“Educações, Culturas e Hackers” possuem muito em comum, segundo o professor da faculdade de educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Nelson Pretto. Este é o título de seu novo livro (Edufba), que aponta, entre outras reflexões, características do movimento hacker que podem inspirar educadores e instituições de ensino.

“Os hackers operam a partir da ideia de colaboração. O ideal é que as escolas partam de suas estruturas e realidades para produzir, colaborativamente, conhecimentos e não apenas consumi-los”, destaca.

De que forma as educações, culturas e hackers se conversam?

Nelson Pretto: Os hackers operam a partir da ideia de colaboração. Pensamento simular ao dos movimentos “software livre” e pela “educação aberta” e que nos obriga a pensar a forma de educar. Ao entrar na escola, a criança é estimulada a trabalhar em grupo, algo que se perde após a alfabetização. Nesse momento, a escola passa a operar dentro da perspectiva mercadológica e da competitividade. Isso reflete e é reflexo das avaliações e dos sistemas rankings. As políticas públicas também levam a essa educação singular, que vai produzir materiais didáticos, bases nacionais e currículos padronizados, transformando professor e aluno em meros executores de tarefas. O ideal é que as escolas partam de suas estruturas e realidades para produzir, colaborativamente, conhecimentos e não apenas consumi-los.

Além da colaboração, o que a educação pode aprender com os hackers?

Pretto: Tanto o movimento hacker quanto o software livre afastam a ideia do erro. Eles produzem um bem e o disponibilizam para uso. Os usuários traçam críticas e colaboram para aperfeiçoá-lo. Claro, que não se trata de idolatrar os hackers – há inúmeros problemas no movimento. Mas a forma como operam traz contribuições.

Por que o uso de “educações” e “culturas” no plural?

Pretto: É uma perspectiva similar a quando dizemos “juventudes” e não “juventude”. Compreende a sociedade como plural e uma educação que corresponde a essa dimensão.

Qual a importância dos recursos educacionais abertos (REAs) para a educação?

Pretto: Eles operam diferente das ferramentas externas à escola, que caem lá e devem ser seguidas. Professores e alunos não deixam de utilizar materiais didáticos, blogs ou vídeos referenciados por especialistas. Mas dialogam com eles para produzirem seus próprios conteúdos de forma autônoma. Na década de 90, estudei os livros didáticos regionais, que eram uma espécie de REA. Contudo, havia o problema da comunidade só trabalhar o conhecimento que estava disponível lá, o que era restrito. Com a internet, isso mudou: é possível ser local e global simultaneamente. Algo similar ao que acontece com a escola indígena hoje, que não aborda apenas a sua cultura. Ela dialoga e interage com a contemporaneidade para fortalecer a sua cultura.

No livro, você faz uma crítica: “buscou-se inserir a pedagogia no computador para que ele se transformasse, efetivamente, em elemento pedagógico”. As tecnologias da informação e comunicação (TICs), por si só, já possuem potencial para transformar a escola?

Pretto: Em nosso grupo de estudos da UFBA, usamos uma expressão dura: pedagogização de artefatos. A escola ainda teme tudo o que quebra barreiras, como um celular conectado a internet. A TIC é uma máquina produtora de conhecimento, não uma máquina de aprender. Assim, passou-se a ”encher” de pedagogia nos equipamentos. Já vivenciamos isso, por exemplo, com a televisão educativa. Isso faz com que as TICs percam seu elemento de escrita contemporânea e se reduzam a um livro didático animado. Quando o seu potencial é, exatamente, o de transformar a estrutura da escola.

Apenas a tecnologia basta para uma educação transformadora?

Pretto: Não, também é necessário um professor fortalecido. Isso ocorre com o tripé condições de trabalho, salário e formação. Gostamos de usar a educação da Finlândia como exemplo, mas não podemos nos inspirar na história deles pelo final. São décadas investindo em um ensino que prepara para o mundo contemporâneo.

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