Leonardo Valle

Erisvan Bone tem 28 anos e é indígena do povo Guajajara, do Maranhão. Aos 15 anos, ele migrou para a cidade para concluir o ensino médio e ingressar no ensino superior. Hoje, graduado em jornalismo, vive em contexto urbano  ̶ realidade que lhe traz alguns desafios.

“Acho que o principal é o preconceito, que tentamos combater. Eu costumo sair pintado e, não raro, sou abordado por pessoas que questionam o fato de eu ser indígena, estar de roupa e viver longe do mato. Aproveito para explicar que podemos estar em qualquer espaço sem perder nossa identidade. O sangue de luta do meu povo continua correndo nas minhas veias”, aponta. “Outro estereótipo comum é imaginarem que somos uma coisa só, não diferentes povos com costumes e tradições particulares”, acrescenta.

Não se sabe ao certo quantos jovens indígenas entre 18 a 29 anos moram atualmente nos grandes centros do país. O motivo da migração, geralmente, está relacionado aos estudos e novas oportunidades de trabalho. Esse foi o caso da família de Rayanne Cristine França, de 25 anos. Ela e seus pais são do povo Baré, no Amazonas, mas nasceu e cresceu em Manaus.

Rayanne Cristine vivenciou um choque cultural ao mudar de cidade e começar a faculdade de enfermagem (crédito: Alejandro Zambrana)

 

“Era uma relação intercultural, pois havia uma proximidade com meu povo. Passo as férias lá e toda a tradição de medicina do meu povo me foi transmitida pelas minhas avós, tias e mãe”, relata. “Ainda que tenha vindo de uma cidade grande, houve um choque cultural grande”, confessa ela, que se graduou em enfermagem.

Filha de uma liderança indígena, França e sua família passaram a receber ameaças de morte após seu pai denunciar fraudes em um programa de saúde. “Após tentarem atear fogo na minha casa e perseguirem a mim e a meu pai com uma moto, decidimos que seria melhor eu fazer faculdade fora, em Brasília”, relata.

Choque cultural também foi uma realidade vivenciada por Erisvam. “Na cidade, o indígena tem contato com todo o tipo de gente pela primeira vez”, complementa Bone.

Erisvan Bone busca discutir a temática LGBTI dentro do movimento indígena (crédito: divulgação)

Ser ou não ser?

Afirmar-se como indígena ou não é a primeira dúvida que ronda o jovem ao chegar em contexto urbano. “A universidade pública, por exemplo, ainda é um espaço de elite. Ao afirmar-se, é comum você ser excluído pelo grupo. Você passa a andar com outros indígenas, como forma de proteção”, aponta França. “Mas, paradoxalmente, esse processo de exclusão ajuda o jovem a reforçar sua identidade internamente”, reflete.

Para Bone, o adolescente acaba sofrendo mais preconceito que o adulto por ser mais sociável. “Ele é aberto e quer conhecer novos espaços. Acaba se expondo mais e, consequentemente, sofrendo situações de discriminação”, relata.

Em geral, os conhecimentos aprendidos na cidade são utilizados em benefício do seu povo. França, por exemplo, criou um ambulatório de saúde indígena na sua universidade. “Não é porque não estou fisicamente na aldeia que não contribuo. Nossa relação ultrapassa a fronteira geográfica”, justifica. “É importante que o indígena ocupe todos os espaços. Isso faz diferença para nossa luta’, decreta.

Bone, por sua vez, criou o projeto Mídia Índia, que produz conteúdo voltado para a comunidade indígena e capacita jovens de diversos povos para a comunicação. “O objetivo é dar voz e empoderá-los, respeitando seus costumes”, reforça.

Movimento de inclusão

A voz dos jovens indígenas também ajuda seus povos a refletirem sobre mudanças de costumes. No Encontro Nacional de Estudantes Indígenas (ENEI), Bone levou a questão LGBT para a discussão. “Pensamos que ninguém iria no nosso encontro e lotou. Houve relatos de aceitação, mas outros tantos de exclusão. Muitos casos de jovens e adultos gays e lésbicas que se suicidaram por não se sentirem incluídos em seus povos”, lamenta.

Para ele, a discussão sobre orientação sexual ainda é recente. “Um pássaro criando asas”, associa. “Mas é importante para que outros casos de sofrimento não aconteçam. No meu povo, por exemplo, o cacique faz questão de buscar os homossexuais em suas casas para as festas. Mas outras tribos não aceitam a presença de LGBTs”, relata.

Segundo Bone, conflitos geracionais são comuns. Porém, são tratados com respeito. “É preciso escutar os mais velhos, pois eles vieram antes. Cabe ao jovem aprender para dar continuidade”, reforça. “Para os mais velhos, digo que os mais novos não são o futuro, mas o presente. Estamos aqui para somar”.

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