Professora há 23 anos, Márcia Fonseca Szokatz incrementou o seu material escolar nos últimos meses. Agora, além de livros, carrega diariamente um pen drive para a Escola Municipal Padre Anacleto Camargo, em Santana do Parnaíba. O simples hábito de salvar arquivos em um dispositivo de armazenamento de dados e transferi-los para outro computador não fazia parte da sua rotina até agosto do ano passado, quando começou o curso a distância para formação de professor do projeto Escola Conectada. Até então, confessa Márcia, ela não imaginava como as novas tecnologias poderiam fazer parte da sua profissão.

Solução educacional do Instituto Ayrton Senna, o Escola Conectada não tem como proposta ensinar os professores a usar o pen drive. Mas, como destaca a coordenadora da área de Educação e Tecnologia do instituto, Adriana Martinelli, a partir do momento em que quebram a barreira inicial do uso da tecnologia, os professores passam a experimentar ferramentas diversas e levar isso à sala de aula naturalmente.

O curso do qual Márcia participou, em São Paulo, é o mesmo que formou a coordenadora pedagógica Lyedja Symea, na cidade de Tabira, no Sertão pernambucano. Ambas as educadoras agora são disseminadoras de uma metodologia de ensino que valoriza a curiosidade dos alunos, incentiva a pesquisa e defende que a forma de aprendizado que apresenta o professor como o único canal do conhecimento não é a mais eficaz.

“Os alunos pensam sobre um tema, formulam uma pergunta e, após uma discussão em sala, aprofundam o conhecimento com pesquisas”, explica Izabela Freitas, professora da escola Carlota Breckenfeld, em Tabira, que monitora os conteúdos apurados antes de eles serem levados ao ambiente virtual.

O endereço final das pesquisas é sempre um “ponto com”, pois é em blogs que os alunos despejam as pesquisas concretizadas. Durante a formação, processo que leva seis meses, os professores são orientados a permitir que os estudantes proponham os temas que queiram estudar. Nada de tolher ideias, pois a proposta é que diferentes disciplinas sejam integradas no trabalho de pesquisa.

“As perguntas que os alunos trazem podem vir carregadas de experiências pessoais, mas não deixam de ser interessantes”, relata Elisabete de Jesus Cordeiro, professora em Santana do Parnaíba. Nos páginas do fichário rosa com desenhos de coração de uma das suas alunas da 8ª série, a palavra cirrose aparece repetidas vezes em letras caprichadas escritas com canetinha coloridas. Um dos parentes da adolescente de 14 anos morreu após complicações da doença e ela nunca havia tido a oportunidade de pesquisar sobre o tema.

Em Tabira, a professora Izabela Freitas também observou o mesmo comportamento. Um aluno escolheu como palavra-chave “infarto” por ter sido essa a causa da morte de sua avó. “Observe que podemos sugerir pesquisas sobre a estrutura do coração, as causas do infarto e sobre hábitos que podem potencializar o risco do infarto”, avalia Izabela.

Temas com apelo social que costumam suscitar debates, como aborto, estresse, cigarro, também são constantes – como é possível observar ao navegar pelos blogs -, mas há espaço ainda para aquilo que soa exótico à realidade brasileira. Em Santana do Parnaíba, Gabriela Moreira, 14 anos, elegeu o urso polar como foco da sua pesquisa. “Eu tinha muita vontade de saber como eles vivem”, justifica a adolescente, que foi orientada a não limitar suas buscas à internet e a enveredar pelos livros da biblioteca da escola. “O importante é que a internet seja apenas mais uma ferramenta do aprendizado”, destaca a professora Elisabete.

De acordo com o Instituto Ayrton Senna, a metodologia já chegou a 302 mil alunos após 4.300 educadores terem sido capacitados. No Brasil, são 14 municípios participantes. Nas localidades, nem todas as escolas possuíam computadores e acesso à internet quando abraçaram o projeto, mas parcerias do instituto com empresas que produzem hardware ou software, como Microsoft, Intel, Dell, HP e Lenovo possibilitaram doações para formação e/ou incremento de um ambiente voltado para a tecnologia.

BLOGS:

O projeto como uma política pública

Em Araxá, município distante 367 km de Belo Horizonte, as oito escolas municipais adotaram a metodologia de pergunta/pesquisa/publicação de blogs sugerida pelo projeto Escola Conectada.

A implantação na rede, que conta com cinco escolas rurais e três urbanas, começou em 2005, depois que a Secretaria de Educação da cidade acompanhou uma experiência bem sucedida na Escola Municipal Professora Leonilda Montandon.

“Percebemos que a postura dos professores e dos alunos mudou, pois o fato de eles saberem como usar o computador para complementar uma ação que estavam desenvolvendo em sala aumentava bastante o interesse pelos temas debatidos”, conta a coordenadora de projetos da Secretaria Municipal de Educação de Araxá, Josenice Borges de Resende.

Josenice não hesita em afirmar que, antes de 2005, os laboratórios de informática montados nas escolas via doações do Governo Federal eram ociosos. “Só saímos da estaca zero quando os professores puderam ter uma formação adequada e isso não foi proporcionado pelo governo”, critica.

Em Santana do Parnaíba, a prefeitura local vislumbra percorrer o mesmo caminho. Até o momento, 15 escolas já foram integradas ao Escola Conectada, segundo a coordenadora do projeto na cidade, Célia Munhoz, e há quem acredite que a iniciativa será duradoura. Para a professora Elisabete de Jesus Cordeiro, sua escola já possui uma nova dinâmica de ensino: “Os alunos escolhem o que vão estudar, mas têm um direcionamento correto dos professores, que foram preparados para lidar com isso”.

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