Ouça também em: Ouvir no Claro Música Ouvir no Spotify Ouvir no Google Podcasts Assina RSS de Podcasts

Ambientalista e ativista dos direitos indígenas, Ailton Krenak tem chamado atenção com seus livros sobre a crise da humanidade. No ano passado, já havia obtido destaque ao escrever “Ideias para adiar o fim do mundo”.

Desde que a pandemia do novo coronavírus (covid-19) começou, ele intensificou a crítica ao modo como a humanidade tem promovido a autodestruição. Neste ano já lançou dois novos títulos: “A Vida não é útil” e “O Amanhã não está à venda”.

Para Ailton Krenak, a pandemia não vai nos tornar mais conscientes, melhores e solidários  (crédito: Adriana Moura/Divulgação)

“Esse amanhã, que as pessoas chamavam de novo normal era uma aventura insana, porque o amanhã não está à venda, não existe esse amanhã; você está dando um calote, se você vender ele, seria como você vender um produto que você não tem”, justifica.

Para Krenak, foi justamente essa chamada “normalidade” que levou a humanidade a se distanciar da natureza, devastar o planeta e aumentar desigualdades. “Tem gente que já saiu do contágio, está curtindo suas vidas, ganhando dinheiro, e tem uma sub-humanidade morrendo pelas beiradas do planeta feito inseto”.

Ailton Krenak aponta que é essa população, composta, por exemplo, pelos povos da floresta, que todos podem aprender e aspirar por um mundo diferente. Não amanhã, mas no tempo presente.

“São muito poucas as comunidades humanas que permaneceram guardando alguma reverência em relação à vida na Terra. São índios, quilombolas e outros ribeirinhos, que vivem nesses lugares consumindo o que a natureza proporciona para eles, numa vida simples.”

No áudio, o autor afirma que a humanidade é mais destrutiva do que o coronavírus. “A Covid não está matando pássaros, baleias, golfinhos… quem mata essas outras espécies todas somos nós, os humanos. Nós exterminamos as outras espécies de uma maneira voraz”, conclui.

Transcrição do Áudio

Música “O Futuro que me alcance”, de Reynaldo Bessa, de fundo

Ailton Krenak:
Aqui em Congonhas, Minas Gerais, o Aleijadinho deixou os profetas todos em pedra. Lá, no meio deles, tem o profeta Jeremias, que ficou com a fama de passar a vida dele lamentando, reclamando. Eu não tenho nada a ver com a Bíblia nem com o profeta, mas eu estou fazendo a mesma coisa: estou dizendo que nós estamos “comendo” o planeta, com esta conversa fiada de que a pandemia vai nos tornar mais conscientes, melhores, mais humanos e solidários.

Eu sou Ailton Krenak. Estou aqui na região do médio Rio Doce, na reserva indígena Krenak, onde eu vivo com a minha família.

Vinheta: “Instituto Claro – Cidadania”

Música instrumental, de Reynaldo Bessa, de fundo

Marcelo Abud:
Ativista do movimento socioambiental e de defesa dos direitos indígenas, Ailton Krenak tem chamado atenção com seus livros sobre a crise da humanidade. Em um deles, escrito a partir da pandemia do covid-19, Krenak refuta a ideia de novo normal.

Ailton Krenak:
“O Amanhã não está à venda” é uma resposta à irritação das pessoas de sair da pandemia, sair da quarentena e ir correndo para a rua, ir consumir, ir para um shopping e continuar esquentando o planeta. Esse amanhã, que as pessoas chamavam de novo normal, era uma aventura insana, porque o amanhã não está à venda, não existe esse amanhã; você está dando um calote, se você vender ele, seria como você vender um produto que você não tem.

Marcelo Abud:
Com essa mensagem, o autor pretende convocar as pessoas a viver o dia de hoje, a pensar o aqui e agora.

Ailton Krenak:
É uma maneira de animar aquelas pessoas que estavam ‘deprimida’, presa dentro de casa, ao dizer “olha, viva esse dia seu hoje”. Amanheceu o dia, recepciona esse dia com o valor que ele tem para você e para de ficar pensando no dia de amanhã.

Música: “Aqui e agora” (Gilberto Gil)
“O melhor lugar do mundo / É aqui e agora”

Marcelo Abud:
Para Ailton Krenak, a tal “normalidade” levou a humanidade a se divorciar da natureza, devastar o planeta e aumentar desigualdades.

Ailton Krenak:
Quando chegou a pandemia, é como se tivesse configurado pra mim aquela cena, em que eu ponho em questão a ideia de uma humanidade coesa, que existe uma humanidade idealizada, e a pandemia mostrou que não existe, na verdade nós somos fragmentos. Tanto que tem gente que já saiu do contágio, está curtindo suas vidas, ganhando dinheiro, e tem uma sub-humanidade morrendo pelas beiradas do planeta aí, feito inseto.

Marcelo Abud:
Em “O Amanhã não está à venda”, o autor afirma que a humanidade é pior do que a covid-19, em termos de extinção.

Ailton Krenak:
Eu já mencionei uma vez que eu olho ali no quintal e vejo as borboletas amarelas, brancas voando; os pássaros, eles brincam aqui em volta do quintal, eu não vejo nenhuma dessas espécies caindo morta no chão pela covid. A covid não está matando pássaros, baleias, golfinhos, urso polar, quem mata essas outras espécies todas somos nós, os humanos. Nós exterminamos as outras espécies de uma maneira voraz. A covid está matando só o Homo sapiens. Quer dizer, não tem problema nenhum, é só uma espécie que ela está sumindo com ele, porque, enquanto os humanos continuarem prevalecendo diante das outras espécies, na pirâmide, como o predador principal, ele não vai parar enquanto tiver vida na sua frente, ele vai matar tudo. O humano mata tudo.

Música: “O Sal da Terra” (Beto Guedes e Ronaldo Bastos), com Beto Guedes e Jota Quest

“Terra, és o mais bonito dos planetas / Tão te maltratando por dinheiro / Tu que és a nave nossa irmã”

Ailton Krenak:
Essa mensagem que eu disse que a Terra estava pedindo silêncio é uma maneira de traduzir uma complexidade desse organismo, que não é uma banana nem uma laranja, ele é o planeta Terra, ele nos antecedeu em bilhões de anos e ele vai continuar existindo bilhões de anos depois que a gente tiver desaparecido daqui. No caso, os humanos vão desaparecer por autoextinção, diferente de outras espécies que esperaram alguém lá matar eles, os terráqueos estão decidindo suicídio. Superaquecimento global é suicídio, envenenamento do solo é suicídio, enterrar os oceanos com pet, com lixo, é suicídio, matar os rios é suicídio. Eu vivo à margem de um rio, a 500 metros da bacia do Rio Doce, aquele rio que a mineração de Mariana jogou lama naquele rio e que vai completar cinco anos e a gente não tem nada vivo dentro da bacia desse rio, ele está morto.

Marcelo Abud:
Em seu texto, Krenak compara as grandes corporações com piratas no mar de miséria que, diante da pandemia, continuam a lucrar.

Ailton Krenak:
É, agora se todo mundo morrer não tem problema nenhum. Vai ficar alguém lá, naquela cabine do comandante cheio de grana, contando dinheiro. Isso, para mim, é a caricatura do que eles chamam de economia. Quando você chama essa atividade de economia, parece que você dá alguma dignidade para isso. E eu acho que não tem dignidade nenhuma em acumular dinheiro, acumular riqueza, acumular poder. É uma imoralidade, não tem nenhuma dignidade nisso.

Se nós continuarmos nessa pegada, o calor, a temperatura do planeta vai chegar a um ponto que nós vamos fritar quando a gente sair na calçada de qualquer rua, pode ser no Brasil, pode ser na Europa. Então é muito louco a gente continuar nessa batida e ainda querer o novo normal. A questão climática, ela é um evento objetivo, real, ela não é uma ficção, não é um filme de Hollywood. É a Terra ao nosso redor torrando, derretendo.

Música: “Um índio” (Caetano Veloso), com Maria Bethania

“E o espírito dos pássaros das fontes de água límpida / Mais avançado que a mais avançada das mais avançadas das tecnologias”

Ailton Krenak:
O valor da vida é intrínseco. A vida não tem que produzir coisas para ela ter sentido. Senão, nós íamos achar que só as pessoas que produziram prestígio e riqueza é que viveram. As outras milhares de pessoas e durante milhares de anos que essa humanidade vem se constituindo e que ninguém estava criando riqueza material e ninguém estava acumulando prestígio, então, eles não viveram. Quem viveu foi só aquelas pessoas que conseguiram agarrar alguma coisa e sair com aquilo como se fosse um troféu na mão. Esse é o sentido de utilidade da vida que acabou sendo impresso com a ideia de que tempo é dinheiro.

São muito poucas as comunidades humanas que permaneceram guardando alguma reverência em relação à vida na terra. Eles são índios, quilombolas e outros ribeirinhos espalhados pelo mundo afora, eles vivem nesses lugares consumindo o que a natureza proporciona para eles, numa vida simples, que o mundo desenvolvido acha que é subdesenvolvimento, que é atraso.

Música instrumental, de Reynaldo Bessa, de fundo

Marcelo Abud:
Ailton Krenak aponta que é justamente com essa população, composta, por exemplo, pelos povos da floresta, que todos podem aprender e aspirar por um mundo diferente. Não amanhã, mas no tempo presente.

Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.

0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments

Receba NossasNovidades

Receba NossasNovidades

Assine gratuitamente a nossa newsletter e receba todas as novidades sobre os projetos e ações do Instituto Claro.