Os protestos que ocorreram em todo o país e ficaram conhecidos como as "Jornadas de Junho" já eram esperados, de acordo com debatedores que participaram do lançamento do livro Cidades Rebeldes – Passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil, na última semana, em São Paulo (SP). O livro é o primeiro a ser lançado com o objetivo de analisar as causas e consequências dos acontecimentos.

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“Quem acompanha de perto o que acontece nas grandes cidades, não se surpreendeu com o que aconteceu”, disse um dos integrantes do Movimento Passe Livre, Leonardo Carvalho Cordeiro, reproduzindo uma das análises feitas na obra. Também, ele lembrou das manifestações que já chamavam atenção para o valor da passagem do transporte público em Salvador (BA), em 2003. “Essa foi uma das revoltas que inclusive gerou o Movimento Passe Livre. Aconteciam bloqueios de ruas, onde eram realizadas assembleias horizontalizadas”, contou.
 
“Esse movimento já era anunciado. Há uma série de organizações que tem ganhado força, como o movimento das mulheres, da causa gay e outros, e explica o que grande parte da mídia chamou de inexplicável: esse povo todo na rua”, afirmou o professor do Departamento de Sociologia de Universidade de São Paulo (USP), Ruy Braga.
 
A pauta inicial dos protestos — a revogação do aumento das tarifas de ônibus — acabou sendo acompanhada por outras reivindicações que surgiram à medida que a população aderia às manifestações. Segundo a arquiteta e urbanista, relatora especial do conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), Raquel Rolnik, um dos elementos comuns é o direito à cidade. “A estrutura de forma desigual, excludente, sem um projeto integrador de cidade, resultou na ocupação dessa cidade, no sentido simbólico. Nas ruas, explodiram várias agendas. Quando se fala em ocupar a cidade, tem escola para todo mundo? Tem posto de saúde? Tem, mas está faltando. Não é por acaso”, apontou.
 
Pesquisa Ibope, divulgada no final de julho, revelou que os serviços públicos com pior avaliação são segurança pública, postos de saúde e hospitais, considerados de baixa qualidade por 87% dos entrevistados. Já o transporte público apareceu com avaliação ruim de 73% da população, e a educação fundamental e ensino médio, com 67%.
 
“O mercado de trabalho brasileiro explica parte das manifestações associado à degradação dos serviços de educação e saúde. Gastos gerais declinaram nessas áreas. É possível manter essa estrutura de gastos levando em consideração a demanda por direitos? Estamos falando de redistribuição dos recursos”, analisa Braga.
 
Para o jurista e professor livre-docente da Faculdade de Direito da USP, Jorge Souto Maior, as “manifestações tem uma correspondência com a busca de efetivar direitos já normatizados, um direito que é social”. “O que se promete é raramente ou pouco cumprido. Assim, há necessidade de mobilizar para efetivar”, acrescentou Braga.
 
“Chegou um momento que não sabíamos mais nas cidades onde estavam tendo manifestações”, revelou Carvalho. “O que motiva as decisões no transporte não são técnicas, são políticas. Aqui em São Paulo, ouvimos muito que era impossível revogar o aumento, mas conseguimos instituir uma cultura de resistência.”
 
Nas escolas
Antes do Movimento Passe Livre se constituir como nacional, em 2005, já eram feitos trabalhos de formação nas escolas públicas e privadas. “Já tínhamos a prática de discutir a questão do transporte. Conversamos com algum professor ou direção da escola para autorizar atividades durante a aula ou no contraturno”, explica Carvalho.
 
As atividades destinadas aos alunos de ensino médio e ensino fundamental 2 são focadas em discussões de como o transporte se relaciona com o dia a dia dos estudantes. A ideia é promover “tanto uma formação como estimular o debate sobre o direito à cidade”.
 

População nas ruas de São Paulo (SP), em 17 de junho. Na
data, chegou a 100 mil o número de manifestantes em todo
o país (Foto: Gabriela Bilo)
 
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