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Vinte textos em prosa poética e treze poemas, chamados de odes mínimas, compõem o livro “Prosas seguidas de Odes Mínimas”, lançado no início dos anos 1990 por José Paulo Paes. Novidade na lista da Unicamp em 2025, a obra traz uma visão crítica da vida, adquirida pelo poeta com a maturidade.

“José Paulo Paes usa de poucas palavras para conseguir grandes efeitos poéticos. Então, embora os poemas sejam muito breves, em sua maioria eles exploram profundidades filosóficas, humor e ironia”, analisa o professor de literatura do Curso Anglo São Paulo Paulo Oliveira.

A obra tem forte influência do Modernismo. “Tanto que um importante protagonista deste movimento, que foi Oswald de Andrade, é citado nominalmente em um poema “Prosa para Miramar”. Justamente porque Oswald de Andrade caracterizou sua obra pela brevidade, pela concisão”, analisa o professor do Anglo.

Estilo epigramático

Oliveira explica que o estilo oswaldiano inspirou Paes a adotar um estilo epigramático. “Epigrama é uma forma concisa de se expressar poeticamente. A origem desse tipo de texto remonta à Grécia antiga, às inscrições feitas em monumentos, medalhas ou túmulos. Por falta de espaço, as palavras tinham que ser muito breves. Pois bem, José Paulo Paes é um poeta epigramático. Ele se vale da concisão, da brevidade. Isso implica dizer que ele é avesso a todo o tipo de enfeite desnecessário, a um preciosismo vocabular”, explica.

O professor ressalta que é importante o vestibulando estar atento à ironia do poeta, principalmente na segunda parte do livro, dedicada às “odes mínimas”.

“Se eu falo ‘ode à minha perna esquerda’, seria um canto, um poema dedicado à minha perna esquerda, que implica certo louvor. Mas, na pena de José Paulo Paes [que precisou ser amputada] nem sempre esses poemas, essas odes, terão o caráter celebrativo de exaltação. Muitas vezes essas odes têm um caráter irônico ou mesmo crítico”, revela.

De acordo com Oliveira, além da presença constante do humor, é preciso estar atento também às sutilezas da obra, outra característica de José Paulo Paes.

Crédito da imagem: Hobo_018 – Getty Images

Transcrição do Áudio

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Paulo Oliveira:

José Paulo Paes usa de poucas palavras para conseguir grandes efeitos poéticos, não é? Então, embora os poemas sejam muito breves, em sua maioria eles exploram profundidades filosóficas, humor e a ironia. Isso acontece no livro “Prosas seguidas de Odes Mínimas”.

Eu sou o Paulo Oliveira, professor de literatura do curso Anglo São Paulo e do colégio Anglo São Paulo, além de autor de materiais didáticos sobre literatura.

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Marcelo Abud:

O livro “Prosas Seguidas de Odes Mínimas” foi escrito por José Paulo Paes aos 66 anos, época em que o autor já era reconhecido pela crítica literária. Segundo o professor Paulo Oliveira, a influência do movimento modernista é evidente nesse livro, assim como em toda a obra do escritor.

Paulo Oliveira:

Tanto que um importante protagonista deste movimento, que foi Oswald de Andrade, é citado nominalmente em um poema: “Prosa para Miramar”. Justamente porque Oswald de Andrade caracterizou sua obra pela brevidade, pela concisão. Então nós poderíamos dizer que seu estilo é epigramático.

Mas o que seria um epigrama? Epigrama é uma forma concisa de se expressar poeticamente. A origem desse tipo de texto remonta à Grécia antiga, às inscrições feitas em monumentos, medalhas ou túmulos. Por falta de espaço, as palavras tinham que ser muito breves. Pois bem, José Paulo Paes é um poeta epigramático. Ele se vale da concisão, da brevidade. Isso implica dizer que ele é avesso a todo o tipo de enfeite desnecessário, a um preciosismo vocabular.

Marcelo Abud:

Novidade na lista da Unicamp em 2025, “Prosas Seguidas de Odes Mínimas” valoriza o humor e a ironia. O professor ressalta que esse é um aspecto importante que deve ser considerado por quem vai prestar o vestibular.

Paulo Oliveira:

Valer-se do humor não quer dizer que ele seja um humorista, porque o humor, ele se esgota, digamos assim, rapidamente. É uma espécie de fagulha que provoca o riso. José Paulo Paes não é um humorista, ele é um poeta irônico, ele é um poeta mordaz. Então nós temos que entender seus textos numa estratégia discursiva que se vale de duas manifestações. Uma é o texto explicitamente apresentado, mas também num sentido que está oculto, não é, por meio da polissemia, tão típica do discurso literário, ou seja, as palavras querem dizer mais do que aquilo que explicitamente dizem.

Marcelo Abud:

O livro é composto de duas partes, como o título sugere. Oliveira alerta que esse pode ser um ponto importante para o vestibular. Por isso, estudantes devem saber diferenciar os textos em prosa poética daqueles apresentados como odes curtas.

Paulo Oliveira:

A seção “prosas”, como o nome indica, apresenta poemas em prosa. Que tipo de poema é esse? É um poema estruturado em parágrafos, e não em versos. Ou seja, nós temos unidades de expressão que não são marcadas pelo ritmo, como o verso naturalmente é.

Embora a primeira seção do livro intitula-se prosas, são 20 poemas nessa seção, dos quais apenas 9 são em prosa. Então, esses poemas em prosa, eles são divididos em pequenos parágrafos de mais ou menos cinco linhas. Então, na sessão prosa, a gente já sabe, não tem apenas poemas em prosa, há outros poemas em versos.

Marcelo Abud:

O professor explica também o que caracteriza uma ode mínima.

Paulo Oliveira:

É uma forma poética de origem grega, que nasceu muito vinculada à exaltação de grandes feitos, fossem eles militares ou esportivos. Assim nasceu a ode lá na Grécia, mas a forma poética foi ganhando dimensões, não é, e tem seu significado atualmente muito associado a um canto. Se eu falo “ode à minha perna esquerda”, seria um canto, um poema dedicado à minha perna esquerda, que implica certo louvor. Mas, na pena de José Paulo Paes, nem sempre esses poemas, essas odes, terão o caráter, digamos, celebrativo de exaltação, né? Muitas vezes essas odes têm um caráter irônico ou mesmo crítico.

Som de página de livro sendo virada

Paulo Oliveira:

Todos os 13 poemas da seção “Odes Mínimas” se iniciam com uma preposição. São 13 poemas, “à minha perna esquerda”, “à bengala”, “aos óculos”, “à tinta de escrever” e assim por diante.

Então, nós temos que entender que essas preposições devem ser antecedidas do termo ode que está em elipse, de tal maneira que a gente tem que imaginar o título como sendo “ode à minha perna esquerda”, “ode à bengala”, “ode aos óculos” e assim por diante. Nesta segunda seção, nós temos de maneira mais destacada aquele mencionado estilo epigramático. São problemas mais sintéticos, mais breves, estruturados todos eles em versos, tá? Então nós não temos poemas em prosa nessa segunda parte.

Como por exemplo, na ode à televisão. A princípio, parece um elogio que o poeta faz à televisão, mas quando a gente percebe a intenção que está por detrás daquelas palavras, nós notamos que o poeta quer mesmo é fazer uma crítica ao caráter alienante que a televisão muitas vezes tem.

Som de página de livro sendo virada

Paulo Oliveira:

Ode Mínima à Televisão

Teu boletim meteorológico

me diz aqui e agora

se chove ou se faz sol.

Para que ir lá fora?

A comida suculenta

que pões à minha frente

como-a toda com os olhos.

Aposentei os dentes.

Nos dramalhões que encenas

há tamanho poder

de vida que eu próprio

nem me canso em viver.

Guerra, sexo, esporte

— me dás tudo, tudo.

Vou pregar à minha porta:

já não preciso do mundo.

Som de página de livro sendo virada

Paulo Oliveira:

Esse texto demonstra bem certas características da obra de José Paulo Paes. Ele se dirige à televisão por meio de pronomes e verbos em segunda pessoa. Então, ele estabelece uma interlocução com a própria televisão. Explicitamente, parece que o poeta está muito satisfeito, não é, com tudo aquilo que a televisão oferece. Mas nós percebemos, numa leitura mais aguda, que a televisão, na verdade, cria uma espécie de simulacro alienante da vida. Então, o indivíduo nega sua própria existência real, ligada às demandas físicas do sexo ou esporte ou a comida, se afasta disso para ficar hipnotizado naquele, como disse, simulacro que a televisão oferece. Esse viés crítico e irônico é uma das marcas da poesia de José Paulo Paes.

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:

Para o professor Paulo Oliveira, o vestibular da Unicamp pode abordar a obra tanto pelos aspectos formais, da estrutura dos poemas, como pela percepção da ironia que o poeta usa para tratar de certos temas.

Marcelo Abud para podcast Livro Aberto, do Instituto Claro.

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