Um projeto criado por arqueólogos da Universidade de São Paulo (USP) pode tornar mais interessante o ensino de ciências e de outras disciplinas nos ensinos fundamental e médio.

Ana Luiza Oliveira e Stella Totoli investigam atentamente a réplica em miniatura de um misterioso funeral. Aos poucos, encontram restos mortais de dois jovens vestidos com roupas modernas e manchadas pelas marcas de tiros a queima-roupa.

Como alunas do ensino médio do Colégio Porto Seguro, em São Paulo, devem descobrir as razões do crime e o contexto sociocultural em que ele aconteceu, atividade que reúne, ao menos, conteúdos de história, geografia, biologia e arqueologia.

Aos poucos, descobrem que as minuciosas imitações de esqueleto, pouco maiores que a palma de uma mão aberta, representam, na realidade, presos políticos argentinos, mortos durante a repressão organizada pelo regime autoritário, na década de 1970.

Segundo Sabine Eggers, do Instituto de Biociências da USP, o objetivo é despertar em crianças e adolescentes o interesse pelo método científico e por diversas disciplinas do currículo escolar. Sabine realiza estudos sobre sambaquis – estruturas construídas com conchas pelos nativos – e sobre paleopatologia – doenças que acometiam as primeiras populações do continente.

"Além disso, queremos que os jovens descubram a forma como a morte é encarada nas mais diversas culturas, algo que pode servir como um estímulo à tolerância", comenta Sabine.

Tamy Haase e Deborah Camerini, colegas de turma de Ana Luiza e Stella, por exemplo, mergulharam em uma história bem distante – no tempo e no contexto – da repressão argentina. Elas encontraram um esqueleto acondicionado em uma urna de cerâmica marajoara.

Artigos científicos e livros de história são as principais fontes de inspiração para as réplicas em miniatura construídas pelos pesquisadores.

Tudo começou no 48.º Congresso Nacional de Genética, em Águas de Lindoia (SP). A organização do evento pediu a Sabine que pensasse em uma atividade interessante para realizar na praça principal da cidade, voltada principalmente para a população local. Ela discutiu o desafio com três de suas alunas da pós-graduação.

Assim surgiu a ideia dos kits com réplicas de achados funerários e arqueológicos. Uma das alunas tinha feito curso de cerâmica. Outra tinha uma mãe que trabalhava com ourivesaria. "Os talentos manuais foram muito importantes na confecção dos kits", conta Sabine.

Progresso. Um ano depois, a pesquisadora levou os kits para a Escola Habitar, em São Paulo. Tentaria utilizá-los com crianças de 4 a 5 anos. A experiência foi um sucesso. "As crianças gostaram muito", recorda. "Antes do exercício, elas costumavam desenhar os membros como risquinhos simples. Depois do exercício, os desenhos ganharam complexidade: surgiram articulações."

Em 2004, a mestranda Camila Storto também levou os kits para a Escola Humboldt, com a intenção de utilizá-los em atividades com crianças de 10 a 11 anos.

No mesmo ano, Sabine apresentou a experiência no 15.º Encontro Europeu da Associação de Paleopatologia, em Durham, na Grã-Bretanha. Os participantes ficaram entusiasmados com o método inventado pelos brasileiros para divulgar a ciência. "Eles perguntavam onde poderiam comprar os kits", conta Sabine.

Mas não foram só crianças que se beneficiaram da invenção. Em 2005, Sabine ajudou a organizar na USP um curso de extensão em arqueologia. Os alunos aprenderiam técnicas de escavação de esqueletos humanos. "Antes de realizarem exercícios em simulações no tamanho normal (feitas com esqueletos enterrados propositalmente pelos coordenadores do curso), eles aprendiam os fundamentos da técnica com os kits."
 

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