Um diário de leitura é um texto em que o leitor registra suas impressões, sentimentos, reflexões e interpretações sobre uma obra que está lendo, permitindo traçar conexões com a própria vida, com outros livros e com obras artísticas.
“Esse tipo de registro ajuda na formação do leitor literário ao favorecer o desenvolvimento da subjetividade do leitor”, analisa o mestre em Letras e professor do Instituto Federal de Pernambuco (IFPE) Ivânio Fabio Silva de Mello.
Mestre em Letras e docente do IFPE, Ana Carolina Almeida de Barros Albuquerque vê no diário de leitura a possibilidade de os alunos desenvolverem uma escrita autoral.
“É fácil encontrar resenhas prontas na internet; porém, o aluno não tem como maquiar o registro no diário de leitura, porque é a sua voz e como ele constrói sentido que são importantes na atividade. Ele tem a oportunidade de afirmar o que gostou e não gostou, estabelecendo uma relação com o autor”.
“Essa ferramenta permite o entendimento de pontos provocados pela leitura que nem sempre temos tempo e espaço para trabalhar e desenvolver em sala de aula”, complementa a doutora em educação e professora da Universidade Estadual de Londrina (UEL) Sheila Oliveira Lima.
Critérios de escrita
O diário de leitura pode ser utilizado em qualquer etapa da educação básica, tanto de forma física quanto virtual.
Mello, por exemplo, desenvolve a atividade de forma virtual, via Google Docs, usando contos fantásticos com o nono ano do ensino fundamental. “Lemos textos nacionais como ‘Teleco, o coelhinho’, de Murilo Rubião; ‘As formigas’, de Lygia Fagundes Telles; e ‘João Perdido’, de Jayme Griz”, compartilha.
Albuquerque trabalha o diário no ensino médio, quando os alunos escolhem uma obra entre cinco possibilidades de leitura.
Ela sugere ao professor estabelecer critérios sobre os quais os leitores devem comentar.
“Na atividade proposta, os estudantes contam por que escolheram aquela obra, o que sabiam sobre o autor, suas expectativas, primeiras impressões, pontos que gostaram, trechos que chamaram a atenção, dificuldades enfrentadas e se o livro dialoga com outros filmes, músicas ou experiências de vida. Podem ser adicionados desenhos, letras, playlists de músicas e, quando o diário é virtual, hiperlinks”
Ao final, uma partilha de leitura de trechos do diário ocorre em sala de aula. ‘A experiência somente é completa após esse momento”, aponta Albuquerque.
Para Lima, o diário também pode ser uma ferramenta para o aluno registrar informações mais objetivas e pontuais, como fichamento e resumo, de acordo com o objetivo do professor.
“Ele pode ser um apoio para livros mais longos focado no resgate da memória, com o leitor registrando nome de personagens e sequências de acontecimentos que gostaria de lembrar”, sugere.
“O objetivo é deixar o aluno mais livre, ainda que se possa indicar uma forma de organização básica da escrita, como título do texto, autor, data em que leu etc.”, acrescenta.
Gameficação
Mestre em Educação e Contemporaneidade e professor de língua portuguesa da rede estadual da Bahia, Deivison Conceição dos Santos aliou gameficação ao diário de leitura.
Ele inicia a atividade lendo capítulos do livro em sala de aula por meio de um círculo de leitura, com momentos de pausa. “Nessa hora, eu questiono aspectos da obra, como inferir o sentido de uma palavra, expressão ou informação implícita”.
Finalizada a leitura de cada capítulo, Santos lança um desafio relacionado à narrativa, a ser realizado no diário de leitura, com o objetivo de ampliar a compreensão da obra e engajar os estudantes na atividade.
“Por exemplo, solicito que eles criem uma playlist que tenha relação com a obra, imaginem quem seriam os atores que interpretariam os personagens caso o livro fosse adaptado para o cinema, entre outros”.
Além disso, os desafios propostos pelo professor também podem ser atividades que requeiram produção textual sobre outros gêneros além de resumo e resenha. “Por exemplo: solicitar que o estudante escreva uma carta para o personagem principal dando sua opinião sobre determinados acontecimentos da narrativa”, acrescenta.
Formas de avaliar
Para incentivar os alunos a escrever, Lima indica combinar com a turma que todos os textos lidos em sala de aula devem receber anotações no diário e criar diferentes momentos de partilha de leitura em sala de aula.
“Além disso, os alunos devem ficar à vontade para colocar em seus diários outras leituras extraescolares, como mangás ou o livro da moda que estão lendo. Muitas vezes, eles acham que não podem adicioná-los por não terem sido indicados pelo professor.”
Em relação à avaliação, Lima sugere que o professor veja as produções menos com um olhar de corretor e mais em diálogo com os alunos.
“O objetivo é que o texto seja semiformal. Norma cultua não é um critério, e não olho para questões linguísticas nessa atividade”, explica Albuquerque, que vê a inteligência artificial como um desafio para o entendimento da atividade.
“A gente reconhece com facilidade um texto que não foi realizado pelo aluno, pelo excesso de adjetivação, um começo, meio e fim redondo. Nessa hora, eu apenas devolvo a produção e explico que essa não é a proposta da atividade, mas ser uma escrita autoral.”
“Também não cobro a leitura inteira do livro, mas o quanto ele conseguiu ler. Caso não queira finalizar, respeito, porque todo leitor já passou pela experiência de entender que um determinado livro não era para si.”
Santos recomenda ao professor adicionar bilhetes orientadores no diário que sinalizam aspectos positivos da escrita do estudante e questões que precisam ser melhoradas. “Recomendo usar linguagem informal ao se dirigir ao aluno, expressando empatia e respeito por sua produção”, finaliza o professor.
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