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António estava com nove anos de idade, em 2018, quando comunicou à diretora da escola que iria falar na assembleia – uma prática estimulada naquela instituição para que os alunos exponham o que pensam diante dos colegas. O garoto, que tem síndrome de Asperger, um tipo de Transtorno do Espectro Autista (TEA), estava cansado de ser importunado pela turma, que não entendia o porquê de ele bater palmas com frequência.

“Todo mundo ficava me zoando, falando: ‘ah, seu batedor de palmas, parece que eu estou vendo um show toda hora”, conta.

Lana com o filho no lançamento de “Palmas para António”, na Livraria Cultura, em São Paulo (Crédito: divulgação)

 

A mãe, a jornalista Lana Bitu, entrevistada no podcast, completa: “Havia coisas pesadas, do tipo ‘você é demente’, ‘você é burro’, ‘você não entende’. O António trazia isso para casa, dividia comigo, sempre com uma serenidade muito surpreendente – um traço de sua personalidade, não da síndrome”.

Com clareza, António emocionou não só as outras crianças, mas também a diretora e professoras, ao explicar como é ter a síndrome e que as palmas o ajudavam a imaginar. O ato com as mãos, segundo a mãe, foi classificado pela especialista que o diagnosticou, anos atrás, como parte da esteriotipia clássica da síndrome e é uma forma dele equalizar os estímulos e informações que recebe.

“Era tão impactante, porque era um menino que não falava até os cinco anos. E falar em assembleia… era um menino que estava sofrendo um estranhamento pela questão das palmas e foi aplaudido por todos… A história é cheia de nuances, que eram poéticas, e eu não resisti e precisei compartilhar aquilo”, emociona-se Lana.

Antes de virar o livro “Palmas para António”, a história foi postada no Facebook da jornalista, que se surpreendeu com a repercussão e os milhares de comentários. Foi aí que ela decidiu dividir esse e outros aprendizados sobre a evolução do filho.

O post que originou o livro (reprodução: Facebook)

 

Na entrevista, ela conta como o pronunciamento de António sobre sua síndrome fez com que o filho fosse acolhido pelos outros alunos e também tivesse importância para todo o ambiente escolar. “O fato proporcionou esclarecimento, um diálogo novo. Outras questões que antes eram meio delicadas, não relacionadas a ele, mas a outros alunos, outras situações, foram reveladas. E eu acho que o que é mais legal é que isso não virou também o grande centro da questão. Foi assimilado com naturalidade, que é o pertinente”, conclui a escritora.

No áudio, você ainda acompanha um diálogo gravado com exclusividade entre mãe e filho, sobre como ele se sentiu diante do ocorrido.

Crédito da imagem principal: divulgação

Transcrição do áudio:

Lana Bitu:
E eu falo no livro que, tudo bem, eu estava disposta a entrar na dança, a inserir a gente, a nossa família, em alguns contextos. E começamos pela escola.

Olá, meu nome é Lana Bitu. Eu sou jornalista, escritora e, mais recentemente, conhecida como mãe do António.

Vinheta: “Livro Aberto – Obras e autores que fazem história”

Música instrumental, de Reynaldo Bessa, de fundo

Marcelo Abud: António ainda não havia feito nove anos quando decide, por conta própria, explicar aos colegas da escola que bate palmas para a imaginação dele funcionar melhor. Em assembleia, uma prática estimulada naquela escola para que os alunos exponham o que pensam diante dos colegas, ele revela como é ter síndrome de Asperger, um tipo de Transtorno do Espectro Autista.

A experiência surpreende a mãe, que relata esse e outros aprendizados no livro “Palmas para António”.

Para Lana Bitu, o fato de o filho ter iniciado os estudos em um colégio construtivista ajudou para que se integrasse ao grupo.

Lana Bitu:
Eu gostava muito desta escola, porque eu lembro que a primeira vez que eu fui lá, eles não falavam em inclusão. Eles diziam: ‘falar em inclusão, já é excluir’. E é verdade… É assimilar dentro da rotina especificidades e individualidades que, na verdade, existem para todos, tenham TEA ou não.

Música: “Manifestação” (Xuxa Levy, Russo Passapusso e Rincon Sapiência, com letra de Carlos Rennó), vários artistas
“E proclamamos que não / Se exclua ninguém / Senão a exclusão”

Lana Bitu:
Eu sempre procurei para o António escolas com uma pegada construtivista, no sentido de que contemple o indivíduo dentro de um coletivo; que ensine esse indivíduo a ser o melhor indivíduo para si e para o mundo em que ele vive.

Som de página de livro sendo virada

Marcelo Abud:
O comunicado de António sobre as palmas que tem costume de bater aconteceu em 2018, quando o garoto estava no 3º ano do ensino fundamental.

Lana Bitu:
Ele tinha muito uma coisa que é meio atípica dentro do atípico, que é quem tem o transtorno. Ele sempre teve uma consciência muito grande do entorno. Crescente, sabe? A partir do momento em que ele começou a falar, ele começou a ter essa consciência. E aí o que antes do falar não existia muito, que era o se incomodar com as brincadeiras ou os estranhamentos – e aí eu faço muita questão gente de não falar em bullying, por conta de que tudo virou bullying, você pressupõe uma maldade. E existe estranhamento na vida.

António:
Todo mundo ficava me zoando, falando: “Ah, seu batedor de palmas, parece que eu estou vendo um show toda hora”. E aí eu tô ouvindo música assim, no meu cérebro, assim: ‘tu-tu-tu-tu-toi’ (bate palmas).

Lana Bitu:
Eu sou mãe de um autista que bate palma. Quando eu estou num ambiente e entra um batendo palma, eu já me surpreendo. Não é estranhar, mas “olha, é como o António”.  Eram crianças da idade dele, mais novas algumas, umas poucas mais velhas… que aí tinha, sim, uma questão que… ‘oh, você é o moleque que bate palma, mano você é chato’. Havia coisas pesadas, do gênero “você é demente”, “você é burro”, “você não entende”. O António trazia isso para casa, dividia comigo, sempre com uma – e aí é um traço de personalidade do António, não é um traço da síndrome – com uma serenidade muito surpreendente e, aí, ele falava: “mãe, está acontecendo isso, é ruim”. E eu falava: “você quer ajuda?”. Óbvio que eu contextualizava, eu ficava observando. Se o António estivesse parando de comer, não querendo mais ir na escola, sendo infeliz, eu ia interferir. Não era o que acontecia. Eu notava claramente, que o António estava vivendo algo difícil, mas lidando com esse difícil. E eu acho, cara, que isso é saudável na vida. Se a gente impede as pessoas de lidar com o difícil, vira uma geração de aleijados emocionais. E, aí, ele trazia e eu falava: “você quer ajuda, Tom?”, ‘Não, não’.

Música: Autonomia – Titãs (Arnaldo Antunes / Marcelo Fromer / Paulo Miklos)
“O que eu queria, o que eu sempre queria / Era conquistar a minha autonomia / O que eu queria, o que eu sempre quis / Era ser dono do meu nariz”

Lana Bitu:
Aí teve um dia que chegou ao ápice, que um menino cuspiu no lanche dele. E o António, como eu, adora comer, então você mexa com tudo, menos com a comida dele (ri). Aí nesse dia, ele foi ao banheiro, chorou, isso ele me contou depois. Quando eu cheguei do trabalho, ele chegou da escola e falou “mãe, tenho excelentes novidades”. Eu falei: “que foi?”. Ele falou: “eu, hoje, falei em assembleia, sobre as palmas”. E aí eu sentei, falei ‘cara, como assim?’.

Som de página de livro sendo virada mixado com palmas

Marcelo Abud:
Neste Livro Aberto, você acompanha um capítulo exclusivo em que Lana conversa com António sobre a assembleia. De fundo, a certa altura, você ouve uma variação da trilha do filme “Chucky – brinquedo assassino”, tocada por António no teclado.

Lana: Foi importante para você a assembleia?
António: Foi, né, porque… e aí todo mundo bateu palma, como eu, e é difícil controlar isso. Lana: Mas você, como é que você se sentiu quando as pessoas bateram palma?
António: (rindo) Lindo!
Lana: Não, fala…
António: Tá bem, vou falar. Eu não sei como explicar em palavras, mas eu me senti um… rei.
Lana: Um rei?
António: Sim.
Lana: E depois que você falou na assembleia, mudou, lá na escola ficou melhor?
António: Sim, mudou!
Lana: O que você quer falar para quem é um menino ou menina da sua idade e tem Asperger?
António: Tenha cuidado com o “bullying”.
Lana: E como é que toma cuidado com o bullying?
António: Explicando.
Lana: Beijo!
António: Tchau!

Som de página de livro sendo virada mixado com palmas

Lana Bitu:
Ele escreveu o nome dele na lousa, que existia essa dinâmica, de você escrever o seu nome, esperar a sua vez. Quando chegou a vez dele, ele se pôs de pé e falou, as palavras não são exatamente essas, mas se colocou e falou: “olha, hoje, eu vim aqui explicar por que eu bato palmas, porque eu quero que pare com a brincadeira, porque eu acho que vocês a fazem, porque vocês não sabem o porquê”. E aí foi muito… o relato que eu tenho é tanto dele quanto da diretora, dos professores; os professores chorando, a diretora chorando, achando lindo, e as crianças aplaudindo e muitas delas se emocionando.

Música: “That’s my Way” (Edi Rock)
“A luz de um novo dia / Sempre vai estar / Pra clarear você / Pra iluminar você / Pra proteger / Pra inspirar / E alimentar você”

Lana Bitu:
Era tão impactante, porque era um menino que não falava até os cinco anos. E falar em assembleia, era um menino que estava sofrendo um estranhamento pela questão das palmas e ser aplaudido… a história em si era muito cheia de nuances, que eram poéticas. E aí eu lembro que eu acordei muito cedo, eram umas seis e pouco da manhã, sentei na mesa, abri o computador e o texto saiu assim, “raaaá” (ri)… a história.

Marcelo Abud:
Lana Bitu lê um trecho do livro, quando a família decide colocar António na escola.

Som de página de livro sendo virada mixado com palmas

Lana:
“A adaptação do António foi tranquila. Ali, ele nos deu as primeiras mostras da sua misteriosa e crescente capacidade de se permitir pessoas e situações, quando sente que serão boas para ele. Eram manhãs de muitas brincadeiras e aventuras… para os filhos dos outros.

O meu ficava tranquilo, mas na dele. Voltava limpíssimo da escola, pois não se envolvia nas atividades coletivas nem interagia com as outras crianças. Era um esforço diário dos educadores fazer com que ele ficasse de pé, saísse do seu canto e largasse os carrinhos para comer e ouvir histórias… Ele ia, mas não se conectava. Até sentava na roda de história, mas ficava olhando de longe para o lugar dos carrinhos. Pintar, modelar massinha, andar na terra, experimentar alimentos? Nem pensar!  Não que o horror à sujeira dele tenha sido de todo o mal: graças a ele, Tom desfraldou ‘facinho’ aos dois anos (risos).”

Então, a escola foi um exercício muito, muito importante, para ele e para a gente. E sabe que tem uma pesquisa, que foi mundialmente o que determinou que os portadores de deficiências frequentem as mesmas escolas, porque, comprovadamente por Harvard, tanto para a criança portadora de deficiência, quanto para os que convivem com ele, as outras crianças, é enriquecedor, é só ganho.

Som de página de livro sendo virada

Lana Bitu:
Proporcionou, no ambiente escolar, falando, proporcionou esclarecimento, proporcionou um diálogo novo. Outras questões que antes eram meio delicadas, não relacionadas ao António, já a outros alunos, outros diagnósticos vieram à baila. E eu acho que o que é mais legal, não virou também o grande centro da questão. Foi assimilado com naturalidade, que é o pertinente, né?

Música instrumental, de Reynaldo Bessa, de fundo

Marcelo Abud:
Além do relato de Lana Bitu sobre as conquistas do filho, o livro “Palmas para António” traz um glossário e outros esclarecimentos sobre os transtornos do espectro autista.

Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Livro Aberto do Instituto Claro.

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