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Esquecidos, ignorados, negligenciados. Essas palavras são usadas como sinônimos do ensino fundamental II no documentário produzido pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas em Economia Social (Lepes) da USP-Ribeirão Preto. No filme e em outras publicações que compõem o site esquecidos.com, o grupo divide as pesquisas que desenvolve e que demonstram que os anos finais do ensino fundamental são uma etapa abandonada pela educação brasileira.

“Não é um problema simples de resolver, então ele (o documentário) tenta trazer os aspectos pedagógicos, políticos, sociais, econômicos, relacionais, estruturais, histórico também, para não tentar explicar ou solucionar o problema, mas pra começar uma discussão”, afirma uma das realizadoras do de “Esquecidos — crise nos anos finais do ensino fundamental”, a pedagoga e produtora audiovisual Aline Carvalho.

Carvalho estudou na Escola Municipal de Ensino Fundamental Professora Neuza Michelutti Marzola e foi aluna da atual diretora do estabelecimento de ensino, Carla Lopes, uma das entrevistadas do filme. Para o podcast do Instituto Claro, a também pedagoga explica alguns dos motivos que geram a falta de um olhar mais dedicado aos anos finais do ensino fundamental.

“Eles são considerados esquecidos porque de todas as políticas públicas que existem na educação, a maioria delas é voltada principalmente para a alfabetização, que está na faixa entre o primeiro e quinto ano, mais especificamente os primeiros e segundos, e depois a gente vê alguma coisa mais relativa ao ensino médio. E, no meio do caminho, eles são de verdade esquecidos. Não há no Brasil grandes políticas públicas voltadas para esse público”, constata.

Aspectos emocionais também são esquecidos

A equipe do Lepes coletou depoimentos dos diferentes atores envolvidos no processo educacional, por meio de uma série de entrevistas com professoras e professores, estudantes, responsáveis pela gestão, direção e especialistas de escolas públicas. O resultado retrata o pensar e o sentir de abandono de quem tem relação com essa fase do ensino.

“Esse aluno está numa transição, em que ele não é criança, não é adolescente. Ele não sabe muito bem como ele se vê dentro desse mundo, por conta dessa transição. E, muitas das vezes, a gente não tem uma delicadeza dentro do sistema educacional que existe hoje para a escola ser esse ambiente de olhar, de acolher esse indivíduo”, avalia outra pesquisadora do Lepes, Bianca Chagas da Silva.

“E nós temos alunos que sofrem de ansiedade, crise de pânico, depressão, muitos estão em situação de vulnerabilidade, outros já estão em contato com a questão do tráfico de drogas. Então é uma didática de aula que não dialoga com os meninos, né? E aí eles ficam mesmo perdidos dentro do nosso espaço”, conclui Lopes.

Veja mais:

O documentário está disponível no YouTube.

Outras reflexões e materiais têm sido disponibilizados em www.esquecidos.com.

Transcrição do Áudio

Música: Trilha sonora do filme “Esquecidos” fica de fundo

Carla Lopes:

Até mesmo na sociedade, se a gente vai fazer qualquer discurso, as pessoas dizem que a gente está passando pano para eles, né? Que a gente passa muito a mão na cabeça dos jovens, dos adolescentes, que eles não querem nada… Mas, na verdade, eles não são vistos por ninguém. A infância é aquele conto de fadas: são várias fotos, várias imagens, a família está sempre presente. Mas quando chega do 6º ao 9º eles são de fato esquecidos, literalmente esquecidos.

Meu nome é Carla Lopes, eu sou diretora da escola Neuza há 7 anos.

Vinheta: Instituto Claro – Educação

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:

Pesquisas desenvolvidas pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas em Economia Social da USP-Ribeirão Preto mostram que os anos finais do ensino fundamental não recebem a mesma atenção dada a outras etapas de ensino. Para demonstrar a situação e propor o debate, o Lepes produziu o site esquecidos.com e um filme, como conta uma das realizadoras do documentário, a pedagoga e produtora audiovisual Aline Carvalho.

Aline Carvalho:

Não à toa ele chama ‘Esquecidos’, porque no Laboratório a gente tem a oportunidade de conseguir olhar o panorama nacional e tentar pesquisar e, talvez, trazer à luz aquilo que não está sendo debatido e que precisa. E aí sempre soou muito estranho esse segmento não estar tão presente, principalmente – a gente, né, nasce dentro da Universidade, o Laboratório – não está presente nos cursos de formação de professores. E pensando em políticas públicas, ser o segmento mais abandonado. Portanto, o documentário leva de fato esse nome.

Não é um problema simples de resolver, então ele tenta trazer os aspectos pedagógicos, políticos, sociais, econômicos, relacionais, estruturais, histórico também, para – não tentar explicar ou solucionar o problema – mas pra começar uma discussão.

Lívia Rocha:

Bom, meu nome é Lívia Rocha, sou estudante de pedagogia, estou no meu último ano, eu também trabalhei na parte técnica do documentário, na produção, na gravação, na edição. Complementando a fala da Aline, o documentário é muito democrático, ele chega em várias pessoas de jeitos diferentes. E quando a gente escuta os professores, escuta os alunos, a gente se sensibiliza também, se coloca no lugar daquelas pessoas – não que a gente não tenha passado por isso – mas a gente se coloca ‘olha, realmente foi difícil passar por tudo isso, fazer esta transição: 1 professor para 10, 12 professores, questões sociais e as psicológicas. É uma forma muito importante de fomentar o debate também, né?

Marcelo Abud:

A diretora da Escola Municipal de Ensino Fundamental Professora Neuza Michelutti Marzola e também pedagoga Carla Lopes é ouvida no filme. Para o podcast do Instituto Claro, ela explica alguns dos motivos que geram a falta de um olhar mais dedicado aos anos finais do ensino fundamental.

Carla Lopes:

Eles são considerados esquecidos porque realmente de todas as políticas públicas que existem na educação, a maioria delas é voltada principalmente para a alfabetização, que está na faixa entre os primeiro e quinto anos, mas especificamente os primeiros e segundos, e depois a gente vê alguma coisa mais relativa ao ensino médio. E, no meio do caminho, eles são de verdade esquecidos. Não há no Brasil grandes políticas públicas voltadas para esse público.

A escola onde eu trabalho é uma escola que tem do primeiro ao nono ano e EJA e a gente vê exatamente isso. Onde os meninos começam a ter maior número de reprovas, de desistência? Exatamente no ensino fundamental II, que é do sexto ao nono ano.

Existe também, lógico, uma dificuldade de acompanhamento das famílias nessa faixa etária, mas sim existe uma ausência do poder público, de uma forma geral, de investir nesses alunos. Eles pensam diferente, agem diferente, tem um modo de vida muito particular e nada disso é visto, nada disso é sentido pelas pessoas.

Vinheta de passagem

Depoimento de aluna do fundamental II, no documentário Esquecidos

(com som de ambiente da escola ao fundo) E muita gente ainda tem a visão de que ‘ah é só pegar uma turma e passar a matéria no quadro, mas não é assim. Tem que ter presença, tem que conversar com o aluno… é outras coisas, além de só passar matéria.

Vinheta de passagem

Carla Lopes:

Pela evolução que a gente tem tanto dos estudantes quanto dos processos dentro da escola de convivência mesmo social, também falta aquela formação específica do professor para atuar dentro da escola. Então não é só se formar para dar aula, mas é para continuar sendo formado para esse espaço que está sempre em evolução. E aí a gente pega uma escola da década de 90, 80, para um menino que está vivendo um momento contemporâneo. Realmente eles acabam sendo esquecidos porque a nossa formação ficou num momento muito lá atrás, enquanto o menino trabalha hoje com redes sociais, ele está muito antenado com a internet e a gente não tem essa formação para lidar com esses momentos, então tem muitos professores que também têm dificuldade. Então quando ele vai colocar tudo isso de maneira didática dentro de sala de aula, ele não tem esse aparato.

Vinheta de passagem

Depoimento de professora no documentário “Esquecidos”

– Eu nem sabia o que era Projeto de Vida. Você pergunta o que é a matéria Projeto de Vida para um professor de sala, ele ‘ah, dá o que você quiser’.

Vinheta de passagem

Carla Lopes:

E nós temos alunos que sofrem de ansiedade, crise de pânico, depressão, muitos estão em situação de vulnerabilidade, outros já estão em contato com a questão do tráfico de drogas. Então é uma didática de aula que não dialoga com os meninos, né? E aí eles ficam mesmo perdidos dentro do nosso espaço.

Muitas vezes a gente tem que parar a aula várias e várias vezes para tentar entender o que esses meninos estão sentindo. E como as formações ainda não vão ao encontro dessa realidade, acaba acontecendo do menino não se ver, não se reconhecer. E o professor tem sim uma dificuldade de lidar com esse contexto.

Marcelo Abud:

Outra pesquisadora do Lepes que está envolvida no filme e demais conteúdos para o site esquecidos.com é a Bianca Chagas da Silva, que já atuou como assistente de professora.

Bianca Chagas da Silva:

E aí quando a gente fala sobre Fundamental II ou anos finais, esse aluno está numa transição, né, que ele não é criança, não é adolescente – inclusive tem essas falas dentro do documentário. Ele não sabe muito bem como ele se vê dentro desse mundo, por conta dessa transição. E muitas das vezes a gente não tem uma delicadeza dentro do sistema educacional que existe hoje para a escola ser esse ambiente de olhar, de acolher esse indivíduo e, agora que a gente tem falado muito das questões socioemocionais, óbvio, dá um suporte imenso dentro desse desenvolvimento, mas olhar pra ele e dizer ‘poxa, é esse o caminho que você quer trilhar, vamos ver o que é seguro no nosso espaço aqui dentro, no que a gente pode te ajudar a se desenvolver nisso’.

Carla Lopes:

São poucas pessoas que têm coragem de admitir que no seu espaço escolar tem falhas e que essas falhas precisam ser ressignificadas e que às vezes ter um índice de IDEB baixo não significa necessariamente a ausência de um trabalho coletivo, mas significa o que? Uma empreitada longa no caminho, significa que a gente precisa se assumir. Então eu acho que isso é o difícil de fazer na educação: as pessoas entenderem que, quando elas dizem a verdade da sua escola, nós não estamos nos expondo, nós estamos dando o direito do Brasil conhecer quem de fato é a educação que nós temos. E aí sim nós temos de onde cobrar: dos nossos governantes, de onde for qualquer esfera que a gente tenha que ir. Mas se assumir é o primeiro ponto.

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:

No site do projeto, www.esquecidos.com, além do filme, a equipe do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Economia Social da USP-Ribeirão Preto está disponibilizando outros materiais com depoimentos de diferentes atores envolvidos no processo educacional, como gestores, professores, diretores, alunos e especialistas. A proposta do grupo é apresentar um amplo cenário do que acontece nos anos finais do ensino fundamental, para questionar e propor o debate nessa etapa da educação.

Marcelo Abud para o podcast de educação do Instituto Claro.

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