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A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo anunciou, em agosto deste ano, o itinerário formativo técnico em educação no novo currículo do ensino médio, a ser implantado a partir do início de 2021. Ao comunicar a iniciativa, o secretário da pasta, Rossieli Soares, defendeu que se trata de uma medida para estimular os jovens a se interessarem novamente pela docência. 

Já para a professora aposentada e orientadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Maria Isabel de Almeida, “a oferta de uma possibilidade técnica para a formação no campo educacional continua jogando uma pá de cal em cima da necessária formação pedagógico-política-didática” do professor da educação básica.

A membro da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação e professora aposentada da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Helena Costa Lopes de Freitas, acrescenta que um dos problemas é que essa formação em nível médio pode ser usada como parte da carga horária do ensino superior.

“Você está se formando no nível médio, mas você já se introduz como parte do ensino superior, porque isso será considerado como formação do superior de uma menor carga horária”, analisa.

Ao concluir o itinerário “Técnico em educação”, o estudante poderá assumir algumas atividades na escola, como a de assistente de professor. “Ela é uma função inexistente dentro do quadro de profissionais da educação. Quer dizer, qual é a possibilidade que se oferece a esses meninos e essas meninas? É a de um subemprego”, afirma Almeida.

“Significa que você realmente oferece menores condições de formação a esse jovem do ensino médio, do ponto de vista da pesquisa, da investigação, da articulação entre teoria e prática”, conclui Freitas.     

No podcast, as especialistas apontam ainda que consequências essa formação deve ter no piso salarial da categoria e quais seriam medidas mais efetivas para motivar os jovens a estarem mais interessados pela profissão de professor. 

Transcrição do Áudio

Transcrição do áudio:

Música “Just us League”, de RKVC, fica de fundo

 

Maria Isabel de Almeida:

O que a gente está vivendo – e isso em todos os níveis de ensino – é um esvaziamento da possiblidade de se trabalhar compreensões dos sujeitos a respeito do mundo em que ele vive. 

Eu sou Maria Isabel de Almeida, orientadora no programa de pós-graduação em educação da faculdade de educação da USP; trabalhando nessa vertente de formação e atuação docente, tanto da escola básica como da educação superior.  

 

Vinheta “Instituto Claro – Educação”

 

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

 

Marcelo Abud:

Em agosto deste ano, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo anunciou o itinerário formativo “técnico em educação”. Essa é uma das novidades do currículo do novo ensino médio, a ser implantado a partir de 2021. 

O secretário de Educação de São Paulo, Rossieli Soares, defende que essa é uma forma de estimular jovens a se interessarem mais pela carreira docente. 

Maria Isabel de Almeida discorda. 

 

Maria Isabel de Almeida:

Não é a falta de uma portinha para a entrada na profissão que muda o cenário para essa juventude. A oferta de uma possibilidade técnica para a formação no campo educacional continua jogando uma pá de cal em cima da necessária formação pedagógico-política-didática. Então nós continuamos tendo todas as dificuldades de salário, de carreira, de condição de trabalho, de sobrecarga, de subemprego…

 

Música: “É…” (Gonzaguinha)

A gente quer viver uma nação

A gente quer é ser um cidadão

 

Marcelo Abud: 

A professora aposentada da Unicamp e responsável pelo blog Formação de Professores, Helena de Freitas, vê problemas nessa formação menos teórica.

 

Helena Costa Lopes de Freitas:

Quando nós olhamos na perspectiva do que está posto como política pública, hoje, você tem esse itinerário de técnico em educação como uma fase intermediária que poderá ser complementada com o curso superior, considerando ou toda a carga horária ou parte da carga horária. Você está se formando no nível médio, mas você já se introduz como parte do ensino superior, porque isso será considerado como formação do superior de uma menor carga horária.           

 

Marcelo Abud:

O itinerário “técnico em educação” deve formar profissionais para diferentes funções na escola, entre elas, a de assistente de professor. 

 

Maria Isabel de Almeida:

Ela é uma função inexistente dentro do quadro de profissionais da educação. Quer dizer, qual é a possibilidade que se oferece a esses meninos e essas meninas? É de um subemprego… no dia em que o professor não vier, que a professora faltar, o que fará este substituto técnico que está ali dentro da sala de aula? Ele vai passar a lição para os alunos? Vai ser um bedel que vai controlar a sala de aula? Porque ele não tem o preparo de formação profissional exigida por lei para assumir a sala de aula. Então esta função ela não está normatizada e dentro dela, portanto, na prática, cabe tudo.      

 

Helena Costa Lopes de Freitas:

Significa que você realmente oferece menores condições de formação a esse jovem do ensino médio, do ponto de vista da pesquisa, da investigação, da articulação entre teoria e prática. E significa, também, sonegar uma formação, principalmente à infância de 0 a 10 anos que é, via de regra, onde os profissionais do ensino médio podem atuar, quando ele é terminal.     

 

Música: “Herdeiros do futuro” (Elifas Andreatto / Toquinho), com Toquinho 

Somos os herdeiros do futuro

E pra esse futuro ser feliz

Vamos ter que cuidar

Bem desse país

 

Maria Isabel de Almeida:

A reforma do ensino médio como um todo ela reafirma um dualismo muito perverso dentro da sociedade brasileira, que perpetua a separação entre aqueles que vão se preparar para prosseguir seus estudos e aqueles que vão se preparar para o mercado de trabalho.

 

Helena Costa Lopes de Freitas:

A luta nossa é para que todos os professores de educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental sejam formados em nível superior. Isso vem desde a LDB. Isso não aconteceu. Na educação infantil se contrata como monitores, por exemplo, profissionais formados em qualquer licenciatura do curso médio regular, porque o piso salarial nacional profissional ele está determinado, com esse valor que ele tem hoje, com a formação em nível médio e não a formação superior. E quando os professores têm formação superior, esse piso aumenta um determinado valor bem mínimo assim.

 

Maria Isabel de Almeida:

O que nós temos hoje é exatamente o empobrecimento desta formação docente, apostando numa perspectiva técnica, mais ainda tecnicista, que priva o futuro profissional na educação durante o seu percurso formativo de ter acesso a referências teóricas e metodológicas que permitirão compreender o seu fazer profissional. Quando eu não tenho essa base teórico-metodológica pra entender onde estou, o que faço, porque faço e como faço, este professor ou esta professora é presa fácil das propostas que vêm de cima, verticalizadas, que pensam o seu fazer, que o instrumentalizam.

    

Música: “Luta de classes” (Francisco Eduardo Fagundes Amaral / Samuel Rosa De Alvarenga), com Cidade Negra

E no Brasil, hein?

Daí é que vem a história

Daí o homem serviu

Escravo para servo

Trabalhador do Brasil

 

Marcelo Abud:

Helena de Freitas aponta que o retrocesso tem início com a reforma do ensino médio e se intensifica com a aprovação da Base Nacional Comum para a formação inicial e continuada dos docentes de todo o país, em dezembro de 2018. 

 

Helena Costa Lopes de Freitas:

E a base nacional comum de formação de professores, totalmente sintonizada com a BNCC, com a concepção técnico-instrumental do trabalho do professor, portanto, muito contrário àquela perspectiva de como deve se dar a formação em nível superior, articulada com a pesquisa, com o ensino, com a extensão, vínculos com a escola, uma sólida formação teórica no campo da educação, no campo das teorias pedagógicas e no campo das disciplinas pelas quais os professores são responsáveis.

 

Maria Isabel de Almeida:

A gente tem um histórico de lutas dentro da comunidade de docentes brasileiros exemplar no sentido da resistência e da defesa de elementos que são importantes pra valorizar a profissão, que passa pelo respeito salarial; uma carreira digna; por condições de trabalho que assegurem uma execução com decência do ensinar e do aprender; e uma formação com qualidade, tanto a formação inicial como a formação contínua. Fora disso eu acho que estamos brincando de enganar mais um pouco a nossa juventude, a sociedade como um todo.   

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, de fundo

Marcelo Abud:

Para as especialistas, essa espécie de volta ao “curso normal”, em que instituições de nível secundário formavam docentes para atuarem na escola primária, vai contra a política que vinha sendo adotada nos últimos anos no sentido de valorizar a formação de professores. 

Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro. 

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