Estudar música é importante para todas as pessoas, independentemente de seus diagnósticos, uma vez que estimula habilidades cognitivas, emocionais e motoras. “Isso contribui para o desenvolvimento mental e comportamental de qualquer criança”, justifica a doutora em neurociência e professora do Departamento de Música da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Viviane Louro.

No caso de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), os ganhos podem ser ainda mais específicos, como lembra o mestre em música Sergio Aires.

“A música estimula linguagem, socialização, atenção conjunta e autorregulação emocional, promovendo o desenvolvimento global de forma lúdica e sensorial”, resume.

“É comum ver as crianças interagindo, sorrindo, manifestando emoções e cantando. Ou seja, a música funciona como uma janela de comunicação com os autistas”, acrescenta ele, que é autor da dissertação Educação musical e autismo: um estudo sobre o desenvolvimento de crianças autistas na musicalização infantil (2020).

Música e neurônios-espelho

Segundo Aires, a educação musical também pode ajudar a estimular áreas cerebrais comprometidas em pessoas com autismo.

“Imagine alguém cantando ou tocando uma música que a gente já conhece. Sabe aquela vontade que dá de cantar ou tocar mentalmente? Isso acontece por causa dos neurônios-espelho. O problema é que, no autismo, estes não funcionam adequadamente nas ações de imitar e espelhar gestos e expressões faciais, o que prejudica a atenção compartilhada — a capacidade de gesticular, vocalizar e fazer contato visual com pessoas e objetos”, explica.

“Contudo, de acordo com o professor Gustavo Schulz Gattino, da Universidade de Aalborg (Dinamarca), nos autistas os neurônios-espelho funcionam normalmente em relação ao processamento musical. A imitação musical normalmente não está afetada”, destaca Aires.

Desafios em uma aula musical

Para Louro, os desafios de preparar uma aula de educação musical inclusiva para alunos autistas são os sintomas comportamentais e cognitivos de cada criança com TEA, que são únicos.

“Por exemplo, se ela tiver hipersensibilidade auditiva, o desafio será ministrar a aula respeitando essa condição. Se tiver dificuldade acentuada de permanecer sentada, será preciso pensar em estratégias que permitam sua participação junto aos demais. O ideal é conhecer o aluno e, a partir de suas características, planejar as estratégias”, orienta.

“Vale explicar às crianças neurotípicas, de forma simplificada e acolhedora, a condição do colega. Isso gera empatia, compaixão e conexão. Já vi crianças neurotípicas trazendo ideias e soluções para as atividades que eu não imaginei”, compartilha Aires.

A seguir, conheça 8 orientações para promover aulas de educação musical inclusivas para crianças com TEA e estudantes neurotípicos. Confira!

1) Inicie com uma sondagem inicial

Mestre em Educação e autor da dissertação Educação musical e autismo: a contribuição da música no desenvolvimento da interação social de crianças com TEA (2023), Álvaro Nery Ferri recomenda observar as características de cada criança com TEA em relação à música, com o objetivo de adaptar as atividades propostas.

“Dependendo do aluno, devem ser evitados instrumentos com timbres muito graves ou estridentes, que possam prejudicar sua sensibilidade. Também há situações em que fones abafadores podem auxiliar nesse processo, reduzindo o impacto sonoro”.

2) Divida a aula em atividades curtas

Ferri recomenda organizar a aula em atividades curtas e com estrutura previsível, já que crianças autistas costumam ter dificuldades com mudanças de rotina. “Divido a aula em cinco partes: acolhida, localização no espaço, brincadeiras musicais, contato com instrumentos e despedida.”

Dentro de cada momento da rotina, as atividades podem ser diversificadas. “A aula não precisa ser sempre igual, apenas rotineira”, observa Louro.

“Em cada aula, busco propor atividades musicais que explorem os sons de diferentes instrumentos, que envolvam o corpo e desafiem a cognição e a linguagem. Repito todas, mas também promovo variações, que são essenciais para evitar que o aluno desenvolva ainda mais rigidez na rotina”, complementa Aires.

3) “Relógio da rotina”

Ferri desenvolveu um “relógio” anexado à lousa, contendo as cinco etapas da aula: acolhida, localização no espaço, brincadeiras musicais, contato com instrumentos e despedida. A cada troca de atividade, o professor aponta para o painel. “Antecipar as ações que irão ocorrer e preparar a criança favorece o desenvolvimento da aula”, destaca.

4) Canções ajudam a demarcar a rotina

No momento da entrada das crianças, Ferri realiza a acolhida com uma canção que utiliza o nome delas, estimulando o sentimento de pertencimento.

“Também pode ser utilizada uma música para encerrar a aula”, recomenda.

5) Cuidado com a superestimulação sensorial

Aires alerta que a incapacidade de perceber sinais de superestimulação sensorial pode desencadear crises e comprometer a continuidade do trabalho.

“Deve haver uma atenção especial ao excesso de estímulos. Tudo influencia: a cor dos objetos, a camisa dos professores, a organização do ambiente, se os objetos estão expostos ou guardados… É preciso combinar sobriedade com ludicidade”, explica.

Louro chama atenção para o visual da sala de aula, que deve ser neutro. “Um ambiente organizado, sem objetos espalhados e com armários fechados ajuda, independentemente do nível do autismo”, afirma.

“Também é possível reduzir ruídos oferecendo fones abafadores, controlando a iluminação e respeitando pausas”, acrescenta Aires.

6) Aguarde o tempo da criança se autorregular

Em casos de superestimulação sensorial, Aires recomenda respeitar o tempo de regulação da criança.

“Isso significa que o professor deve conter a ansiedade, o desejo de controle e as expectativas de resposta. O tempo é o do estudante”, ensina.

7) Exemplifique letras de canções com materiais concretos

“Podem ser utilizadas figuras, bonecos ou objetos para ilustrar a letra de uma canção”, orienta Louro.

8) Escolha adequada dos instrumentos

Louro explica que a escolha dos instrumentos deve considerar características e idade da criança. “Devem ser instrumentos que ela consiga segurar, manusear e utilizar sem risco de se machucar ou danificá-lo”, afirma.

“Também é importante pensar no objetivo: se for musicalização, o ideal é experimentar diversos instrumentos, principalmente de percussão. Mas, se o foco for estudar mais a fundo um instrumento específico, isso deve partir da predisposição da criança”, alerta.

Ferri costuma utilizar instrumentos de altura média, como chocalhos, tambores, pandeiros, xilofones, metalofones coloridos e claves. “São fáceis de tocar, têm resposta imediata, facilitam a expressão espontânea e incentivam o trabalho em grupo”, justifica.

“Gosto de usar o violão nas minhas aulas e, muitas vezes, as crianças querem tocá-lo. Às vezes deixo, outras não, para ensinar que tudo tem seu tempo e que o ‘não’ também existe”, conclui Aires.

Veja mais:

Aulas de música contribuem para a inclusão de alunos atípicos

Confira 11 orientações para ensinar educação musical a alunos surdos

8 dicas para a inclusão de alunos autistas

Crédito da imagem: SDI Productions – Getty Images

Talvez Você Também Goste

Confira 13 orientações para organizar jogos interclasses na escola

Professores explicam como fazer do evento esportivo um projeto pedagógico participativo, inclusivo e alinhado ao currículo

Como o financiamento da educação é cobrado em concursos públicos?

Conhecimentos sobre origem de verbas, programas federais e legislação costumam ser exigidos nas provas para docentes

Descubra 4 filmes para conhecer a vida e a obra de Lev Vygotsky

Produções ajudam a entender o contexto histórico e as principais ideias defendidas pelo pensador russo

Receba NossasNovidades

Captcha obrigatório
Seu e-mail foi cadastrado com sucesso!

Receba NossasNovidades

Assine gratuitamente a nossa newsletter e receba todas as novidades sobre os projetos e ações do Instituto Claro.