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Reforçar o processo de aprendizagem como uma troca; entender o aluno não como um sujeito vazio, mas como alguém que tem uma história de vida e leitura de mundo; e valorizar o não saber. Essa é a proposta do livro “Paixão da ignorância: a escuta entre a psicanálise e educação”, assinado pelo professor titular do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) e psicanalista Christian Dunker.

O título da obra é uma provocação e não se refere à ignorância como ausência de educação ou incultura, mas sim à paixão da ignorância enquanto pesquisa.“Com o passar do tempo, começou a surgir uma relação mais produtiva entre psicanálise e educação, que diz respeito justamente a, como existe na psicanálise, um cultivo da sua relação com o não saber, com a ignorância”, afirma o professor, entrevistado neste podcast.

A publicação é a primeira da coleção “Educação e Psicanálise”, que surge com o objetivo de publicar volumes inéditos, traduções e reedições de textos, no âmbito das relações entre esses dois campos do saber. A série tem coordenação da educadora Ana Cristina Dunker e do próprio Dunker.

Christian Dunker em gravação de vídeo para o canal que mantém no YouTube sobre psicanálise (crédito: reprodução)

“A obra traz uma conversa da atitude de Paulo Freire, que era um grande respeitador da potência da ignorância, com a teoria do psicanalista francês Lacan sobre como a gente entra no universo da linguagem, adquire a fala, passa para a escrita, como isso está atravessado com movimentos e contra-movimentos e na nossa relação com o outro.”

No áudio, você acompanha também um exemplo prático, apresentado pela educadora Ana Cristina, de como a psicanálise pode ser útil na construção de uma escola democrática, ao estabelecer a escuta e o reconhecimento de todos que fazem parte daquela comunidade em que a aprendizagem acontece.

Transcrição do Áudio

Música: “Late Night Drive”, de Nat Keefe&BeatMower,  de fundo

Christian Dunker:
A psicanálise e a educação são campos que, historicamente, tiveram uma relação de mútua aproximação e mútuo distanciamento. Com o passar do tempo, começou a surgir,aí,uma relação talvez mais produtiva, que diz respeito justamente a, como existe na psicanálise, um cultivo da sua relação com o não saber, sua relação com a ignorância, que dá título aqui ao livro: “Paixão da Ignorância”.

Meu nome é Cristian Dunker, sou psicanalista, professor titular do Instituto de Psicologia da USP e gosto de falar com as pessoas.

Som de página de livro sendo virada

Vinheta: “Livro Aberto – Obras e autores que fazem história”

Música instrumental, de Reynaldo Bessa, de fundo

Marcelo Abud:
“Paixão da ignorância: a escuta entre a psicanálise e educação” é o primeiro livro da coleção “Educação e Psicanálise”. Segundo o autor, Christian Dunker, o objetivo é dar voz às relações entre esses dois campos do saber.

Christian Dunker:
Esse livro inaugura a coleção “Educação e Psicanálise”, que eu dirijo ao lado de Ana Cristina Dunker, que trabalha com escola, que dirige o Carandá Vivavida. E que tem por objeto um diálogo entre as escolas de ensino fundamental e médio e as universidades; retomada de um diálogo entre psicanálise e educação, que tenta aproximar e fazer escuta da educação para a psicanálise e da psicanálise para a educação.

Marcelo Abud:
“Paixão da ignorância” recupera uma expressão do psicanalista Jacques Lacan, que, por sua vez, “tomou” esse conceito do filósofo Nicolau de Cusa. Em resumo, é a ideia de como o conhecimento, o saber, vem da experiência profunda com o não saber, com a ignorância.

Cristian Dunker:
O Lacan foi buscar esse filósofo medieval chamado Nicolau de Cusa e o conceito que ele propunha de douta ignorância. Ela envolvia um certo tipo de saber compartilhado e ao mesmo tempo tensionado na sua provisoriedade, porque o Nicolau de Cusa é um antecedente do Descartes, é um antecedente da ciência moderna, e que ele percebeu ali, logo no começo,que existia um novo tipo de saber da escrita, baseado na ciência como linguagem bem feita; e ele dizia assim “como é que um saber como esse poderá tocar as almas?”; “como é que um saber como esse poderá transformar as pessoas?”; “qual é a valência que um saber como esse pode trazer para nós?”.  E, para dar conta dessa pergunta, ele dizia “é preciso, então, ter a douta ignorância, para articular o saber como conhecimento e o saber como reconhecimento”.

Música: “Estudo Errado” (Gabriel O Pensador)
“Eu tô aqui Pra quê? /Será que é pra aprender? / Ou será que é pra sentar, me acomodar e obedecer? / Tô tentando passar de ano pro meu pai não me bater / Sem recreio de saco cheio porque eu não fiz o dever”

Cristian Dunker:
Isso envolve uma espécie de diagnóstico para o sofrimento ascendente no universo escolar e esse diagnóstico diria o seguinte, nós estamos tratando os nossos alunos e os nossos professores como máquinas de reprodução de informação e conteúdo, a gente está focando muito a educação no processo ensino-aprendizagem, que é importante. Mas quando o sujeito da experiência com o saber se torna uma cabeça pensante, um indivíduo neutro, entre outros, que tem as suas aspirações de reconhecimento tratadas de uma forma bancária, como falava o Paulo Freire – que a gente chega vazio, daí a escola vai pondo coisas dentro de nós – a gente perde referência ao fato de que toda a relação de conhecimento acontece dentro de pressupostos de reconhecimento: quais saberes são mais importantes que outros?; com quem eu estou enquanto eu aprendo?;reconhecimento da minha condição, da minha história, da minha biografia; mas também das condições que construíram esse estado de mundo no qual a aprendizagem acontece.

Som de página de livro sendo virada

Marcelo Abud:
Ao lado do psicanalista Christian Dunker, a educadora Ana Cristina Dunker também é responsável pela curadoria da coleção “Educação e Psicanálise”. Ela traz um exemplo prático de como a subjetividade pode colaborar para uma escola democrática e aprendente.

Ana Cristina Dunker:
Uma coisa é você corrigir uma lição e dizer que, simplesmente, está errado o que o aluno respondeu e a outra é você tentar entender, por trás da resposta que ele deu, como ele pensou e como a gente pode intervir sobre essa lógica do pensamento dele, pra que ele avance na análise do erro. Um exemplo singelo: uma professora que pergunta pra crianças pequenas, de 7/8 anos:“Um carro tem 4 pneus. Dois carros, quantos pneus têm? E a criança responde 10”. E a professora imediatamente vai colocar que está errada a conta, quando ela para e pensa “tem algo aí que me chama atenção”. E aí, pergunta para o aluno e ele fala assim “tem os estepes”. É um momento em que a gente identifica uma leitura, uma escuta de que aquele aluno não estava querendo nos dizer só aquilo que a gente perguntou. Um professor que se permite escutar a própria pergunta, quando lê uma resposta que não combina com o que ele estava esperando, tá aberto aessa surpresa e essa surpresa coloca o aluno no lugar de alguém potente o suficiente pra me ensinar algo. Então, a ideia de uma escola aprendente é também uma escola que se permite se surpreender com aquilo que não sabe e, portanto, construir conhecimento dentro da própria escola.

Música: “Escola Nota Dez” (Rappin Hood, Caju & Castanha)

“Ainda me lembro dos meus tempos de escola / Aquele tempo eu só queria jogar bola / No hip-hop me formei, doutor / Muito obrigado, professora e professor”

Marcelo Abud:
Na obra, a escola democrática é apresentada como sendo a que parte do reconhecimento para o conhecimento, ou seja, do saber de determinada comunidade, para a produção específica de um conhecimento. Dunker vê que é dessa forma que a psicanálise pode retomar os princípios de Paulo Freire.

Cristian Dunker:
Paulo Freire tem uma aproximação muito direta com o Lacan, nessa ideia de que o sujeito vem para a análise, assim como ele vem para a escola, achando que quem sabe é o outro. O outro que vai dizer o que é melhor para a vida dele, que vai estabelecer que tipo de conhecimento é válido, que vai, assim, normatizá-lo, o outro que vai preenchê-lo.

Lacan dizia assim: essa suposição que o sujeito desse saber é o analista precisa ser gradualmente desfeita. Acolhida, mas desfeita. E, no fundo, o que a gente faz é devolver esse saber para o próprio sujeito. Dizer “olha você não chegou aqui vazio, você tem uma história de vida, uma leitura de mundo, tem um letramento de mundo, tem um discurso, você tem uma posição na linguagem, seja pela fala, seja pela escrita”; ou seja, essa subjetivação, essa implicação subjetiva ela é relativamente análoga na psicanálise e na educação freiriana.

Música instrumental, de Reynaldo Bessa, de fundo

Marcelo Abud:
Em “A Paixão da ignorância”, Christian Dunker relaciona conceitos da psicanálise e da educação e propõe a escuta dos sujeitos envolvidos nesse processo de troca, que é o aprendizado.

Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Livro Aberto, do Instituto Claro.

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