Ouça também em: Ouvir no Claro Música Ouvir no Spotify Ouvir no Google Podcasts Assina RSS de Podcasts

Projeto de alfabetização oferece novas perspectivas a mães e crianças de escola pública de Cabrobó-PE

0:00
Mães voltam a estudar e a sonhar (foto: Luciene Campos)

O projeto “Distantes sim, Desconectados não. Família e Escola projetando Sonhos, promovendo a Inclusão” levou a Escola Municipal Evandro Ferreira dos Santos, de Cabrobó (Pernambuco), à segunda colocação na categoria Superação da Adversidade com Projetos Inovadores do Prêmio World’s Best School Prizes (“Melhores Escolas do Mundo”). O anúncio foi feito em 19 de outubro, em Londres. A ação tem inspiração em Paulo Freire e, a partir de 2021 visa a capacitação e alfabetização de mães de estudantes, a fim de que consigam um maior envolvimento com a educação de filhos e filhas.

“Eu tinha muita vontade, mesmo eu trabalhando na roça, quando eu via assim algum papelzinho eu caçava meio mesmo de descobrir aquelas ‘letra’, ia tentando. Passava daquele papelzinho para um outro papelzinho, escrevendo, mas escrevia ali, não sabia o que é que eu estava escrevendo, porque não sabia ler, né?”. O depoimento é de Maria Creuza Cavalcanti, mãe de Juliano, de 11 anos.

Creuza é uma das dezenas de mulheres que, além de voltar a estudar, têm resgatada a capacidade de sonhar, por meio do estabelecimento de um projeto de vida.

“Elas têm mostrado muito esse ensino mesmo pelo exemplo. Isso tem motivado mesmo as crianças. Elas ficam felizes quando as mães participam e, o contrário, né, as mães ficam felizes quando veem eles participando: aqueles alunos tímidos que não gostavam de falar fazendo apresentações com microfone, ao vivo, para os colegas verem. Então, a gente tem mudado a realidade da nossa escola”, resume a professora e diretora da escola, Elineide Alves dos Santos.

Maria Creuza e o filho Juliano em desfile do aniversário de Cabrobó (foto: Ana Vitória)

 

Acesse o site especialmente dedicado a Paulo Freire

Transcrição do Áudio

Música: Versão instrumental de “Ensinar por Ensinar”, de Reynaldo Bessa

 

Maria Creuza Cavalcanti:

É muitos sonhos que a gente tem, mas o meu sonho era estudar e eu acho que eu vou realizar mais, porque a cada dia que se passa é uma surpresa, sempre tem passeio, a gente conhece novas amizades, as professoras são uns amores de pessoas pra gente. Ali a gente tem até ânimo pra gente viver, pra gente seguir em frente. A gente já se sente outra pessoa.

Eu sou Maria Creuza Cavalcanti, tenho 49 anos e sou a mãe do Juliano Cavalcanti da Silva.

 

Elineide Alves:

Então alfabetizar de acordo com a vivência daquele estudante, no caso agora as mães, faz toda diferença, faz com que elas se sintam pertencentes àquilo que está sendo colocado em sala de aula. Então, Paulo Freire é um responsável direto pelo projeto, porque a gente pensou na metodologia dele e essa frase que ele tem, né, muito importante que ‘a educação não muda o mundo. Ela muda as pessoas e as pessoas mudam o mundo’. Então quando eles entendem que eles são a mudança, que a mudança está neles, na casa deles, eles vão se mover pra fazer essa mudança acontecer.

Eu sou a professora Elineide Alves dos Santos, conhecida como professora Lineide.

 

Vinheta: Instituto Claro – Educação

 

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

 

Marcelo Abud:

A iniciativa “Distantes sim, Desconectados não. Família e Escola projetando Sonhos, promovendo a Inclusão” levou uma escola de Cabrobó à segunda colocação na categoria Superação da Adversidade com Projetos Inovadores, no Prêmio Melhores Escolas do Mundo. A ação tem como objetivo alfabetizar e resgatar sonhos das mães para que sejam exemplos para seus filhos e filhas.

 

Elineide Alves:

É uma escola de bairro, fica num local periférico da cidade, atende poucos estudantes – 150 estudantes – e a gente percebia um grande número de estudantes não participando das aulas nem fazendo as atividades e, às vezes, a gente sentia esse distanciamento do estudante.

Nós tínhamos também a entrega da merenda escolar e as mães vinham pra escola fazer essas retiradas: de materiais, da merenda, e aí a gente começou a observar que muitas mães necessitavam de colocar a digital – precisava da carimbeira – para colocar o dedo e colocar a digital. Então elas não sabiam escrever. Isso me chamou atenção. Aí eu olhei, fiz uma busca ativa nos documentos observando quantas mães tinham lá sem assinatura – 20% das mães do total, da quantidade que nós temos – e, além das que não assinavam (estava lá ‘analfabeta’), tinham aquelas também que assinavam de forma que a gente percebia que o nome não estava completo, que a letra estava muito torta, aquelas que basicamente só sabem (escrever) o nome. Depois a gente fez uma busca ativa nas casas, fez uma busca ativa – por ligações – pra convidar essas mulheres pra uma reunião no formato presencial.

 

Maria Creuza Cavalcanti:

Eu não podia estudar, porque meus pais toda vida foram de roça, aí eu começava a estudar, estudava um mês, dois meses, aí meu pai falava ‘ó, escola não dá futuro a ninguém. Você tem que trabalhar pra ajudar, porque é muito irmão e eu não vou conseguir só’. Aí eu tinha que parar de estudar para ajudar meus pais a acabar de criar meus outros ‘irmão’, aí por isso meu tempo foi muito pouco na escola.

 

Música: “O Cio da Terra” (Chico Buarque e Milton Nascimento), com Pena Branca e Xavantinho

Afagar a terra

Conhecer os desejos da terra

Cio da terra, propícia estação

E fecundar o chão

 

Maria Creuza Cavalcanti:

Eu tinha muita vontade, mesmo eu trabalhando na roça, quando eu via assim algum papelzinho eu caçava meio mesmo de descobrir aquelas ‘letra’, ia tentando. Passava daquele papelzinho para um outro papelzinho, escrevendo, mas escrevia ali, não sabia o que é que eu estava escrevendo, porque não sabia ler, né?

Depois fui mãe de família muito jovem, aí continuei no trabalho sempre de roça, sempre de roça.

 

Elineide Alves:

Explicamos a essas mães que nós gostaríamos de ajudá-las, tínhamos um projeto para que ela aprendesse a fazer o nome, tirar um novo documento e para que ela se empoderasse do conhecimento. Então muitas mulheres aderiram, vieram. Outras não. Começamos a investigar também e aí percebemos que a família não ajudava. Tipo, o marido, às vezes, não deixava ela participar, outras vezes os filhos ‘desencorajava’; falava ‘a senhora está indo pra escola depois de velha, essas situações. Mas aí conseguimos ter um número bom de mães na escola e continuamos este ano.

 

Marcelo Abud:

Com o tempo, Elineide percebe que não basta permitir alfabetização às mães. Para que elas possam inspirar  filhos e filhas, também precisam ter perspectivas de mudança.

 

Elineide Alves:

Como o projeto falava dos sonhos, a gente percebeu que essa mulher era apática, assim ela não pensava no futuro: ‘não, se meu filho estudar, tá bom’. Aí nós convidamos essa mulher também. Não só quem era analfabeta, mas essa mulher que estava sem perspectiva, pra que ela pensasse no projeto de vida dela, pra que a gente ajudasse a incluir essa mulher. Se não fosse na sociedade letrada, mas onde é que ela queria ser incluída?

 

Maria Creuza Cavalcanti:

Era meu sonho era desfilar de 11 de setembro, né, dia do aniversário da cidade. Aí esse ano, justamente, desfilei junto com o meu filho. Eu desfilei assim com uma tiarazinha que a gente mesmo fez lá no projeto. Um sonho que eu pensei que eu ia morrer e não ia realizar, mas, graças a Deus, eu realizei esse sonho e eu sei que eu vou realizar mais, em nome de Jesus.

 

Elineide Alves:

Isso impacta muito nas crianças, porque a gente diz para essas mulheres ‘quando você se empodera do conhecimento, quando você mostra a ele que você, mesmo com toda dificuldade, depois de 40 anos, você voltou pra escola e você tá aprendendo, sempre é possível’. Então seu filho vai dizer ‘se minha mãe está mudando a realidade dela, eu posso mudar a minha, mudar a da minha família’. Daí a gente fala muito disso e as crianças ficam animadas ‘eita, minha mãe disse que eu posso, minha mãe me incentivou a fazer isso’. Quando a gente tem um projeto diferente na escola pras crianças, eles ficam animados ‘ah, minha mãe apoia’.

 

Juliano:

Eu sou Juliano Cavalcanti da Silva, tenho 11 anos e estou na 6ª série.

Antes eu ficava triste, porque eu ia e aí quando eu chegava, eu dizia ‘mãe, eu não tô gostando de estudar naquela escola’. Aí depois que ela começou a estudar lá eu fiquei mais alegre, porque quando ‘nós’ sai, a gente sai junto. Aí as palavras que ela não sabe, eu ensino a ela. Aí as que eu não sei, ela me ensina e por assim vai. E é felicidade, viu?!

 

Maria Creuza Cavalcanti:

Antes ele ficou assim, quando ele foi estudar lá, ele ‘oh, mainha, eu não queria estudar ali’. Aí depois quando eu fui pra reunião em que a Eleneide me fez esse convite e que eu aceitei, aí ele ficou muito animado, muito animado mesmo.

 

Juliano:

Porque quando eu saio daqui pra ir pra lá, eu digo ‘ó, mãe, não esqueça de ir, viu? Vou esperar a senhora lá’. E quando aí termina a aula, eu vou pra sala onde ela estuda, aí quando a gente sai, a gente sai junto. É muita felicidade!

 

Maria Creuza Cavalcanti:

E a gente sente também que ele tá muito feliz, às vezes ele chegava em casa e perguntava ‘mãe, é isso assim, assim, eu não sei fazer essa atividade’. Eu dizia ‘oh, meu filho, eu também não sei, tem que pesquisar com alguém’ – eu pagava a menina. Aí agora, alguma coisa que ele não sabe, se eu souber, eu ensino. E alguma coisa que eu não sei, ele sabendo, ele me ensina e é só bênção, viu?

 

Elineide Alves:

Elas têm mostrado muito esse ensino mesmo pelo exemplo. Isso tem motivado mesmo as crianças. Elas ficam felizes quando as mães participam e, o contrário, né, as mães ficam felizes quando veem eles participando: aqueles alunos tímidos que não gostavam de falar fazendo apresentações com microfone, ao vivo, para os colegas verem. Então, a gente tem mudado a realidade da nossa escola.

 

Música: “Ensinar por ensinar” (Reynaldo Bessa)

Explicar por explicar é só lero-lero

É preciso ser e estar, ir além do dez e do zero

Paulo Freire é saber e lida

É a educação pela vida

 

Marcelo Abud:

A ação “Distantes sim, Desconectados não. Família e Escola projetando Sonhos, promovendo a Inclusão” começou no ano de 2021, durante a pandemia. Mesmo após a volta ao ensino presencial, a capacitação e alfabetização voltadas às mães de estudantes tem continuidade. Ao voltarem a ter perspectivas, essas mulheres se tornam capazes de motivar as crianças pelo exemplo.

Marcelo Abud para o podcast de educação do Instituto Claro.

0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments

Receba NossasNovidades

Captcha obrigatório
Seu e-mail foi cadastrado com sucesso!

Receba NossasNovidades

Assine gratuitamente a nossa newsletter e receba todas as novidades sobre os projetos e ações do Instituto Claro.