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Desde 2017, o educador social Pedro Miranda aposta na filosofia como forma de transformar a mente de jovens que moram em regiões periféricas do Rio de Janeiro (RJ). No início, seu projeto, chamado Turma Jovelina, realizava festivais para integrar a Arena Carioca Jovelina Pérola Negra ao sistema de educação do bairro da Pavuna.

Alunos de escola municipal são chamados de “pensadores cariocas” por Pedro Miranda, educador do projeto (crédito: divulgação)

 

“A ideia é estimular o pensamento crítico, não oferecendo necessariamente respostas, mas questionamentos que movem transformações no âmbito mental, educacional e social”, resume o bacharel em filosofia, criador e coordenador da iniciativa, que cresceu e agora passou a se chamar Pensadores Cariocas.

Nos encontros, que chegam a ser realizados durante três dias nas escolas, o filósofo utiliza ações não formais de educação, para tornar o ambiente escolar atraente e levar a filosofia de forma prática. “Nós debatemos questões do bairro em que os estudantes transitam, da comunidade em que moram e dos acontecimentos em suas vidas. Nestas dinâmicas, ninguém é superior, mais inteligente ou importante que ninguém.”

Em um primeiro momento, você pode imaginar que os pensadores são os professores, mas Miranda explica que esses filósofos são, na verdade, os alunos. “Como profissional da filosofia, neste atual século que a gente está vivendo, a minha função é criar dispositivos para que todos possam pensar filosoficamente. Os pensadores cariocas são os estudantes, que passam pelo projeto, que se tornam os pensadores.”

Pedro Miranda utiliza práticas não formais de educação para transmitir conceitos da filosofia na prática (crédito: divulgação)

 

Por enquanto, as oficinas acontecem em Pavuna e Costa Barros, regiões periféricas da zona norte do Rio de Janeiro. Para 2020, ele deve ser ampliado alcançando novos lugares: Maré, Complexo do Alemão e Caju, que também ficam na zona norte da cidade, a Rocinha, que fica na zona sul, e a Vila Kennedy, que fica na zona oeste.

No áudio, você conhece mais sobre o projeto e algumas dinâmicas realizadas nas escolas, além de ouvir depoimentos de uma professora e uma aluna de instituição que contou com a iniciativa.

Crédito das imagens principais: divulgação

Transcrição do áudio

Pedro Miranda:
Os pensadores cariocas, na verdade, são os estudantes das escolas. Não sou eu o pensador carioca. Como profissional da filosofia, neste atual século que a gente está vivendo, a minha função é criar dispositivos para que todos possam pensar filosoficamente, sabe? Então, eu tenho essa “coisa” de que os pensadores cariocas são os estudantes das escolas que passam pelo projeto, que se tornam os pensadores.

Música: “Andar com fé” (Rincon Sapiência)
“Diz a filosofia / Existimos enquanto pensamos / É assim pelas periferias / Resistimos enquanto lutamos”

Vinheta: “Instituto Claro – Cidadania”
Música executada por Reynaldo Bessa de fundo

Marcelo Abud:
O projeto Pensadores Cariocas leva filosofia às escolas públicas do Rio de Janeiro. A ideia é estimular o pensamento crítico, não oferecendo, necessariamente, respostas, mas questionamentos. A definição é do bacharel em filosofia, criador e coordenador do projeto.

Pedro Miranda:
Meu nome é Pedro Miranda, e sou também o educador do projeto Pensadores Cariocas.Eu não era um bom aluno na escola. Meu projeto vem também para os que não são bons alunos, que têm criatividade para pensar as coisas que não estão no plano pedagógico, mas que são criativos. Então, os Pensadores Cariocas têm um lado que é pedagógico, educação não formal, mas tem outro lado dele que é produção cultural de um evento que a gente faz nas escolas.

Marcelo Abud:
As oficinas acontecem durante até três dias nas escolas. Miranda fala sobre algumas dinâmicas aplicadas nos encontros com os jovens dos oitavos e nonos anos do ensino fundamental.

Pedro Miranda:
A dinâmica do ET, por exemplo, é a dinâmica que eu abro a minha oficina. Eu boto uma antena de ET na cabeça, aí eu conto uma história falando que eu sou um ser de outro planeta, meu planeta explodiu e eu não sei como fui parar naquele lugar. Eu caí ali, assim, de surpresa. Peço ajuda. Você tem que me ajudar a descobrir onde eu estou. Eu abro geralmente o projeto com essa pergunta: “onde nós estamos?”. Uma pergunta que tem a ver com território. Aí vem respostas: estamos na escola? Estamos na favela? Estamos no Rio de Janeiro? No Brasil? No planeta Terra?

Música: “Andar com fé” (Rincon Sapiência)
“Pode botar uma fé, né? / Nem tudo que dizem que é, é / Informe-se enquanto puder, né?”

Pedro Miranda:
Tem uma coisa meio socrática de perguntar. E aí eu vou desdobrar: “mas o que que é escola? Não sei o que é escola, no meu planeta não tem escola”. Eu gosto de fazer esse debate, perguntar para o aluno o que ele acha da escola, o que ele acha da educação, fazer o aluno se tornar o sujeito da educação, dizer o que ele quer para a escola, o que ele quer para o processo educativo dele, fazer com que ele seja o narrador disso.

Krystal Lima (estudante):
Me chamo Krystal Lima, tenho 14 anos, sou da Pavuna. Pra mim, o projeto Pensadores Cariocas tá sendo muito importante mesmo, porque tá botando fatos que todo mundo vê, que todo mundo ouve, mas as pessoas fingem não ver e fingem não ouvir. Tá abrindo as mentes das pessoas. As pessoas geralmente pensam “adolescentes vêm pra escola pra ficar ou zuando ou brincando”. O nosso futuro somos nós, adolescentes. O que vai ser do Brasil no futuro?

Pedro Miranda:
Aí a proposta do Pensadores da Pavuna foi passar em quatro escolas, que estão em comunidades rivais e fazer um festival na arena. O festival Pensadores da Pavuna tem mais de 100 estudantes, onde todos eles de escolas e comunidades rivais estavam juntos, no mesmo festival, com a filosofia, e foi tudo lindo. Eu ouvi várias críticas, várias ameaças, “nossa, os estudantes vão cair na porrada, vão se matar, moram em favelas rivais, não podem estar juntos, não podem andar juntos”. O festival foi lindo assim, foi amoroso, foi top. 

Música: Mora na filosofia (Arnaldo Passos / Monsueto)
“Mora na filosofia / Pra que rimar amor e dor / Mora na filosofia” 

Pedro Miranda:
Eu ouvi de familiares meus, que são professores de escolas, que diziam “Pedro, você tá maluco, Pedro, pede uma viatura pra ficar na porta da arena, porque eles vão se matar”. Assim, uma noção que se tem aqui na Pavuna, que algumas pessoas não podem atravessar algumas fronteiras invisíveis. E isso me incomoda muito.

E quando a gente atravessou, foi muito engraçado, porque as garotas, adolescentes de 15 anos, 16 anos, 14, a galera queria beijar na boca, queria ficar, ficavam se paquerando, pegando WhatsApp, super curiosos, de conhecer a galera da outra escola.

Música: Cariocas (Adriana Calcanhotto)
“Cariocas são bonitos / Cariocas são bacanas / Cariocas são sacanas / Cariocas são dourados / Cariocas são modernos / Cariocas são espertos / Cariocas são diretos / Cariocas não gostam de dias nublados”

Pedro Miranda:
É grandioso quando você entende antropologicamente o que significa duas comunidades rivais estarem no mesmo evento e a galera da escola não queria nada de guerra, só queria saber de amor, entendeu?

Pedro Miranda declama poesia de autoria dele:
“Mas quem sabe a paz da escola
Na nossa vida também continua
Se pode fazer paz na escola
Também pode fazer paz na rua”

Marcelo Abud:
Para que os próprios adolescentes cheguem à conclusão de qual o melhor caminho a seguir, Pedro Miranda utiliza algumas dinâmicas que aprendeu em sua formação como professor de filosofia.

Pedro Miranda:
A gente fala que estava num barco, o barco afundou e sobrou todos nós dentro de uma ilha e nós aparecemos dentro de uma ilha sem roupa, sem nada. E a gente separa em 4 grupos. Cada grupo vai ser responsável por uma coisa. Um vai ser responsável pela água, o outro vai ser responsável pelo alimento, o outro vai ser responsável pelo abrigo e o outro vai ser responsável pela vestimenta. Eu falo assim: “o que nós vamos conseguir aqui é de todos. Nós vamos trabalhar para o coletivo. Aí vocês vão ter que me apresentar uma proposta (separa em grupos). Como vocês vão conseguir água a curto, médio e longo prazo? Como é que vocês vão conseguir comida, abrigo, vestimenta a curto, médio e longo prazo?”. E eles se separam em quatro grupos e ficam escrevendo. Mas aí eu chego ‘no sapatinho’ pro grupo da água e combino assim: “Galera, é o seguinte: quando o último grupo estiver na apresentação, eu vou fazer um sinal pra vocês, vocês vão começar a gritar, vão começar a bater na mesa, assim, a água é nossa, parceiro, ninguém vai ter a água, a água é só nossa. Acabou, não vamos dividir a água com ninguém”. E aí eu provoco uma situação de conflito, de um golpe acontecendo, um golpe dos bens comuns, a água era para ser de todos e faço um grupo se apropriar da água e testo a reação do todo pra cima desse grupo.

Música: “Desordem” (Charles Gavin / Charles De Souza Gavin / Marcelo Fromer / Sergio Affonso / Sergio De Britto Alvares Affonso)  – Titãs
“E ainda pode se encontrar / Quem acredite no futuro / Quem quer manter a ordem? / Quem quer criar desordem?” 

Pedro Miranda:
“Quem vai chegar ali negociando? “Pô, vamos negociar, te dou um pouco da minha comida”. Quem vai chegar na brutalidade? “Não, me dá essa água aqui, que é nossa”. Quem vai chegar ali, num desprezo de “não sei de nada, não tomar posição, a neutralidade, quem é neutro, né?”. Quem vai pra negociação, quem quer se corromper “pô, vou pro grupo da água também, me aceita aí”. Todos esses lugares que a gente vê nas tensões sociais. A gente trabalha com essa dinâmica: vários avatares, várias reações. Depois a gente debate isso, a gente testa. A gente debate como a gente reage às situações. Como é que a gente leva essa situação pro macro, da sociedade, da política que a gente vive.

Larize Pereira Lopes (professora):
Meu nome é Larize Pereira Lopes, sou coordenadora da escola Fernando Rodrigues da Silveira. Entendo que uma ação dos Pensadores Cariocas é de suma importância pra escola, porque ela leva a crítica ao aluno, eles começam a perceber o que está por trás de tudo o que acontece na sociedade em termos de filosofia, sociologia e política. Então, os vídeos que foram passados, as conversas que eles tiveram com os Pensadores Cariocas abriram as mentes dos alunos. Os alunos passaram a perceber o que estava acontecendo ali em torno deles, além dos problemas de violência que já têm, o que ocasionava isso, de onde partia isso, quem eram os responsáveis reais por isso. Eles começaram a ter um olhar crítico maior do que aquele que a gente desenvolve na escola, até porque uma pessoa de fora, com um trabalho totalmente diferente do que se faz na escola trouxe também um olhar diferente pra eles sobre a nossa sociedade.

Pedro Miranda:
A prefeitura fez uma campanha chamada “Escola é lugar de paz”. Aí eu fui lá e fiz uma poesia chamada “Se a escola é lugar de paz, a rua é lugar de guerra”.

Pedro Miranda declamando:
“Então me responda mais
Pra quem responder, eu pago um milhão
Por que tem dinheiro pra comprar arma
Mas não tem dinheiro para a educação?
Se a escola é um lugar de paz
Que essa paz vá pra toda a atmosfera
A escola é um lugar de paz
Mas a rua ainda é um lugar de…
(crianças em coro) … guerra”

Pedro Miranda:
A gente passa trecho de filme, a gente passa clip de rap, de funk, que tenha alguma questão social, alguma colocação importante sobre as temáticas.

A gente passa uns vídeos da Viviane Mosé falando sobre filosofia…

Depoimento de Viviane Mosé, em apoio ao projeto Pensadores Cariocas:
É fundamental que as pessoas possam mudar suas realidades. Eu não tenho dúvida, nem eu nem o Pedro, que a gente muda a realidade a partir do pensamento, da reflexão, da crítica, especialmente tendo como base a filosofia.

Marcelo Abud:
Viviane Mosé gravou este depoimento, em apoio à luta de Pedro Miranda para aumentar o alcance do projeto em 2020.

Pedro Miranda:
E agora a gente está num processo de inscrição num edital sério, que é o edital do ISS, onde a gente está começando a negociar com instituições um patrocínio. Por enquanto, a gente só trabalha em território Pavuna/Costa Barros, que são “interiorzão”, periferia, zona norte. Ano que vem a gente conseguiu já com a prefeitura indicação para cinco favelas, cinco territórios diferentes do Rio de Janeiro. A gente quer pegar Maré, Complexo do Alemão, que fica na zona norte. A gente vai pegar o Caju, que fica na zona norte também, a Rocinha, que fica na zona sul, e a Vila Kennedy, que fica na zona oeste. Então, o ano que vem o Pensadores Cariocas está passando pelo Rio de Janeiro inteiro.

Música: Subúrbio I Moyseis Marques Part. Chico Buarque
“Fala, Maré / Fala, Madureira / Fala, Pavuna / Fala, Inhaúma / Cordovil, Pilares / Espalha a tua voz / Nos arredores / Carrega a tua cruz / E os teus tambores / Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção”

Música de fundo

Marcelo Abud:
Com oficinas que levam filosofia às escolas cariocas, o professor Pedro Miranda busca desenvolver a participação dos alunos para a construção coletiva de conhecimento, reflexão e debates.

Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.

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