Lilith durante performance da Escola Maria José na Avenida Paulista contra a
‘reorganização’ escolar, em 6 de dezembro (Crédito: arquivo pessoal)
Lilith Cristina, 15 anos, poderia ser só mais uma estudante de escola pública de São Paulo se não fosse seu desejo de lutar por uma educação melhor. Aluna da Escola Estadual Maria José, Lilith fez com que o tema da ‘reorganização’ escolar fosse discutido entre os alunos do seu colégio e ajudou a fundar uma das primeiras ocupações escolares do centro de São Paulo (SP).
Em uma entrevista exclusiva ao NET Educação, ela relata o início do processo de ocupação e analisa o movimento que uniu estudantes de aproximadamente 225 escolas por todo o estado: "descobrimos que os problemas que a gente enfrenta são parecidos, e que podemos enfrentá-los juntos", conta. "A experiência da ocupação mudou nosso comportamento. Aprendemos a trabalhar em equipe, todos se respeitam, somos como uma família. Nunca amamos tanto a escola como agora."
Também, Lilith comenta sobre a violência que os alunos têm enfrentado. Ela relata o dia em que a Polícia Militar invadiu a escola Maria José, quando ela e outros colegas foram agredidos. O diretor chegou a dar um tapa no rosto da garota. Veja abaixo.
NET Educação – Como surgiu a ideia de ocupar a escola?
Lilith Cristina – Surgiu algumas semanas após o anúncio do projeto de ‘reorganização’. Eu idealizei a ocupação, mas como entrei este ano na escola, não conhecia muitas pessoas. Pedi para professores me indicarem alunos que também gostariam de discutir o assunto. Fui conversando com um por um. Conseguimos reunir 30 estudantes e decidimos ocupar no dia do Saresp [avalição de monitoramento da educação no estado de São paulo], para que não houvesse a prova. Um dia antes de ocuparmos, o boato se espalhou e a direção passou de sala em sala dizendo que os alunos que ocupassem a escola iriam repetir de ano, que nós prejudicaríamos o ano letivo de todos, entre outras coisas.
NET Educação – Como fica a ocupação da escola agora com a suspensão temporária da ‘reorganização’ escolar pelo governo do estado de São Paulo?
Lilith– A gente vai manter a ocupação, mas vai mudar a estratégia. Estamos discutindo não só a reforma e o fechamento das escolas, mas melhorias da nossa própria escola. Por exemplo, há salas e materiais que não tínhamos acesso, e que descobrimos graças à ocupação. A intenção é montar um grêmio para reunir todas as nossas reivindicações.
NET Educação – No dia 1º de dezembro de 2015, a Polícia Militar e os pais tentaram fazer uma reintegração de posse da Escola Maria José. Como foi essa situação?
Lilith – A gente já estava aflito por conta do áudio que vazou do [Fernando] Padula, [chefe do gabinete do secretário da educação do estado de São Paulo], que dizia estar preparando uma guerra contra as escolas ocupadas. Descobrimos que haviam marcado uma reunião na Igreja da Achiropita, onde a direção convocava os pais para fazerem a rematrícula dos filhos. Chegamos à reunião de surpresa e lá fomos ameaçados. No dia seguinte, eles chegaram com martelos e marretas. A polícia entrou junto.
NET Educação – O que aconteceu depois?
Lilith – Éramos apenas 12 pessoas contra 80. Ficamos no pátio. O diretor veio com oito policiais e eu estava no microfone, quando ele me afrontou, eu olhei bem nos olhos dele e disse “não tem arrego”. Ele me deu um tapa na cara. Um amigo tentou me defender e os policiais foram para cima dele e bateram muito. Ele tem apenas 16 anos. Jogaram spray de pimenta, gás lacrimogêneo na gente também. Resolvemos então dar as mãos e fazer uma roda, para eles perceberem que não íamos agir violentamente. Aos poucos eles foram indo embora. Fui ao IML, fazer exame de corpo e delito, à corregedoria e entrei com um processo civil contra o diretor. Espero que ele seja exonerado.
NET Educação – No dia 6 de dezembro, os alunos da E. E. Maria José fizeram uma performance na Avenida Paulista, onde apareciam em silêncio e imobilizados por faixas de interdição. O que vocês quiseram simbolizar?
Lilith – Foi justamente para simbolizar a violência que sofremos. A violência policial que aconteceu na escola e que acontece em todas as manifestações. Estamos sendo censurados, interditados por reivindicar melhorias e se posicionar contra o fechamento de escolas.
NET Educação – Como você avalia a experiência da ocupação para os estudantes?
Lilith – A experiência da ocupação mudou nosso comportamento. Aprendemos a trabalhar em equipe, todos se respeitam, somos como uma família. Nunca amamos tanto a escola como agora. Acho linda esta união de todos os estudantes secundaristas do estado. Com as ocupações, visitamos um a escola do outro, tanto na zona sul quanto na zona leste da cidade. Descobrimos que os problemas que a gente enfrenta são parecidos, e que podemos enfrentá-los juntos.
NET Educação – Qual marca você acha que essa experiência das ocupações escolar vai deixar no futuro?
Lilith – A escola estadual não vai ser a mesma coisa. Esta coisa de achar que o aluno da escola do estado é incapaz, ignorante, não vai ser mais assim. Descobrimos que a gente tem voz. Estamos nos apropriando da escola e exigindo nossos direitos, seja agora em grêmios ou conselhos de classe. Afinal, a escola é nossa.
Veja mais:
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Em nota, a Secretaria da Educação do estado de São Paulo afirmou que repudia qualquer ato de violência e que um processo administrativo será instaurado para averiguar casos dessa natureza.
Atualizada em 21 de dezembro de 2015, às 9h04