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Nos últimos vinte anos, houve 24 ataques a escolas com violência extrema, que resultaram na morte de mais de trinta pessoas. O número está na pesquisa “Ataques de violência extrema em escolas no Brasil”, lançada no final de março deste ano e realizada pela professora Telma Vinha e pela mestranda Cleo Garcia, para o grupo “Ética, diversidade e democracia na escola pública”, do Instituto de Estudos Avançados da Faculdade de Educação da Universidade de Campinas (Unicamp).

O levantamento indica ainda que os agressores tinham entre 10 e 25 anos. Doze deles usaram armas de fogo e seis tinham arma em casa. As motivações, na maioria dos casos, envolveram vingança e raiva. No entanto, os casos mais recentes têm apresentado algumas peculiaridades que indicam o extremismo como principal componente. 

“Já existia e permanece aquela característica de sofrimento na vida escolar por episódios de bullying ou por exclusão, mas essa nova característica diz respeito exatamente ao que esses adolescentes consomem. Em comunidades mórbidas, eles buscam aquilo que não encontram em outros espaços sociais, que é o sentimento de pertencimento. Então eles acabam odiando, vamos dizer assim, as mesmas coisas, os mesmos grupos sociais. E idolatram, também, as mesmas pautas: as armas, as violências”, analisa a pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados da Unicamp (IdEA), Flávia Vivaldi. 

Gestão democrática para cultura de paz

Diante desse quadro, a cultura de paz na convivência escolar envolve a participação de todos os segmentos da sociedade. Para a professora, acolhimento e escuta devem ser estimulados na gestão democrática da instituição de ensino.

“O acolhimento é uma disponibilidade afetiva. Ele tem que estar presente todos os dias e não só no começo do semestre ou mediante uma situação dramática como foi a pandemia; ou quando há uma situação de violência (…) Essa cultura nas relações abre espaço para diálogos e reflexões que podem corrigir rotas tanto de pensamento quanto de atitudes pautadas na desinformação, nos preconceitos.”

Vivaldi aponta ainda que a segurança que crianças, adolescentes e jovens precisam é a confiança no ambiente em que estão. Já em relação à segurança representada por monitoramento e presença policial, segundo as pesquisas em que está envolvida, essa é ineficaz.  

“A grande ideia é você fortalecer que violência não se enfrenta com violência. Precisa haver o fortalecimento da segurança no ambiente escolar no que diz respeito a confiança estabelecida entre as pessoas. Não estou falando aqui de segurança armada nem de segurança promovida pelos órgãos de segurança. Estou falando da que precisa existir quando você tem relações de confiança. A confiança costumo falar que é o cimento das relações.”

Link:

Flávia Vivaldi indica o guia “Como combater violência nas escolas: um guia democrático em 15 pontos” para convivência no ambiente escolar.

Transcrição do Áudio

Música: “Morning Mist”, de Quincas Moreira, fica de fundo

Flávia Vivaldi:

O acolhimento é uma disponibilidade afetiva. Ele tem que estar presente todos os dias e não só no começo do semestre ou mediante uma situação dramática como foi a pandemia; ou quando há uma situação de violência… Outro dia li uma coisa bem interessante que é ‘olhar o acolhimento como um agasalho das tristezas’.

Essa cultura nas relações abre espaço para diálogos e reflexões que podem corrigir rotas tanto de pensamentos quanto de atitudes pautadas na desinformação, nos preconceitos.

É muito mais provável que você tenha abertura para mostrar outros caminhos quando você tem um ambiente que gera bem-estar, do que quando se trata de um ambiente mais autoritário, hierárquico, em que o diálogo não tem espaço.  

Eu sou Flávia Vivaldi, pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem), coordenado pela Unicamp e Unesp e pelo IdEA, Instituto de Estudos Avançados da Unicamp. 

Vinheta: Instituto Claro — Educação

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud: 

O ambiente escolar é naturalmente propenso a conflitos. Boa parte deles é relacionada a manifestações de indisciplina e de desrespeito a normas e regras. No entanto, Flávia Vivaldi alerta que tem crescido também a violência contra as escolas.

Flávia Vivaldi:

Já existia e permanece aquela característica de sofrimento na vida escolar por episódios de bullying ou por exclusão, mas essa nova característica diz respeito exatamente ao quê esses adolescentes consomem. Em comunidades mórbidas, eles buscam aquilo que não encontram em outros espaços sociais, que é o sentimento de pertencimento.  

Então eles acabam odiando, vamos dizer assim, as mesmas coisas, os mesmos grupos sociais. E idolatram, também, as mesmas pautas: as armas, as violências. 

E isso, há um tempo, era vivido por eles na ‘deep web’. O que nós temos é que há poucos anos isso acontece na superfície da internet: Instagram, Tik Tok, Whatsapp, Twitter e, mais recentemente com mais intensidade, o Discord, que são lugares perfeitamente conhecidos de todos, mas que estão sendo utilizados para esses fins. Então essa característica de consumo dessa subcultura extremista tem chamado muito atenção e tem sido, de forma muito incisiva, influência para esses ataques. 

 

Marcelo Abud:

Diante da violência extrema, Vivaldi aponta o esforço de toda a sociedade para garantir a convivência no ambiente escolar.

Flávia Vivaldi:

Reconstrução coletiva é de fato a gente colocar em movimento um paradigma de convivência pautado na humanização das relações e isso precisa extrapolar os muros da escola. Nós precisamos defender, sim, as informações que sejam fidedignas, defender o diálogo como ferramenta necessária para a discussão de qualquer pauta e, sobretudo, defender a compreensão e a adesão aos valores sociomorais. Porque são atitudes referentes à vida em sociedade — por isso o ‘sócio’ — e são dimensões voltadas aos valores morais, né? Então quando nós falamos em competências sociomorais, nós estamos falando em construir uma convivência ética, inclusiva e cuidadosa — nas atitudes relacionais vividas em diferentes espaços. 

Marcelo Abud:

Acolhimento e convivência demandam uma gestão democrática na escola. 

Flávia Vivaldi:

Ela precisa provocar uma participação que ultrapasse a presença, mas que parta para o engajamento, pertencimento, para a defesa de causas comuns. A gestão democrática precisa se responsabilizar por ações articuladas que gerem espaço para o diálogo permanente como mediador de situações e de decisões e para o engajamento das pessoas nas causas coletivas. 

A gente não pode achar que a gestão democrática se caracteriza só no papel dos gestores. Existem processos de gestão que acontecem na escola como um todo. A gestão da sala de aula precisa ser democrática, a gestão das relações diversas vivenciadas na escola precisa ser democrática. De forma muito resumida, se conseguirmos contemplar o diálogo, a participação, mas incentivando o engajamento por causas coletivas, estamos na direção da gestão democrática. 

Marcelo Abud: 

Uma cultura de paz está diretamente ligada à escuta, diálogo e conexão entre todas as pessoas que integram a comunidade escolar. 

Flávia Vivaldi:

A gente lida com o ser humano. E o ser humano é mais do que aprender português, matemática, física ou química. A gente precisa cuidar das relações, das questões emocionais… Então assim, esses espaços de escuta tanto para os adultos da escola quanto para os estudantes precisam ser permanentes. Ter práticas circulares, assembleias — no sentido de ser o momento da palavra, de deliberações coletivas. 

Então tem uma série de práticas que pressupõem a escuta e o diálogo, mas para isso, a convivência precisa ser permanente, mas para ser permanente, a convivência precisa ser planejada de forma intencional. Eu preciso ter um plano de convivência, ter um espaço institucional, eu preciso ter um espaço curricular, uma ampliação de alcance com a comunidade como um todo, com a comunidade estendida, que aí vai para além dessa relação professor, aluno e gestão da escola.

Música: “Gente Aberta” (Erasmo Carlos), com Liniker, Letrux, Luedji Luna, Maria Gadú e Xênia França — Gente Aberta (ACORDA AMOR)

Eu não quero mais conversa
Com quem não tem amor
Gente certa é gente aberta
Se o amor chamar eu vou, eu vou, eu vou…

Marcelo Abud:

Os grupos que Vivaldi integra pesquisam conflitos em escolas há mais de duas décadas. Os estudos que realizam apontam a ineficácia de medidas de segurança como monitoramento e presença de policiais dentro da escola.

Flávia Vivaldi:

A grande ideia é você fortalecer que violência não se enfrenta com violência. Precisa haver o fortalecimento da segurança no ambiente escolar no que diz respeito à confiança estabelecida entre as pessoas. Não estou falando aqui de segurança armada nem de segurança promovida pelos órgãos de segurança. 

Estou falando da segurança que precisa existir quando você tem relações de confiança. A confiança costumo falar que é o cimento das relações. Ela precisa estar presente no ambiente escolar. Jovens, crianças e adolescentes precisam ter nesses adultos da escola pessoas de referência, pessoas com as quais eles criem vínculos afetivos importantes, e vão neutralizar — com certeza — situações e episódios como estes, porque essas pessoas, por si só, já seriam a proteção necessária para esses jovens. 

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:

Para a pesquisadora, diálogo e acolhimento devem ser permanentes para que se alcance a reconstrução da cultura de paz no ambiente escolar. 

Marcelo Abud para o podcast de Educação do Instituto Claro.

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