Leonardo Valle

Elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU), o Mapa da Fome reúne os países que possuem mais de 5% da população ingerindo menos calorias que o recomendável. O Brasil abandonou a lista pela primeira vez em 2014, quando registrou apenas 3% de pessoas em situação de vulnerabilidade alimentar. Contudo, entidades da sociedade civil e pesquisadores alertam para um provável retorno ao ranking em 2019.

“Os dados oficiais são levantados a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), que mede a escala brasileira da insegurança alimentar a cada cinco anos, sendo a última divulgação de 2013. O novo levantamento já foi realizado em 2018 e será divulgado em 2019”, explica o consultor em políticas públicas para pobreza e fome e pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Francisco Menezes. “Contudo, os números nos últimos três anos já indicam que a fome é um problema novamente”, adianta.

Segundo a Pnad Contínua de 2018, 13,1 milhões de brasileiros estão desempregados. Já a população vivendo em extrema pobreza – cidadãos que ganham menos de 1,9 dólares por dia – aumentou 11,2% entre 2016 e 2017, alcançando 14,83 milhões de brasileiros.

“São informações correlacionadas: se aumenta o desemprego e a extrema pobreza, a população entra em vulnerabilidade alimentar. Nunca houve uma situação em que esses números não cresceram simultaneamente”, justifica.

Entidades que trabalham com o tema no Brasil também reforçam a projeção a partir de dados empíricos. “Temos aproximadamente mil pontos de apoio no país e todos relatam piora da fome nos últimos três anos, em um panorama grave, parecido do que ocorria no início da década de 1990”, revela o diretor da Ação da Cidadania Contra a Fome e a Miséria, Rodrigo “Kiko” Afonso. A Organização foi fundada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, em 1993.

De acordo com o cientista social e coordenador de campanhas da Oxfam Brasil, Rafael Georges, o perfil da pessoa em situação de vulnerabilidade alimentar hoje no Brasil é: negro, feminino, de áreas periféricas ou da zona rural. “Vimos uma redução do problema no nordeste e o aumento no sudeste. Hoje, a área metropolitana do Rio de Janeiro enfrenta similares aos do nordeste dos anos 80”, compara Afonso.

Teto dos gastos foi impulsionador

A crise econômica foi responsável por levar brasileiros que mal haviam alcançado a classe média, a partir de 2002, de volta à linha da pobreza. “Quinze anos não é tempo suficiente para consolidar uma mobilidade social. O mercado brasileiro é vulnerável a mudanças e qualquer queda atinge facilmente essa população”, analisa Rafael Georges.

Contudo, para os entrevistados, a resposta dada a crise foi o que agravou o problema a partir de 2016. Principalmente, a lei do teto dos gastos públicos (emenda constitucional 95/2016), que congelou investimos em educação, saúde e bem-estar social por 20 anos.

“Se aumenta o desemprego e a pobreza, aumenta o gasto para ajudar essa família a ter comida e a sobreviver. O teto impede isso”, contextualiza Afonso. “A imposição deixou o estado sem condições de enfrentar essas situações”, pontua Menezes. “Em uma crise, a última coisa a fazer é cortar programas sociais. No Brasil, costuma ser a primeira”, denuncia Georges.

A segunda medida questionada foi o descadastramento ou bloqueio de 1,1 milhão de beneficiários do Bolsa Família – voltado para famílias com renda mensal de R$85 e R$ 170 e que possuem filhos de zero a 17 anos. Cada cadastro beneficia, aproximadamente, quatro pessoas.

“Muitos brasileiros que passam fome e deveriam estar no programa não sabem por que foram descadastrados”, conta Menezes. “Além disso, seria necessária uma busca ativa dos que estão em insegurança alimentar para incluí-los. Porém, a lei do teto impede expansões”, lamenta.

Já Afonso também atribui impactos da reforma trabalhista no agravamento da fome na população pobre e extremamente pobre. “Houve perda de renda, pois os empregos gerados pós-reforma são precarizados. Ao contrário do profissional qualificado, essa pessoa não consegue negociar com o patrão: ou se sujeita ou outro aceitará” relaciona.

Combatendo a fome

Mas como o Brasil deve fazer para liquidar a fome novamente? Para os entrevistados, a primeira medida é a revogação da lei do teto dos gastos. “Não existe nenhuma lei aprovada no mundo parecida com ela. Programas sociais concorrem no orçamento entre si e ela impede a discussão sobre prioridades orçamentárias, como o tamanho dos gastos do Judiciário que queremos ou as pensões de militares, setores que fazem lobby no congresso. O único que não tem lobby, que não consegue se organizar e ir ao congresso lutar, é o povo que não tem o que comer “, decreta Georges.

“Acho difícil, infelizmente, que a lei seja revogada com o perfil do congresso eleito em 2018”, lamenta Menezes.

Sair dessa situação também depende da ampliação de programas sociais e geração de emprego. “O Bolsa Família é necessário no primeiro momento, assim como a geração de postos de trabalho rápidos para essa população em extrema pobreza. Como diria Betinho, quem tem fome tem pressa, logo as medidas são emergenciais”, defende Afonso. “Na sequência, é necessário garantir oferta de emprego formal, incluindo mulheres e negros. Se o próximo governo não agir, o futuro será sombrio”, finaliza.

Crédito da imagem: BirgitKorber – iStock

Talvez Você Também Goste

13 dúvidas sobre os direitos do trabalhador que pediu demissão

Advogados esclarecem mitos e verdades desse modelo de rescisão contratual

Perfil na internet busca combater etarismo ao publicar roupas usadas por idosos no dia a dia

Estilo Vovô captura looks criados pela terceira idade que também são tendências entre jovens

“Diretas Já” completa 40 anos e deixa legado para a democracia

Historiador lembra como mobilização pelo voto direto influenciou a criação da Constituição de 1988

Receba NossasNovidades

Receba NossasNovidades

Assine gratuitamente a nossa newsletter e receba todas as novidades sobre os projetos e ações do Instituto Claro.