Desde o final do ano passado, o governo divulga a ideia que pretende destinar 100% dos royalties do petróleo para a educação. O ministro Aloízio Mercadante tem afirmado que a medida permitiria aumentar dos atuais 5% para os 10% do PIB para o ensino, previsto no projeto de lei do Plano Nacional da Educação (PNE), que tramita no Congresso Nacional.
No entanto, análise da Medida Provisória (MP) 592, que trata da destinação dos royalties do pré-sal, verifica-se que apenas uma pequena parte dos futuros royalties será destinada ao ensino do país. Para as áreas já exploradas, mantêm-se as regras atuais de distribuição dos recursos aos entes federados.
Com o retorno das atividades no Congresso em fevereiro, voltará à ordem do dia as discussões para votação de pautas relevantes, dentre elas os vetos da presidenta Dilma Rousseff à MP 592, de 3 de dezembro de 2012. Para esclarecer o que está por trás da questão, o NET Educação conversou com o economista, consultor legislativo e integrante da associação Auditoria Cidadã da Dívida, Rodrigo Ávila. “É importante desmitificar essa ideia de que petróleo vai gerar isso tudo para o ensino”, alerta.
NET Educação – Decisão da presidenta Dilma Rousseff determinou, no final de 2012, que 100% dos royalties de contratos futuros para exploração da camada do pré-sal sejam destinados para o ensino. Mas é apenas a receita que cabe à União, sem prefeituras e governos estaduais, que está comprometida com a educação. Poderia explicar como isso acontecerá?
Rodrigo Ávila – A grande discussão gira em torno dos futuros royalties. Podemos dividir em dois setores: os royalties do pré-sal, com regime de partilha, e o de futuras concessões. No caso do pré-sal, verifica-se que os royalties representarão apenas 15% do valor da produção. Desta porcentagem, 78% irão para estados e municípios, sem nenhuma obrigatoriedade de aplicação na educação. Somente 22% destes 15%, ou seja, apenas 3,3% do valor da produção do pré-sal, irão para o chamado Fundo Social, do qual, em tese, 50% iriam para a educação. Portanto, temos somente 1,65% do pré-sal para a educação. Isso é o que está na Medida Provisória.
NET Educação – Por que você diz em tese?
Ávila – Ao analisar a MP 592, verifica-se que não é verdade que 50% dos recursos do Fundo Social irão para a educação. Na realidade, os recursos do fundo vão para aplicações financeiras preferencialmente no exterior e, então, somente o rendimento delas que irá para áreas sociais. Deste rendimento, aí sim, 50% vão para a educação.
NET Educação – A educação, então, não sai beneficiada?
Ávila – Sobra uma pequena parcela do Fundo Social, que não sabemos se haverá rendimento, pois em tempos de crise global, as taxas de juros estão extremamente baixas. Pode render com taxa zero ou até negativa. Ainda, têm papéis podres no mercado. O fundo pode correr o risco de comprar isso. Especialmente porque os bancos internacionais estão abarrotados destes papéis.
E falando do segundo setor de royalties que citei, que são exploração de área de concessão, teria que haver mais leilões de poços de petróleo. Aí sim 100% dos royalties iriam para educação somente nos poços de petróleo que ainda serão leiloados. No entanto, grande parte deles já foi licitada e não é fácil que aconteçam mais leilões. Teria que privatizar isso, para receber 100% dos royalties. Ou seja, tudo ainda é uma incógnita.
NET Educação – Não é possível dizer em média o que ficaria para investimento no ensino?
Ávila – Não, porque não sabemos qual vai ser o rendimento do Fundo Social e nem quantos leilões ocorrerão. Ainda que todos os poços de petróleo em operação atualmente no país fossem leiloados novamente à iniciativa privada, seriam obtidos cerca de R$ 27 bilhões anuais em royalties, que representam 0,6% do PIB, insuficientes para se aumentar dos atuais 5% para 10% do PIB aplicados anualmente em educação.
NET Educação – Em uma entrevista, você afirmou que "poderia ser muito mais dinheiro [para educação] se estados e municípios contribuíssem com uma parte, o que é justo". Por que acredita que seria justo?
Ávila – Com a medida provisória, criou-se uma contradição em relação ao anúncio governamental, porque se falou tanto dos 100% do petróleo para educação e lembremos aqueles 78%, que corresponde a estados e municípios, que não tem nenhuma obrigatoriedade com o ensino. Claro que é bom os recursos irem para educação, mas o que ocorreu na MP não foi isso.
NET Educação – Dizer que a Dilma está apoiando 100% do petróleo para a educação é uma constatação equivocada?
Ávila – Exatamente. É uma contradição. Na MP que ela encaminhou, não destinou recursos ao ensino. Ela enviou para estados e municípios.
NET Educação – A não participação de estados e municípios na composição do patrimônio do Fundo Social é uma tentativa de conseguir aprovar no Congresso os vetos feitos na MP? É uma moeda de troca?
Ávila – Na realidade, os vetos envolvem a produção atual [e para as áreas já exploradas, mantêm-se as regras atuais de distribuição dos recursos aos entes federados]. A presidenta não vetou a questão das futuras explorações, que é o que estamos discutindo até agora. Não sei te dar uma explicação de o porquê o governo ter deixado 78% em aberto.
Talvez possa haver alguma pressão de governadores, mas é estranho, porque no caso da exploração de concessão, o governo colocou 100% dos recursos para educação. Por que colocou no caso da concessão e não no pré-sal? Fica a dúvida.
NET Educação – Diante do cenário atual, quais são os possíveis resultados com relação a MP no Congresso? Será aprovada?
Ávila – Hoje no Congresso, os ânimos estão exaltados, mas a grande preocupação não está na decisão de investir ou não na educação. Mas para quais estados vão os recursos das atuais concessões. Se vai mudar ou não essa distribuição dos atuais royalties. Se vai ser para todo mundo, de acordo com critérios de Fundo de Participação dos Municípios. Depois disso, teremos uma melhor análise da questão.
Royalties anuais do petróleo somam aproximadamente
R$ 9,25 bilhões (Foto: MEC)
NET Educação – Sobre isso, hoje, os royalties anuais do petróleo somam aproximadamente R$ 9,25 bilhões. Deste total, o estado do Rio de Janeiro e os municípios fluminenses produtores ficam com 80% do total. No entanto, Campos dos Goitacazes, a cidade que mais recebe royalties de petróleo, tem Índice de Desenvolvimento Humano (IDH-M) igual a 0,75, ocupando 950º lugar do país. Qual tem sido a prioridade de investimento dos recursos do petróleo?
Ávila – O que tem ocorrido com as atuais concessões é que esses recursos entram não como verba adicional. Os municípios e estados usam para atingir o mínimo constitucional relacionado às políticas públicas. Se esse recurso entrasse como adicional, faria a diferença. Atualmente, entra para cumprir as obrigações normais dos entes federados.
NET Educação – O governador de Pernambuco, Eduardo Campos, assinou agora no final de janeiro um projeto de lei que destina 100% dos lucros do pré-sal do estado para a educação. O projeto será encaminhado à Assembleia Legislativa. Qual sua opinião?
Ávila – É preciso analisar como está redigido o projeto. Ver se esses lucros representam a totalidade dos royalties. Se for isso, será um avanço. Estaria suprindo a lacuna que a MP da Dilma deixou. Ainda, teria que ver se os municípios do estado também serão obrigados a fazer o mesmo, pois o estado representa só uma parte dos 78% dos royalties. Mas repito, tem que analisar, porque projetos têm muitos detalhes. Além disso, de novo, teria que se comprometer a colocar 100% dos lucros como valor adicional, para aumentar de fato o gasto em educação.
NET Educação – Já que os royalties do petróleo não serão suficientes para cumprir os 10% do PIB para educação, previsto no projeto de lei do PNE, onde é possível requisitar os recursos faltantes?
Ávila – É importante desmitificar essa ideia de que petróleo vai gerar isso tudo para o ensino. Por isso, temos que enfrentar o que se gasta com a dívida pública. Em 2011, o governo federal destinou R$ 708 bilhões para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública, o que correspondeu a 45% de todos os gastos do Orçamento Geral da União. Este valor gasto com a dívida significou 17% do PIB, ou seja, mais que o triplo dos recursos necessários para se ampliar de 5% para 10% do PIB os recursos anualmente destinados para a educação. Somente uma profunda auditoria, que é prevista na Constituição de 1988, poderá rever o endividamento público brasileiro.