Sempre ouvi falar nas reuniões de professores a célebre frase: "É preciso enxergar a realidade dos nossos educandos". No entanto, isso sempre soou muito distante da realidade. O relato a seguir mostra que isso realmente é necessário e possível. Preparei um material para trabalharmos a interpretação do Poema-Música "A Casa", de Vinícius de Moraes. Partimos da audição da música e a análise tomou força, a turma gostou, entrou no clima, perguntaram várias coisas e foi possível desenvolver um trabalho reflexivo sobre as condições de moradia da população da nossa cidade, com o intuito de chegar numa análise da condição de cada aluno. Trabalhamos a questão da especulação de preços de lotes e casas, como se definia as condições de vida de que mora no centro e de que mora na periferia das cidades. Debatemos sobre o tema periferia e o que é ser periférico. A turma demonstrou muito interesse, participaram com afinco, e algumas considerações surgiram.

N.B., foi uma das alunas que após o término das aulas me segredou que o assunto tinha mexido muito com seus sentimentos, pois tinha tocado num aspecto que para ela tinha muito relação. Levei os comentários para o conselho de classe, e resolvemos levar uma cesta de produtos para N.B. e conhecer sua realidade. Realidade é uma palavra que quando inserida num contexto pode nos deixar com sentimentos até então nunca experimentados. Esta realidade fez isso comigo. Trouxe um sentimento que ainda não tinha sentido o gosto. Nem sei se estava pronto para senti-lo. N.B. nos recebeu com um sorriso que não condizia com o que eu estava vendo. Era um barraco de lona extremamente precário. Naquele momento eu fazia uma viagem num mundo que para mim só existia em países subdesenvolvidos. Uma viagem que eu não estava preparado para fazer. Na minha mala de experiências não havia nada que eu pudesse retirar para mudar aquela situação. Apesar de vários anos de estudo, naquela hora fui eu que aprendi. Aprendi lições que nunca mais poderei esquecer: que o sonho de uma criança nunca pode ser ignorado, que meu trabalho precisa ser cada dia melhor e que nossas práticas devem ser íntimas das realidade dos nossos alunos. Uma vizinha da escola, dona de um escritório de distribuição de gás desativado, nos doou a instalação, que com muito esforço conseguimos erguer no lote daquela família. Aquela casa engraçada, que não tinha teto, não tinha nada, melhorou, ganhou dignidade. Outras viagens virão, cujo preço do bilhete é o interesse no aprendizado.

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