Sou professora da rede pública de ensino e amo o que faço. Este ano estou com 5º ano e vivi uma experiência única em sala de aula. Recebemos um livreto, de uma autora do nosso município, para trabalharmos com os alunos. Este livreto, “Diário de um Guerreiro”, conta a história de um cachorrinho vira-lata que vivia nas ruas, foi atropelado e precisou de ajuda para realizar uma cirurgia que lhe custou a amputação de uma das patas. Lemos a história, conversamos como muitas vezes nos sentimos também um “vira lata”, sem valor, sem apoio, e contei a minha história: com 10 anos, a idade da maioria deles, perdi minha mãe, meu pai casou novamente, mais tarde também me casei, fiz duas faculdades e estou aqui, venci, sou uma guerreira! Orientei e incentivei a cada um contar a sua história, de como eram guerreiros também. Até aí era uma produção de texto normal. Quando comecei a ler/corrigir não pude conter as lágrimas, era uma história mais linda, se posso usar essa palavra, que a outra.
Meus alunos já não eram os mesmos pra mim. Eles eram os verdadeiros guerreiros! Tenho alguns alunos com bastante dificuldades de aprendizagem, mas, um em especial, o Otávio (11 anos), corrigindo seu texto tive que chama-lo para me ajudar a entender o que estava escrito. Enquanto ele contava a sua história que tinha perdido o pai em um acidente de moto, a mãe sobreviveu, porém ficou com graves sequelas, a irmã é deficiente mental e ele com aparente dislexia, ficava pensando: Meu Deus! Ele ainda produz muito. Outra aluna, Luciana, que veio fugida com a mãe do Paraná, porque o pai tentou matá-la. Outra ainda, Beatriz, que tem o pai paraplégico depois que sofreu um assalto e levou três tiros. Muitas histórias comoventes, como eu disse, histórias de crianças que estão guerreando todos os dias com as lembranças, saudades, deficiências, carências, medos… A partir desta atividade meus alunos não são mais os mesmos porque o meu olhar também não o é. Uma atividade aparentemente simples e corriqueira transformou as nossas relações. Sinto que eles também me vêem diferente, passei a fazer parte da história de vida deles. Está sendo uma experiência maravilhosa, não podia deixar de compartilhar. Precisamos sair do corriqueiro e nos aprofundarmos na pessoa, no aluno, nos guerreiros que encontramos todos os dias e que a maioria passa pela nossa vida sem ao menos conhecermos a sua história.