Conteúdos
A proposta desta aula é utilizar a letra de Lenine e Carlos Rennó para a canção “Quede água” como fio condutor para estudar os efeitos das mudanças climáticas regionais, como a intensificação das secas, e gerar discussões acerca dos desdobramentos dessas mudanças, como a adaptabilidade e a desigualdade social perante a vulnerabilidade das ameaças. São também propostas pesquisas sobre os rios voadores, nome comumente utilizado para fazer referência à zona de convergência de umidade que conecta a Amazônia ao Centro-Sul, e sobre o processo de savanização da floresta Amazônica. Por fim, o conceito científico mais atual sobre mudanças no regime de chuva regional no Brasil é explorado para estimular os(as) estudantes a reinterpretar a letra original e corrigir possíveis lacunas que os autores tenham deixado. Este plano possui alto potencial de transdisciplinaridade, com ideias e comentários permeando as diferentes atividades desenhadas. É recomendado que o conceito mais amplo das mudanças climáticas globais já tenha sido trabalhado previamente, pois este plano foca em impactos regionais no Brasil (veja, por exemplo, o plano de aula sobre mudanças climáticas, que tem o link disponível na seção “Materiais relacionados”).
● Atividades de interpretação com letra e música;
● Pesquisas; e
● Discussões em grupo.
Objetivos
● Identificar os fenômenos físicos decorrentes das mudanças climáticas;
● Discutir os conceitos de adaptabilidade e vulnerabilidade às mudanças do clima;
● Estender o conceito das secas transdisciplinarmente;
● Propor pesquisas de aprofundamento sobre rios voadores e savanização da Amazônia; e
● Aprofundar a discussão com base em resultados científicos recentes.
Ensine também:
Garimpo ilegal: quais os impactos ambientais?
Palavras-chave:
Secas. Mudanças climáticas. Adaptabilidade.
Previsão para aplicação:
2 aulas (50 min./aula).
1ª Etapa: Início de conversa
Nesta etapa, o(a) professor(a) pode estimular a participação dos(as) estudantes, projetando uma imagem de seca recente, seja nos reservatório do Sistema Cantareira no Sudeste, como a do rio Paraguai no Pantanal, em Sobradinho, no Nordeste, ou mesmo com algum caso em região próxima. Perguntas referentes aos elementos da imagem projetada, identificando, por exemplo, solos rachados pela seca, pequenas poças, peixes mortos, entre outros, podem ser feitas, ou ainda estimulando identificar o local e período do evento. Organize, no quadro negro, as ideias e comentários trazidos, como uma memória do conhecimento prévio dos(as) estudantes, antes da imersão.
Há, certamente, muitas outras formas de iniciar esta aula. Converse com os(as) demais professores(as), para uma abordagem conjunta. Por exemplo, as obras literárias “O Quinze”, de Rachel de Queiroz, e “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, podem, certamente, fazer referências ao fenômeno da seca. Quais as semelhanças entre as secas que basearam essas obras e as atuais? E as diferenças? Em particular, há uma referência que deve ser ressaltada na letra da atividade seguinte, muito aderente a essas obras literárias: “O Nordeste é aqui, agora”.
2ª Etapa: Atividade com letra e música
Convide os(as) estudantes a ouvir a obra “Quede água”, de Lenine, do álbum Carbono, de 2015, com letra de Carlos Rennó e Lenine, utilizando, por exemplo, o link disponível na seção “Materiais relacionados”. A letra (que consta no final deste plano) pode ser projetada, em caso de disponibilidade de datashow na sala de aula, ou impressa em folha. Pode, ainda, ser escrita na lousa.
Antes de abordar o conteúdo da letra em detalhes, pergunte aos(às) estudantes se eles(as) identificam na letra elementos da imagem projetada na etapa anterior. Como a imagem e a letra se assemelham? Conduza uma breve discussão, antes de avançar.
A letra dá margem a diversas fontes de pesquisa e de debate. Nesse plano de aula, a proposta de pesquisa é investigar dois elementos referentes ao clima: os rios voadores e a savanização da Amazônia, que aparecem na letra, nas estrofes 2 e 5, respectivamente. A propósito, indague se alguém conhece o termo Hiléia (utilizado para se referir à Amazônia). A ideia é que o grupo de estudantes seja dividido em dois, um para cada tema, e que tragam para a próxima aula resultados de uma pesquisa mais aprofundada sobre esses temas.
Com relação à letra, é sugerido o seguinte roteiro, para discussão entre os(as) estudantes:
(1) Quais os impactos esperados pelas mudanças climáticas que são citados na letra? Circule os trechos citados na discussão, caso a letra esteja na lousa, ou sublinhe em caso de projeção.
(2) Nas estrofes 2 e 6, os autores sugerem conflitos econômicos em torno da água. Após identificar os versos que fazem referência aos conflitos, indague como a água rege as principais atividades econômicas no Brasil, e como isso pode mudar em cenários de escassez. Certifique-se de falar das commodities agrícolas (aproveite para se certificar de que o conceito de commodity é conhecido), bem como da energia necessária para as atividades de produção de alimentos.
(3) Por que os autores dizem que “cada ação é tardia” na terceira estrofe? Foque no conceito de irreversibilidade e de adaptação.
(4) “Mas sobretudo sobre os pobres, outra vez sem terra, teto, nem voz”. Por que a escassez de água não deve atingir pobres e ricos de maneira igual? Ou seja, por que as mudanças climáticas devem gerar vulnerabilidades distintas em torno de uma mesma região?
(5) Entre as estrofes 6 e 7, a música tem uma pausa e muda seu andamento. O que muda, liricamente, nessa passagem?
(6) Quais as personagens centrais na estrofe 7 e como suas ações são valiosas no conceito de adaptação e mitigação das mudanças climáticas?
(7) Por que os autores se referem ao futuro como um cenário “sem esperança”, mas invocam que seja “sem desespero”?
Observe como os(as) estudantes respondem a essas perguntas, avaliando quando intervir em um entendimento equivocado e, sobretudo, valorizando as contribuições. Além disso, abra espaço para outras indagações sobre o texto, que não foram contempladas pelo roteiro.
Nesse momento, traga a memória da etapa anterior e avalie o efeito da discussão na ideia prévia dos(as) estudantes sobre secas e mudanças climáticas.
Em relação ao item 6, é possível adicionar esse tema ao bloco de pesquisas. As técnicas de manejo de agricultura no semiárido e a tecnologia de dessalinização são interessantes técnicas para explorar o conceito de adaptação. Além disso, a preservação dos biomas brasileiros, reconhecendo os seus serviços ambientais prestados, também pode ser amplamente explorada.
3ª Etapa: Aprofundando os conceitos
Apesar de a letra trabalhada estar fortemente ancorada nos resultados de pesquisadores(as) sobre mudanças climáticas, ela deixa de abordar dois temas que são fundamentais para a formação do senso crítico: (i) os impactos das mudanças climáticas quanto à chuva variam regionalmente, e em algumas regiões podem ocorrer mais alagamentos por decorrência do aumento da precipitação; e (ii) não há evidência científica de que as secas no Sudeste, como as que ocorreram no Sistema Cantareira em 2014/2015, sejam decorrentes das mudanças climáticas. Espera-se, entretanto, que os extremos climáticos, ou seja, eventos de ondas de calor, estiagens prolongadas, inundações, por exemplo, sejam mais frequentes.
Antes de consolidar a ideia principal da discussão nessa etapa, é preciso explicar dois conceitos previamente. O primeiro é o de percentil. Um possível exemplo para explicar percentil é o seguinte: imagine uma fila com 100 alunos, em que o primeiro da fila é o mais baixo e o último o mais alto, em ordem crescente. O percentil de 50%, ou mediana, seria a altura do aluno que estiver exatamente no meio da fila, enquanto os de 5% e 95% seriam, respectivamente, os de posição 5 e 95. Agora, imagine uma série de precipitações de 100 anos, que seja organizada da mesma forma: do menor valor anual até o maior, em ordem crescente. Os valores de 5% e 95% equivaleriam, respectivamente, àqueles muito próximos aos mais baixos e aos mais altos já medidos em toda série e, por isso, representariam a chuva em anos muito secos ou muito chuvosos.
O segundo conceito é o de nível de aquecimento global. O último relatório do IPCC trabalha com a ideia de que os impactos decorrentes das mudanças climáticas podem ser estimados com base em tetos de aumento médio da temperatura média global em 1,5°, 2° e 4°C. Quanto mais efetivas forem as medidas de controle das emissões de gases estufa, menor o aquecimento global subsequente.
Agora, finalmente, vamos para a atividade. Utilize a figura 4.10, retirada do último relatório do IPCC (disponível na seção “Materiais relacionados”). Os mapas presentes na figura mostram como a mediana e os percentis de 5% e 95% devem se alterar em diferentes níveis de aquecimento. Foque no Brasil. O que acontece com a mediana, com o aumento do nível de aquecimento? Quais regiões devem ser mais afetadas no Brasil? E com os percentis de 5 e 95%? Eles se modificam de forma similar ou são mais acentuados que as mudanças na mediana? O que isso significa? A mensagem que deve ficar clara é que, apesar das alterações na mediana, que se aproximam da média, não sofrerem grandes alterações (em geral, inferiores a 10%), os episódios de secas e de enchentes devem aumentar no futuro, e esse aumento é proporcional ao nível de aquecimento.
Por fim, o que os(as) estudantes adicionariam ou alterariam na letra de ”Quede água”, para torná-la mais aderente aos conceitos científicos das mudanças climáticas?
Plano de aula elaborado pelo Professor Dr. Leonardo Moreno Domingues.
Coordenação pedagógica: Prof.ª Dr.ª Aline Bitencourt Monge.
Revisão textual: Professora Daniela Leite Nunes.
Quede água (Carlos Rennó/Lenine)
1.
A seca avança em Minas,
Rio, São Paulo.
O Nordeste é aqui, agora.
No tráfego parado onde me enjaulo,
vejo o tempo que evapora.
Meu automóvel novo mal se move,
enquanto no duro barro,
No chão rachado da represa
onde não chove,
surgem carcaças de carro.
2.
Os rios voadores da Hileia
mal desaguam por aqui,
E seca pouco a pouco
em cada veia o Aquífero Guarani.
Assim, do São Francisco a San Francisco,
um quadro aterra a terra:
Por água, por um córrego, um chuvisco,
nações entrarão em guerra
Quede água? Quede água?
3.
Agora o clima muda tão depressa,
que cada ação é tardia,
Que dá paralisia na cabeça,
que é mais do que se previa.
Algo que parecia tão distante
periga agora tá perto;
Flora que verdejava radiante
desata a virar deserto.
4.
O lucro a curto prazo,
o corte raso, o agrotóxiconegócio;
A grana a qualquer preço,
o petrogaso-carbocombustível fóssil.
O esgoto de carbono a céu aberto
na atmosfera, no alto;
O rio enterrado e encoberto
por cimento e por asfalto.
Quede água? Quede água?
5.
Quando em razão
de toda a ação “humana”
e de tanta desrazão,
A selva não for salva
e se tornar savana;
e o mangue, um lixão;
Quando minguar o Pantanal,
e entrar em pane
a Mata Atlântica, tão rara;
E o mar tomar toda cidade litorânea,
e o sertão virar Saara;
6.
E todo grande rio virar areia,
sem verão virar outono;
E a água for commodity alheia,
com seu ônus e seu dono;
E a tragédia da seca, da escassez,
cair sobre todos nós,
Mas sobretudo sobre os pobres,
outra vez sem terra, teto, nem voz;
Quede água? Quede água?
7.
Agora é encararmos o destino
e salvarmos o que resta;
É aprendermos com o nordestino
que pra seca se adestra;
E termos como guias os indígenas,
e determos o desmate,
E não agirmos que nem alienígenas
no nosso próprio habitat.
8.
Que bem maior que o homem
é a Terra, a Terra e o seu arredor,
Que encerra a vida,
que na Terra não se encerra,
a vida, a coisa maior,
Que não existe
onde não existe água
e que há onde há arte,
Que nos alaga e nos alegra
quando a mágoa a alma nos parte,
Para criarmos alegria para viver
o que houver para vivermos,
Sem esperanças,
mas sem desespero,
no futuro que tivermos.
Quede água? Quede água?
Materiais Relacionados
● Música
Acesso em: 19 de dezembro de 2022.
● Plano de aula de mudanças climáticas
Acesso em: 19 de dezembro de 2022.
● Figura 4.10 do relatório AR6 do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC)
Acesso em: 19 de dezembro de 2022.