Autor homenageado da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) de 2017, Lima Barreto é considerado um dos primeiros escritores brasileiros a trazer a realidade das áreas de subúrbio para a literatura. “A sua obra aborda a periferia da cidade, o proletariado, a baixa classe média e os personagens simples”, destaca a professora da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Beatriz Vieira de Resende.  “O grande legado que o autor deixa para o século 21 é que sua literatura abriu caminhos para autores da periferia e da favela. Ela deu determinação para que esses escritores pudessem se manifestar”, conclui. Confira, a seguir, a entrevista completa.

Qual a importância da obra de Lima Barreto para a Literatura Brasileira?
Beatriz Vieira de Resende
: Sua escrita trazia uma proposta inovadora para as décadas de 10 e 20, devido aos temas e personagens que criava. A importância histórica da obra de Lima Barreto vem do fato dele ter sido um dos primeiros a levar o subúrbio para a literatura. A sua obra aborda a periferia da cidade, o proletariado, a baixa classe média e os personagens simples. Ele também é um dos maiores escritores da literatura brasileira devido a sua obra consistente: Lima produziu romances, contos, diários e crônicas críticas – esse último, um gênero que poucas pessoas sabem.

Quais as principais características da obra do escritor?
Beatriz Vieira de Resende
: O Lima Barreto era um escritor realista, apesar de alguns de seus contos quebrarem com o realismo. Era um escritor que se preocupava com o presente, com aquilo que estava vivendo, em tentar entender e dar conta da realidade do seu entorno. Isso está presente principalmente nas crônicas. Penso que a homenagem da FLIP foi bem-vinda porque ler e reler as críticas que ele fazia à política naquela época ajudar a refletir sobre o nosso agora. Lima escreveu sobre deputados, sobre a corrupção e sobre outros problemas atuais que já vinham desde o início da República.

Quais foram às contribuições da literatura de Lima para os escritores posteriores?
Beatriz Vieira de Resende
: Lima Barreto vai influenciar diversos escritores, como Marques Rebelo (1907-1973), que retoma a ideia do subúrbio. Rubem Fonseca, no conto “A arte de andar nas ruas do Rio de Janeiro”, vai evocar um livro de Lima chamado Vida e Morte de M. J. Gonzaga e Sá (1919).  Mas a o grande legado que o autor deixa para o século 21 é que sua literatura abriu caminhos para autores da periferia, da favela e do subúrbio. Ela deu determinação para que esses escritores pudessem se manifestar.

Como a literatura de Lima Barreto pode ser apropriada pela escola?
Beatriz Vieira de Resende
: Lima Barreto tem uma literatura prazerosa. Romances como o seu último, “Clara dos Anjos” (1922), podem ser lidos por adolescentes com tranquilidade. Os professores podem pesquisar nas suas obras de contos e crônicas com temas a serem abordados com os alunos. Um exemplo de temas que podem ser levados à reflexão a partir da sua obra é o racismo, a negritude e a discriminação.  Nesse sentido, vale a pena fazer um link entre vida e obra do autor. Uma boa notícia é que temos hoje contos e crônicas de Lima sendo selecionados e reeditados com qualidade.

Como o racismo impactou a vida e obra de Lima Barreto?
Beatriz Vieira de Resende
: O Lima nasceu na zona sul do Rio de Janeiro e era de classe média: o pai, funcionário público, e a mãe, professora. Seus avós, contudo, foram escravos. Em certo momento, a mãe morre, o pai enlouquece e ele vira arrimo de família. Dedica-se aos estudos  e consegue ingressar na Escola Politécnica. Aqui, ele começa a fazer parte da sociedade branca e elitizada do Rio de Janeira e passa a sofrer discriminações, o que contribui para que não termine a universidade. Ele vive no meio de escritores e jornalistas que também são racistas – apesar de ter seu próprio grupo, constituído basicamente por escritores anarquistas. Assim, Lima Barreto sofreu o racismo na pele até a sua morte. Ele morreu cedo, aos 41 anos. Sua obra, então, entrou em ostracismo e só será resgatada por volta da década de 50.

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