Conteúdos

Este plano de aula de Filosofia aborda aspectos do pensamento filosófico contemporâneo, ao expor as noções existencialistas de Søren Kierkegaard (1813-1855), para entender as visões de estádio estético, estádio ético e estádio religioso, desenvolvidas pelo autor. Possibilita a reflexão sobre temas como existência, ética, vazio, angústia, desespero e religião.

● Existencialismo Kierkegaardiano;
● Existência Estética;
● Existência Ética;
● Existência Religiosa.

Objetivos

● Compreender as noções existencialistas de Søren Kierkegaard;
● Entender as visões de estádio estético, estádio ético e estádio religioso;
● Estudar aspectos do pensamento filosófico contemporâneo;
● Refletir sobre temas como existência, ética, vazio, angústia, desespero e religião.

Veja também:

As três teses do surgimento da filosofia: grega, africana ou pluriversal?

Filosofia egípcia no Império Faraônico

Palavras-Chave:

Existencialismo. Vazio. Desespero. Angústia. Instante. Estádio estético. Estádio Ético. Estádio Religioso.

Sugestão de aplicação para o ensino remoto:

As sugestões estão organizadas em tópicos com uma breve explicação de cada recurso.
Jitsi Meet: é um sistema de código aberto e gratuito, com o objetivo de permitir a criação e implementação de soluções seguras para videoconferências via Internet, com áudio, discagem, gravação e transmissão simultânea. Possui capacidade para até 200 pessoas, não há necessidade de criar uma conta, você poderá acessar através do seu navegador ou fazer o download do aplicativo, disponível para Android e iOS.

Trabalhando com essa ferramenta, é possível:

– Compartilhar sua área de trabalho, apresentações e arquivos;
– Convidar usuários para uma videoconferência por meio de um URL simples e personalizado;
– Editar documentos simultaneamente usando Etherpad (editor de texto on-line de código aberto);
– Trocar mensagens através do bate-papo integrado;
– Visualizar automaticamente o orador ativo ou escolher manualmente o participante que deseja ver na tela;
– Reproduzir um vídeo do YouTube para todos os participantes.

● Gravação de videoaula usando o Power Point: o PPT, já tão utilizado por nós professores para preparamos nossas aulas, também permite a gravação de uma narração para os slides, que tanto nos auxiliam na explanação dos conteúdos. É possível habilitar a função de vídeo enquanto grava, assim, os alunos verão o professor em uma janelinha no canto direito da apresentação. Essa ferramenta é bem simples e eficaz. Veja um guia.

● Envio de Podcast aos alunos: podcast nada mais é do que um áudio gravado (como os enviados pelo Whatsapp). Podem ser utilizados para narrar uma história, para correção de atividades, revisar ou aprofundar os conteúdos. Para tanto, sugiro o app Anchor, que pode ser baixado no seu celular. Ele é muito fácil e simples de utilizar.

● Plataforma Google Classroom: permite a criação de uma sala de aula virtual. Essa ação irá gerar um código que será compartilhado com os alunos, para que acessem a sala. Nesse ambiente virtual, o/a professor/a poderá criar postagens de avisos, textos, slides do PPT, conteúdos, links de vídeos, roteiros de estudos, atividades, etc. É uma forma bem simples e eficaz de manter a comunicação com os alunos e postar as aulas gravadas, usando os recursos anteriormente mencionados. Confira outros recursos oferecidos pela Google, como a construção de formulários (Google Forms) para serem realizados pelos alunos.

Sugerimos aulas com até 30 minutos de duração. Além disso, nem toda aula precisa gerar uma atividade avaliativa, para não sobrecarregar os alunos. As aulas virtuais também podem ser úteis para correção de exercícios e plantões de dúvidas.

Previsão para aplicação:

4 aulas (30 min./aula)

1ª Etapa: Introdução ao pensamento de Kierkegaard

Kierkegaard

Nesta primeira etapa, sugiro que a/o docente grave previamente um Podcast (veja as instruções anteriormente descritas nesse plano), com os conteúdos abaixo, e o disponibilize aos alunos através da plataforma Google Classroom, apresentando algumas noções do pensador existencialista Søren Aabye Kierkegaard (1813-1855). Ao final, deixe como “tarefa de casa” para que os alunos assistam ao vídeo do professor Dr. Oswaldo Giacóia, que aborda a visão de esperança e de angústia em Kierkegaard, anotando suas reflexões sobre o tema para um debate que deve acontecer de forma síncrona on-line. Tal debate pode ocorrer em uma videoaula, através da plataforma Jitsi Meet, em parceria com os/as professores/as de Filosofia e de Sociologia. Além de ouvir as reflexões dos alunos, é possível abordar conceitos como: existencialismo, angústia, liberdade, estágios da existência, etc.

Kierkegaard foi um filósofo que nasceu em Copenhague, Dinamarca. Significativamente marcou sua permanência na geografia filosófica a partir dos conceitos desenvolvidos no existencialismo, uma corrente da filosofia contemporânea, que é muito estudada no mundo. Kierkegaard é considerado, junto a outros autores, como Karl Marx e Nietzsche, um marco do pensamento atual, operante e estudado nas universidades do mundo. Em outras palavras, seria muito difícil um curso sobre existencialismo sem trabalhar algumas noções desse autor.

Este dinamarquês do século XIX, inicialmente se tornou influente na Alemanha, onde era visto como um paralelo filosófico da psicanálise freudiana, depois, sua filosofia foi expandida pelo Ocidente. Kierkegaard foi inserido no pensamento filosófico ou na História da Filosofia durante o período da Primeira Guerra Mundial, em um mundo no colapso dos valores humanos, e foi resgatado como um autor que fala sobre a existência e suas possibilidades diante do absurdo ou do sem sentido. Diante disso, muitos filósofos começaram a referir o pensamento kierkegaardiano como a Filosofia que seria conhecida como o marco do existencialismo. De modo geral, foi considerado o fundador dessa corrente, que se estenderia por toda a Europa e que teria o seu auge no pensamento francês, com Jean Paul Sartre, um dos filósofos mais citados do século XX e XXI.

O existencialismo é totalmente voltado à subjetividade, indo contra todas as correntes racionalistas. Por ser oposta às ideias dos racionalistas, é considerada uma corrente irracionalista, mas não no sentido comum do termo, pois não é tão simples entender como algo/alguém é dotado das ausências de razão, de método, de bom senso, de raciocínio lógico, isto é, sem intelecto ou condição de entendimento. Para os irracionalistas, essas faculdades da razão são secundárias, ou seja, não se trata de uma negação do papel delas no conhecimento, para eles é importante destacar outras formas de percepções, que são feitas pela intuição, pelos instintos e afetos.

Sartre e os demais existencialistas do século XX são conhecidos por suas famosas discussões uns com outros, com teor de profundidade incalculável, isto é, Sartre passou a vida inteira estudando a existência e discutindo nos Cafés da Rive Gauche, temas como liberdade, existência, angústia, morte, etc. Por isso não é uma corrente insensata no sentido comum da palavra, não é uma expressão filosófica que cultua a ignorância ou a preguiça de pensar e de criar conceitos na Filosofia, muito pelo contrário, a história dessa corrente da Filosofia mostra o trabalho monumental desenvolvido nos últimos dois séculos. Basta uma pesquisa para ver a assustadora bibliografia construída.

Entre eles, o suposto pioneiro, Kierkegaard, defende a existência, uma vida não pode ser compreendida dentro de um sistema filosófico, à medida que é vivida escapa do conhecimento e de todo saber. O Existencialismo desse autor foi construído em oposição a toda metafísica, sobretudo ao hegelianismo, que passava por uma aceitação fortíssima na época de Kierkegaard. Esse percebia que todos os sistemas reduziam o ser humano a meros conceitos, os quais não passavam de palavras que não podiam responder realmente o que era a existência e suas possibilidades no mundo.

Para Kierkegaard, a existência não se encontra na explicação racional ou na linguagem humana, é algo que não se compreende racionalmente, é simplesmente uma coisa solta no mundo, lançada na vida de forma nua e sem razão ou propósito algum de verdade, algo que simplesmente existe. Essa seria a existência, que por certo não tem nada de racional, não é constituída por laços fortes e imutáveis, mas por simples possibilidades que podem ser perdidas. Então, Kierkegaard analisa a existência como um conjunto de possibilidades que não possui nenhuma garantia de realização. Em parte, ele desenvolve suas ideias acerca da escolha e da existência a partir de sua relação conflituosa com a filosofia hegeliana/metafísica. Enquanto ele refletia sobre a individualidade, solidão, vazio, angústia e desespero humano, Hegel estava preocupado com uma narrativa racional dos grandes acontecimentos da Europa, este último viveu atribulado em entender o desdobrar da história pelo olhar do homem europeu.

1. Kierkegaard: angústia e esperança | Oswaldo Giacoia Júnior

2. Kierkegaard e o existencialismo | Prof. Anderson

2ª Etapa: Estádio estético, estádio ético e estádio religioso

Nesta segunda etapa, é sugerido se aprofundar mais nas noções de existência em Kierkegaard através da leitura que virá em seguida, proposta neste plano, continuando as reflexões apresentadas no primeiro momento. Os textos que virão abordam o estádio estético, estádio ético e estádio religioso. O/A docente poderá compartilhar os textos através da plataforma Google Classroom, para sua leitura prévia. É importante o agendamento de uma aula on-line síncrona para a explicação dos conteúdos dos textos. Para isso, você, professor/a, poderá preparar alguns slides para guiar a conversa, e apresentá-los aos alunos através do recurso de compartilhamento dela disponibilizado na plataforma Jitsi Meet, sugerida nesse plano.

Estádio estético

A existência ou estádio estético em Kierkegaard é representada pela figura dos sedutores. Estes são aqueles que buscam a satisfação no tempo presente e fogem de qualquer forma de repetição, procurando tornar inimitável e único cada instante da vida, entretanto, eles seriam movidos por uma existência problemática, na visão do filósofo, pois se jogam ao mundo de forma perdida e, com isso, trazem para si mesmos uma existência de pura passividade, ou seja, uma existência voltada somente aos desfrutes da vida carnal.

A existência estética é uma das mais sediciosas na vida do indivíduo. Ela não se prende ao durável e está sempre em busca de algo que faça sentido no próprio momento. Entretanto, esse sentido é exclusivamente súbito e não pode firmar-se, pois o indivíduo tem como objetivo aquilo que não pode ser finalizado. O indivíduo nesse estádio evita a repetição, que sempre implica numa monotonia, e anula as experiências mais promissoras do compromisso.

Este estádio estaria no momento de fuga do tédio, é uma excitação do imediato para o imediato. Kierkegaard desenvolveu esse conceito em sua obra O Diário de Um Sedutor, que tem como protagonista um personagem com um modelo arquetípico do sedutor, como artífice do método ou da arte da sedução. Na primeira parte do livro, ele trata de acompanhar os passos deste no processo da conquista e na busca do prazer constante. É interessante mencionar que Kierkegaard baseou-se na Ópera D. Giovanni de Mozart para abordar esse personagem. O Diário de um Sedutor poderia servir como método de sedução amorosa, pois aponta alguns procedimentos. Os estetas não conseguem lidar com a própria vida devido aos problemas existenciais inerentes à existência humana, seja pelo vazio que todos têm ou pela falta de sentido para existência, seja na angústia inevitável. Diante disso, os estetas tomam algo que os façam alcançar um objetivo temporário e com isso ter uma vida plena no agora, tentam ignorar a angústia, o vazio, a existência oca, buscam constantemente respostas no mundo dos prazeres para salvarem-se dos seus próprios tormentos. Diante do desespero, procuram o divertimento para tentar curar a ferida enorme que é existir. Pascal já tinha abordado no século XVII esse tema, quando problematizou o divertimento (divertissiman) na Filosofia. Os estetas são grandes exemplos para pensar a diversão, pois usam imprescindivelmente esta via como linha de fuga do sem sentido ou do vazio da existência. Vejamos abaixo um vídeo que explica um pouco mais a filosofia de Blaise Pascal.

Saiba mais: Tédio, divertimento e o vazio | Luiz Felipe Pondé

Os estetas buscam o prazer tanto na vida sexual e no lazer, como no consumo de coisas materiais, viagens, bebidas, comidas, riquezas, etc. Um dos fatores que é fácil ser notado em nossa época e que o próprio Kierkegaard, se estivesse vivo, não deixaria de colocar como estádio estético, são essas pessoas que não aguentam a vida angustiosa e sofrida que têm, assim sendo, acabam buscando em livros de autoajuda uma forma de cessar esse sofrimento que não tem fim. Acreditam que poderão curar definitivamente essa inerente angústia, esperam que com esses manuais possam curar essa infinita dor que é incessante na vida delas. Talvez na esperança e na fuga consigam se distrair desse terrível fato, mas precisam cair numa vida passiva a todo o momento, uma fuga para não se depararem com a repetição ou monotonia do vazio. Esta dimensão da existência, para o filósofo, muitas vezes acaba deixando de ser estética para se tornar ética, pelo menos a princípio. Para Kierkegaard, o estádio ético é considerado como superior ao primeiro, ele tinha uma preferência por esse estádio, que será o próximo tema da aula.

O estádio ético se contrapondo ao estádio estético

O estádio ético vai surgir do fracasso do estádio estético, devido ao ininterrupto desespero da existência do instante, em algumas situações ocorre uma ruptura do estético, assim como poderá ocorrer no ético. Como vimos, o esteta é condenado ao desespero pois está sempre no instante e na fuga dos compromissos, vivendo no momento presente, sem projeto a longo prazo para sua própria existência. É importante dizer que o estádio ético não renuncia ao prazer das coisas, eles se diferem na questão que um está no instante, já outro está envolvido em algum projeto a longo, médio ou curto prazo. Enquanto um foge de qualquer compromisso, o outro tenta dar continuidade a um projeto.

Os éticos procuram dar solidez às suas existências, fazendo parte de projetos no intuito de se tornarem alguém enquadrado num certo tipo de sistema social, renunciam a uma vida presa ao momento presente para viver uma vida com projeto contínuo, construindo dia após dia uma forma de significado para suas existências. Geralmente, constroem esse sistema com base numa conduta já pronta, que é transmitida por um tipo de pensamento ou autoridade, por exemplo: Igreja, governo, Filosofia, Ciência, etc. Em outras palavras, os éticos são aqueles que escolhem quem desejam ser e se impõem à disciplina necessária para tanto. Éticos observam as leis e respeitam os compromissos familiares, sociais e políticos.
Quando o indivíduo aceita a vida ética, necessariamente precisará conciliar uma moral externa com o seu mundo interior, realizando o geral em sua interioridade. Dessa forma, Kierkegaard encontra um problema nesse ponto, que é o externo, participando da subjetividade. Para o filósofo, realizar o geral é também reconhecer que as obrigações que esse impõe representam os valores escolhidos e que vão se harmonizar com a consciência do individual.

No ético, Kierkegaard usa a imagem do bom esposo/cidadão. O casamento encontra-se nessa dimensão ou na moral do dever. É uma norma social que abrange todo um aspecto da vida social. Além de seguir uma conduta moral, o casamento também traz consigo alguns elementos da vida estética, como foi falado anteriormente, os éticos não abandonam a vida erótica, apenas organizam no tempo. Enquanto os estetas fogem dos compromissos, os éticos, ao contrário, vivenciam e transformam em um modo de existência regrada numa base externa.
Para Kierkegaard, quando os éticos estão inseridos num sistema social, fundamentado numa moral transmitida pela sociedade, aparentemente ocorre um bem-estar em teoria, porém, o problema é que existem certos limites que não conseguem ultrapassar se não por outro estádio, que é o religioso. O modo ético, por mais que seja importante para organização da sociedade, mesmo assim, não consegue dar conta de certas vivências que o indivíduo passa. A ética é fundada num certo tipo de razão, criada pela mente humana, e mostrou historicamente o quanto é limitada para entender uma existência totalmente complexa.

Por exemplo, para Kierkegaard, na questão do pecado, a ética fracassa muitas vezes, esse modo de existência não consegue trabalhar de forma satisfatória com a transgressão dos valores, quando envolvem sentimentos, vontades e instintos, a ética humana não consegue dar conta totalmente da questão do pecado ou da própria subjetividade humana e suas experiências mais profundas. O exemplo que Kierkegaard traz é do profeta Abraão, assim como a conduta estética, é levado ao desespero, já o estádio ético atinge o limite e faz surgir com isso à contradição. Ou seja, quando chega ao ponto da contradição, Kierkegaard afirma que é possível a mediação para outro tipo de conduta da existência humana, que é a etapa religiosa: essa pode ser acessada pelo salto no absurdo, o salto para fé ou infinito. Vejamos a terceira parte dessa aula, com o último estádio da existência. Nela, veremos a contradição do estádio ético e a visão religiosa de Kierkegaard.

O estádio religioso em Kierkegaard

Podemos levantar dois problemas para pensar esse último estádio da existência em Kierkegaard. Por que um estádio religioso? Por que o estádio ético não pode ser fundido no religioso? Segundo Kierkegaard, o primeiro problema se dá através da ideia de pecado, algo que se instaura na vida do indivíduo e esse não consegue compreender. Quando Kierkegaard traz a história de Abraão é para responder essa questão. Se uma norma ética é colocada e todos têm a obrigação de seguir para o bem comum, então, nas circunstâncias mais extremas, o homem tem que eliminar as suas crenças ou coisas que acredita ser necessárias para a vida humana, desde que essas coisas sejam contrárias a essa norma, pois essa se encontra fundamentada em algum modelo que foi colocada na sociedade, e está fundamentada na própria razão, essa mesma que já foi colocada pelo filósofo como limitada e insuficiente para resolver os problemas da existência. O homem vive a contradição entre o que acredita, que é sua fé, com que é imposto pela sociedade. Nisso, podemos perceber que a subjetividade ou autonomia do indivíduo entra em conflito com as leis dadas. No segundo caso, não podemos fundir a ética no estádio religioso porque não cabe a todos os homens realizar o geral, casar-se ou assumir uma posição social.

Os religiosos não conseguem viver finitamente presos ao mundo, estando limitado às circunstâncias ordinárias, seria uma condenação, onde as contradições também reinam, por isso o salto é um tipo de saída para infinitude, a fé kierkegaardiana é viver a paixão pelo infinito. O estádio religioso é para Kierkegaard o mais importante e o mais difícil, pois no primeiro estádio temos o sedutor tentando fugir do desespero, no segundo estádio não vai ser tão diferente diante da contradição ou da noção de pecado. Já no estádio religioso, o filósofo aborda essa questão a partir do salto da existência ética para a existência religiosa. Entretanto, deixa claro que isso não vai resolver os problemas, pois é necessário deixar como está, aceitar o paradoxo que contraria toda compreensão humana, o estádio religioso é um mundo infinito de areia movediça, onde reina a incerteza.

Se nos estádios anteriores encontramos o indivíduo se relacionando com os demais a sua volta, no estádio religioso existe um relacionamento do indivíduo concreto com o infinito. Primeiro temos o sedutor que precisa do outro para preencher temporariamente o vazio, enquanto no ético, a coisa se organiza em meio a contradição da vida; agora, no estádio religioso, o indivíduo além de se relacionar com seu semelhante, também se relaciona com o infinito ou com uma possível ideia de Deus.

O que vale dizer é que a visão religiosa de Kierkegaard é diferente da visão dogmática das Igrejas mais conhecidas. Existem duas possibilidades: a primeira seria a existência de um Deus que se encontra na relação do indivíduo com o Absoluto; a outra possibilidade seria a admissível existência de Deus. A fé para Kierkegaard é a paixão pelo infinito, e o infinito não pode ser compreendido por via da razão, a fé é se arriscar na vida, pois quando o indivíduo salta para a existência religiosa, ele não sai da vida finita e sim vive um paradoxo, entre a vida finita e a infinita.

A moral racional adotada pelo ético é insuficiente e aquele que escolhe o infinito é obrigado a transgredir por causa da sua paixão por esse infinito, foi o caso de Abraão, quando Deus ordenou que esse patriarca oferecesse em sacrifício o seu primogênito Isaac. Abraão acreditou que era Deus, mas ao mesmo tempo iria transgredir a moral da sociedade do seu tempo, a qual não aceitava o assassinato. Diante da prova posta ao profeta, Abraão mergulhou
na angústia pelo ato que teria que fazer e, ao mesmo tempo, lutou contra si mesmo para realizar o ato, sendo impedido apenas no último momento. Mas ele, mesmo assim, não se deixou levar pelas leis dos homens e viveu a sua subjetividade na sua mais angustiosa fase, foi fiel a si mesmo e serviu a sua fé com uma força histórica.
O homem como Abraão, que opta pela fé, que é sua via de relação absoluta com o Absoluto, responde a ordem divina correndo o risco de entrar em ruptura com os outros homens e com a moral. Essa relação com o Absoluto faz com que o indivíduo tome o domínio da solidão. Como o religioso pode saber se tem razão, obter uma certeza de que não está incorrendo em erro? A solidão na qual a fé encerra, impede por princípio qualquer aprovação dos seus atos no mundo e muito menos por uma certeza, é sempre um risco.

O essencial do estádio religioso é a relação da subjetividade com o Absoluto, e o Absoluto é alheio a tudo que é mundano. Deus é alheio a qualquer compromisso entre fé e o mundo ou qualquer regra que nos limita. O estádio da fé é um extremo paradoxo, que não pode ser compreendido por via da razão, é a paixão pelo infinito, que só por via da subjetividade pode ser sentida, mas nunca compreendida. Para Kierkegaard, a fé é a mais alta paixão de todo homem, mas o homem, ao ficar preso às tarefas do mundo, para encher o seu tempo, não vai além desse sentimento. Dar o salto para o infinito é encontrar com o divino.

Foi esse detalhe do salto para o incerto que chamou a atenção do filósofo francês, Jean P. Sartre. Para ele, Kierkegaard revelou a incerteza de Deus de uma forma que mostra a existência humana como ela está colocada no mundo, sem a verdade que fundamenta de fato que essa tem uma essência divina. Para Sartre, não é a essência divina que define a existência humana, mas sim essa que define a sua própria essência de ser, o seu próprio modo de ser, seja ele dentro de aspectos metafísicos ou materialistas. A existência seria algo concreto e nu, como Heidegger disse no século seguinte, “o ser-aí”, que vive suas possibilidades de existir. Portanto, para o existencialista cristão, não há verdades absolutas, mas somente possibilidades ou modos de existências, de ser e de criar. Caso seja preciso explicar mais um pouco sobre os estádios da existência, sugiro os vídeos abaixo para compreensão dos/das estudantes.

1. Kierkegaard e os estádios da existência | BreveMente #04

2. Sartre: um ateu que tem vontade de ser Deus | Franklin Leopoldo e Silva

3ª Etapa: Atividades

Os exercícios propostos nessa etapa podem ser construídos no formulário google e compartilhado através do Google Classroom. Lembre-se de dar uma devolutiva aos alunos em um pequeno momento da aula, sistematizando e concluindo os conteúdos.

1. O filósofo dinamarquês Søren Aabye Kierkegaard, identificou três estádios distintos ou modos de existência. São eles:

a) Estádio empírico, estádio racionalista, estádio existencialista.

b) Estádio científico, estádio religioso, estádio jurídico.

c) Estádio estético, estádio ético, estádio religioso.

d) Estádio ético, estádio jurídico, estádio existencialista.

e) Estádio estético, estádio técnico, estádio filosófico.

Gabarito: 1. C

Disponível em: https://exercicios.brasilescola.uol.com.br/exercicios-filosofia/exercicios-sobre-kierkegaard.htm#questao-5

2. Responda:
a) O que é o estádio estético?
b) O que é o estádio ético?
c) O que é o estádio religioso?
d) Reflita sobre os três estádios da existência humana. Qual deles você considera que vive? Em qual gostaria de viver? Para você, há outro estádio? Justifique sua resposta.

Plano de aula elaborado pelo Professor Mestre Fabiano Bitencourt Monge
Adaptação para o ensino remoto elaborada pela Professora Dra. Nathalie Lousan

Materiais Relacionados

LIVROS:
GRAMMONT, Guiomar. Don Juan, Fausto e o Judeu Errante em Kierkegaard. Petrópolis, Rio de Janeiro: Catedral das Letras, 2003.
KIERKEGAARD, Søren Aabye. Kierkegaard. Coleção Os Pensadores. Tradução de Carlos Grifo, Maria José Marinho, Adolfo Casais Monteiro. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

KIERKEGAARD, Søren Aabye. O conceito de angústia. Tradução de Álvaro Luiz Montenegro.
Petrópolis: Vozes; São Paulo: Editora Universitária São Francisco, 2010.

LE BLANC, Charles. Kierkegaard. Tradução Marina Appenzeller. São Paulo: Estação Liberdade, 2003.

VÍDEOS:

1. KIERKEGAARD: ANGÚSTIA E ESPERANÇA | OSWALDO GIACOIA JÚNIOR

2. KIERKEGAARD e os Estádios da Existência | BreveMente #04

3. Kierkegaard e o existencialismo | Prof. Anderson

4. Tédio, divertimento e o vazio | Luiz Felipe Pondé

5. Sartre: Um ateu que tem vontade de ser Deus | Franklin Leopoldo e Silva

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