de transtornos mentais e sofrimento emocional. “Desamparo, desespero, desesperança, incerteza sobre o futuro, falta de sentido na vida e sensação de aprisionamento são comumente vivenciados por quem apresenta comportamento suicida”, elenca Dutra;
- Histórico de autolesão;
- Exposição a violência, abuso, negligência e maus-tratos;
- Vulnerabilidade social;
- Abuso de álcool e drogas;
- Tentativa prévia de suicídio;
- Autodepreciação e sentimento de ser “um peso” para outros. “Dizer ‘queria dormir e não acordar’, ‘o mundo seria melhor sem mim’ ou ‘sou um fracasso’ podem indicar ideia de morte”, alerta Prado;
- Falta de pertencimento ou conexões, afastando-se de amigos e familiares;
- Luto por entes queridos;
- Ser vítima ou praticante de bullying;
- Dificuldade de adaptação em ambiente escolar;
- Mudança de comportamento na escola. “A referência é o modo como a pessoa costumava se portar antes. Se tinha amigos e se isolou, se passou a ter notas baixas..”, exemplifica Dutra;
- Impulsividade. “Pode indicar desinteresse em fazer planos futuros”, analisa Prado; e
- Exposição a comportamento suicida de terceiros, o chamado “efeito de contágio”. “Ou seja, histórico de suicídio entre pessoas próximas, exposição ao suicídio em redes sociais ou pela mídia de forma glamourizada”, diferencia Dutra.
Prado explica que nem sempre a vontade de deixar de viver é manifestada por estudantes de forma clara e objetiva. “Pode ser expressa em tarefas escolares como redação e desenho, por exemplo”.
Acolhendo o aluno com ideação suicida
Qualquer adulto do ambiente escolar que se sinta preparado pode convidar o aluno em vulnerabilidade para uma conversa, desde que se sinta preparado para isso.
“O objetivo é estabelecer confiança. Você pode dizer: ‘Eu percebi que talvez você não esteja bem ou esteja passando por uma situação difícil; caso queira compartilhar estou à disposição para ajudar’. E pergunte diretamente se há pensamentos de morte”, recomenda Prado.
Para Dura, deve-se oferecer uma escuta atenta, sem julgamentos, e estimular a expressão de sentimentos.
“Durante o acolhimento, é possível auxiliar o estudante a pensar em alternativas saudáveis para lidar com problemas e resgatar fatores de proteção. Ajudá-lo a compreender que ele necessita de cuidados, apresentar recursos disponíveis e como acessá-los”, acrescenta.
Ele pode ser encaminhado à Unidade Básica de Saúde (UBS) ou diretamente ao Centro de Atenção Psicossocial (Caps) para acessar serviços de saúde mental. Se houver vulnerabilidade social, o Centro de Referência de Assistência Social (Cras) pode ser acionado. Em casos de risco imediato à vida, pode-se chamar o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), pelo telefone 192, ou levá-lo à Unidade de Pronto Atendimento (UPA).
“Acione a família e a rede de apoio do aluno e demostre estar disponível para ele novamente no futuro”, pontua Dutra.
Já o que não se deve fazer é ignorar o comportamento suicida, invalidar sentimentos, achar que o aluno está querendo “chamar a atenção’” emitir julgamentos, buscar culpados ou formular explicações simplicistas para um fenômeno que é complexo.
“Além disso, deve-se evitar que o estudante acesse meios que possam provocar morte, como armas, medicamentos e substâncias químicas usadas, inclusive, em ambientes escolares, como em laboratórios de ciências”, acrescenta Prado.
Ações de proteção na escola
Assim como há fatores de risco envolvidos, há mecanismos de proteção que podem ser praticados pela escola.
- Enfretamento ao bullying. “Ele provoca isolamento, falta de conexão e de pertencimento”, justifica Prado;
- Ações pedagógicas que criem pertencimento e vínculos positivos do aluno com a equipe escolar e pares. “O estudante precisa perceber que é importante para aquela comunidade”, assinala Prado;
- Respeito à diversidade. “Devido à discriminação, a população LGBTQIAPN+ possui fator de risco ao suicídio”, lembra a psicóloga;
- Discutir questões de gênero. “É uma balança complexa porque, estatisticamente, garotos se matam mais, mas as tentativas são maiores entre meninas”, diz a especialista;
- Adotar cuidados com a saúde mental da equipe escolar e oferecer formação continuada sobre o tema a professores e funcionários, que servirão de rede de apoio;
- Discutir o acesso a serviços especializados de saúde mental. “Depressão, estresse pós-traumático e ansiedade não tradados são fatores de risco”, afirma a Prado;
- Ações que desenvolvam habilidades socioemocionais. “A escola pode ser um espaço para aprender que sentir tristeza ou ansiedade é normal, mas é preocupante quando essas emoções se tornam muito frequentes ou intensas, prejudicando a vida cotidiana”, enfatiza Prado. “É importante que o estudante perceba que é capaz de lidar com suas emoções e resolver problemas, sem se sentir um peso”; e
- Discutir planos de vida e perspectivas positivas sobre o futuro. “Basicamente, pertencimento, rede de apoio e uma sensação de capacidade de dar conta dos desafios da vida geram esperança”, sintetiza Prado.
Divulgando informações adequadas
Além de identificar, acolher e proteger alunos vulneráveis, também é preciso formar a comunidade escolar sobre o tema, com ações que não se restrinjam ao Setembro Amarelo, campanha de prevenção ao suicídio iniciada em 2015. “Evitar abordar o tema com medo de incentivar ou agravar esse comportamento é um erro. Abrir espaços de diálogo sobre suicídio e saúde mental favorece justamente a expressão de sentimentos e a busca por ajuda”, enfatiza Dutra.
As pesquisadoras listas as informações adequadas a serem difundidas com a turma.
- Não se deve atribuir o suicídio à “falta de fé”, a uma “fase que passa” ou dizer que é “frescura”. “Julgamentos podem inibir a pessoa em sofrimento a buscar ajuda adequada”, afirma Dutra;
- É errado que não se pode impedir uma pessoa decidida a morrer por suicídio. “O comportamento suicida é permeado por ambivalências: ao mesmo tempo que a pessoa deseja encerrar a sua vida, pode ter o desejo de viver”, acrescenta;
- É errada a ideia de que “quem fala não faz”. “Expressões sobre a vontade de morrer, verbais ou redes sociais, são sinais de alerta”, afirma Dutra;
- Deve-se atentar para a linguagem utilizada, evitando expressões como suicídio “bem-sucedido”, “exitoso”, “completo”, tentativa “malsucedida”, “cometeu suicídio” e “suicídio consumado”. “Opte por termos como ‘morreu por suicídio’, ‘morte por suicídio’ e ‘tentativa não-fatal’”, orienta Dutra;
- Não atribua causas ao suicídio, evitando frases como “tal pessoa tentou suicídio porque…”. “O comportamento suicida é complexo e multicausal, de modo que não há como atribuir suas causas a um único fator”, esclarece Dutra;
- Evite o efeito de contágio, não compartilhando fotos, vídeos, métodos e locais de suicídio, incluindo em redes sociais;
- “Prefira disseminar notícias e histórias de pessoas que superaram dificuldades e conseguiram lidar com adversidades, assim como de pessoas que sobreviveram a uma tentativa de suicídio”, contrapõe Dutra; e
- Em caso de morte com suspeita de suicídio, recomenda-se não disseminar informações sobre a causa da morte sem a permissão da família, nem divulgar detalhes que possam reforçar o efeito de contágio. “Porém, não ignore a morte da pessoa e não silencie as expressões de luto da comunidade escolar”, finaliza Dutra.
Veja mais:
Descubra 4 músicas para discutir saúde mental com alunos do ensino médio
Morte de aluno ou de professor não deve ser ignorada em sala de aula
Luto e infância: 10 livros para abordar o tema com os pequenos