A prefeitura de Ribeirão Preto (SP) estuda implantar um projeto para contratar aulas avulsas de professores por meio de um aplicativo de celular. Apelidado de “Uber da Educação”, a iniciativa visa cobrir professores afastados da rede municipal. Após acionado, o profissional sem vínculo trabalhista teria um tempo limitado para aceitar ou declinar a proposta. Para educadores, o projeto desconsidera a importância do professor efetivo na qualidade da aprendizagem.
“No transporte urbano, não é necessário um vínculo afetivo para levar um passageiro de um lugar ao outro. Mas do ponto de vista educacional, duas pessoas no mesmo ambiente não bastam para haver uma relação pedagógica. É preciso vínculo para que a relação entre quem ensina e quem aprende se estabeleça”, diferencia a presidenta da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), Andrea Barbosa Gouveia. “A aprendizagem é um conhecimento cientifico mediado pelo professor. Ou seja, a necessidade do vinculo já está na própria natureza do trabalho pedagógico”, complementa.
Para Gouveia, o professor avulso e chamado às pressas não teria tempo para preparar uma aula de qualidade e sintonizada às necessidades dos alunos. “Ele desconhece a classe. Isso impacta no diagnóstico e no planejamento”, Gouveia. Já a professora da Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Maria José Pires Barros Cardozo, lembra que o aluno precisa de um acompanhamento ao longo do curso para aprender. “Além disso, o efetivo participa de reuniões pedagógicas, vivencia o cotidiano da instituição e, por ter segurança trabalhista, pode se qualificar e se dedicar a projetos sem a preocupação com a
descontinuidade”, compara.
De buraco a fenda
Segundo a Sinopses Estatísticas da Educação Básica 2016 (INEP), o Brasil possui 1.261.303 professores considerados “concursado/efetivo/estável” e 570.216 docentes que lecionam temporariamente. Os contratos desse último grupo estão divididos nas
categorias “temporário” (548.522), “terceirizado” (4.979) e “CLT” (3.711). Para Gouveia, a presença do temporário é necessária para questões emergenciais – como cobertura de férias, licença maternidade, licença saúde e eventuais atrasos em contratações de concursos públicos. “Porém, hoje este profissional é usado para conter a folha de pagamento independente da qualidade da educação. Há professores que passam vinte anos como temporários. Ou seja, o que era uma brecha, virou uma fenda”, analisa.
Em alguns Estados, a quantidade de temporários ultrapassa a de professores efetivos, “Esse é o caso Acre (8.007 temporários e 3.357 efetivos); Mato Grosso do Sul (17.650 temporários e 12.745 efetivos) e Mato Grosso (18.832 temporários e 16.758 efetivos)”,
apresenta a doutoranda da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Thayse Ancila Maria de Melo Gomes. Os professores temporários podem ser contratados por diferentes períodos (de 15 dias a um ano) e ter ou não vínculo com o Estado e prefeitura. “Quando há vínculo, esse professor tem a oportunidade de participar dos mesmos cursos de qualificação que o efetivo e do processo pedagógico da escola. Ainda assim, ele não consegue acompanhar os alunos por longos períodos”, analisa Gouveia.
O abuso da figura do temporário revela ainda outro problema estrutural: a má condição de trabalho do efetivo. Sobrecarregado, o professor concursado fica mais predisposto a abandonar sua atividade ou adoecer e se afastar. “A permanência do docente efetivo na rede está vinculada a um piso salarial e ao plano de carreira. É como um ciclo: a rede que não investe no professor efetivo e não oferece boas condições de trabalho terá a necessidade de mais professores voláteis e, consequentemente, uma pior aprendizagem”, esclarece a presidenta da ANPEd.
Posicionamentos
Quanto a possível implantação do “Uber da Educação”, a assessoria de comunicação da prefeitura de Ribeirão Preto informa que o projeto “se encontra em fase de elaboração e em análise na Secretaria de Negócios Jurídicos” e que a rede municipal possui “2.663 professores efetivos e 511 emergenciais”.
Caso a proposta chegue à Câmara de Vereadores, o Sindicato dos Servidores Municipais da cidade promete solicitar audiências públicas para alertar a população e barrar a medida. “Um professor para tapar buracos não tem como se preocupar com a
qualidade da educação ou com aquilo que alunos necessitam para dar sequência aos seus estudos. Assim, não há como admitir esse profissional na rede”, decreta o coordenador da Seccional de Educação do Sindicato, Donizeti Aparecido Barbosa.
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