Numa viagem circunstancial à Itabira (MG), o professor aposentado de literatura da Universidade de São Paulo (USP), José Miguel Wisnik, se deparou com uma relação entre a atividade mineradora e a cidade natal de Carlos Drummond de Andrade. “A gente está acostumado a pensar no poeta como aquele que diz pertencer a uma cidade de 90% de ferro nas calçadas e 80% de ferro nas almas, envolvida de corpo e alma com o mundo ferrífero. Mas eu não tinha a dimensão de que essa atividade econômica tinha provocado no local uma devastação de grande porte”, afirma o autor do livro “Maquinação do mundo – Drummond e a mineração”.
Na obra, que é destaque deste podcast, Wisnik identifica no surgimento da Companhia Vale do Rio Doce uma questão crucial para o escritor, apegado ao provinciano lugar de origem e ao mesmo tempo marcado por um sentimento cosmopolita do vasto mundo. “Com a criação da companhia, Drummond vê o Pico do Cauê, que era um cartão postal local, virar uma cratera, desaparecer, como retrata em um de seus poemas”, exemplifica, se referindo aos versos de “Montanha pulverizada”.
![](https://www.institutoclaro.org.br/educacao/wp-content/uploads/sites/2/2013/11/Livro-Maquinação-do-mundo_3.jpg)
Ao descobrir esta escrita inexplorada na produção do “poeta do cotidiano”, o autor escreveu um ensaio crítico, em que, ao associar parte da poesia drummondiana ao contexto histórico da mineração, expõe um cenário propício a desastres como os que foram registrados no Brasil nos últimos anos: Mariana (MG), em 2015, e Brumadinho (MG), em 2019. “Ao longo da vida, ele acompanha essa história de uma maneira sofrida, porque vê os danos que a mineração provoca na cidade e tenta trazer isso à tona para interferir nessa relação desigual, em que a empresa acumula lucros fantásticos e Itabira não recebe uma contrapartida”, conclui o professor.
No áudio, além da entrevista com o autor de “Maquinação do mundo”, você acompanha trechos de poemas nas vozes do próprio Drummond (“Confidência do Itabirano”), do ator Fernando Silveira (“Montanha pulverizada”) e do professor titular de literatura brasileira da USP e escritor, Alcides Villaça. Ele dá voz aos versos de “A Máquina do mundo”, considerado por Wisnik o mais representativo texto do poeta sobre a devastação gerada pela mineração mal planejada. A trilha sonora é assinada por Reynaldo Bessa, que compôs as músicas da peça “O Caminho das pedras” – espetáculo com foco na obra do poeta.
Ouça também:
Drummond: Claro Enigma entra na lista de leituras exigidas pela Fuvest
O Caminho das Pedras de Carlos Drummond de Andrade