Estudante e integrante do Núcleo de Consciência Negra, Beatriz acredita que o sistema de cotas é só o primeiro passo para uma universidade mais representativa (Foto: Marcelo Abud)
A Universidade de São Paulo (USP) foi a última das grandes universidades públicas do país a adotar o sistema de cotas para pretos, pardos e indígenas (PPI). A instituição vai implantar a partir de 2018 um modelo similar ao estabelecido pela Lei de Cotas para o Ensino Superior, que já está em vigor nas universidades federais desde 2013.
De acordo com o que aprovou o Conselho Universitário da USP, um total de 37% das vagas de cada unidade de ensino e pesquisa será destinado a alunos egressos de escolas públicas. Esse número deve evoluir ano a ano, até que a partir de 2021, o índice passe a 50% por curso e turno. É sobre esse percentual de estudantes oriundos de escolas públicas que incidirá a cota de 37% para estudantes autodeclarados pretos, pardos e indígenas (PPI), tendo por base proporção equivalente a esses grupos no estado de São Paulo, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Há, porém, uma desproporção que pode ser verificada de acordo com o curso. Em medicina, por exemplo, segundo dados da Fuvest de 2016, apenas 8% dos matriculados se autodeclaravam dentro das categorias PPI. Por isso, a implementação das cotas variará de ano a ano: em 2018, a meta deve ser alcançada por unidade, em 2019 por curso e em 2020 por curso e turno.
Apesar de ser resultado de décadas de luta por parte de movimentos de estudantes e de parte dos professores, a adoção do sistema de cotas raciais e sociais ainda divide opiniões. Neste Informe, você acompanha dois pontos de vista sobre o tema.
Para a estudante da Geografia, professora de Atualidades e integrante da gestão do Núcleo de Consciência Negra (CNC) da USP, Beatriz Augusta Benedita de Sousa, o aumento de estudantes pretos, pardos e indígenas contribui para uma universidade mais plural. “Pessoas que vêm de uma realidade fora da que a gente já está situada elevam o campo de conhecimento que a universidade pode ter”, afirma .
Já o professor da Faculdade de Educação da USP (FEUSP), Nilson José Machado, que leciona na universidade desde 1972, recorre ao filósofo John Dewey (autor de “Democracia e educação”, lançado em 1916) para justificar seu ponto de vista contrário a adoção de cotas. “Ele (Dewey) defende que ter uma só dessas duas coisas é como aliviar de uma pena de morte quem foi condenado a duas. Ter educação sem ter democracia ou ter democracia sem ter educação”. E conclui: “a educação que é verdadeiramente fundamental para a democracia é a educação básica. É educação básica, que inclui o ensino médio, que tem que haver para todos”.
Apesar de ser considerado um avanço pelos movimentos de negros e de estudantes, o projeto aprovado pelo Conselho Universitário da USP ficou abaixo do esperado. Para grupos como o Núcleo de Consciência Negra da USP, o ideal seria que as cotas raciais fossem desvinculadas das sociais. Isso teria mais peso como reparação histórica e seria uma maneira de assumir que o racismo existe. Atualmente, um em cada três ingressantes da USP vem da rede pública de ensino e cerca de 19% são pretos, pardos ou indígenas.
Mesmo assim, também existe a percepção de a adoção de um sistema de cotas pela mais conceituada universidade do país representa algum avanço. “Só o fato da gente não ser mais apenas objeto de pesquisa e sim o agente responsável por pesquisar altera completamente a dinâmica. A gente vem com perguntas diferentes e os professores vão ter de encontrar outras respostas”, aponta a estudante Beatriz Augusta Benedita de Sousa.
Para o professor Nilson, a inclusão só vai acontecer quando os esforços estiverem voltados à educação básica (foto: Marcelo Abud)
Créditos: As músicas utilizadas nesta edição, em ordem de entrada, são: “Menina Pretinha”, com MC Soffia, “Da Lama / Afrontamento”, com Tássia Reis e “O amor venceu a Guerra”, com GOG.