Pais, alunos e professores foram pegos de surpresa com o surgimento do Baleia Azul – um suposto “jogo” constituído por 50 tarefas que culminariam, por fim, em suicídio. Sua origem, contudo, é complexa. Segundo uma apuração do site Boatos.Org, liderado pelo jornalista Edgard Matsuki e especializado em desmentir notícias falsas da internet, o Baleia Azul seria o nome de um grupo de suicídio russo. Ele foi noticiado pela primeira vez pelo site Novaya Gazeta, numa reportagem considerada sensacionalista.
“Sempre existiram na internet páginas relacionadas ao suicídio. O site russo fez o levantamento de que 130 jovens que participavam desses grupos cometeram suicídio. A informação foi tida como imprecisa por não ser possível mensurar se eles entraram nos grupos porque tinham predisposição ao suicídio ou se tiraram a vida por causa desses grupos. Mas a matéria repercutiu na Rússia e aí, de fato, apareceram duas mortes que seriam relacionadas a um desses grupos: o tal Baleia Azul”, descreve. “No Brasil, não havia registros de grupos chamados ‘Baleia Azul’ até a matéria de uma grande emissora de televisão abordar o assunto, em 1º. de abril”, relata.
Mas como a Baleia Azul passou de comunidade virtual a “jogo”? Segundo apurou o jornalista, sua padronização em regras também ocorreu após a exploração do assunto na mídia e redes sociais. “A história das 50 tarefas surgiu de um comentário em um post na VKontakte (rede social russa) que depois foi para o Reddit e, aí sim, copiada por blogs”, explica Edgard, que encontrou pelo menos
15 mitos relacionados ao assunto.
Foi no momento em que as listas com as 50 tarefas apareceram em diversos idiomas, incluindo o português, que o “jogo se tornou real”, com repercussões concretas fora do mundo virtual. Atualmente, há investigações em curso a partir de indícios de que os suicídios de duas adolescentes no Mato Grosso e Paraíba estariam relacionados ao Baleia Azul.
A Delegacia de Repressão a Crimes de Internet (DRC) relacionou duas tentativas de suicídio de jovens ao jogo no Rio de Janeiro, enquanto a Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba atribuiu, ao mesmo, cinco tentativas. Tais casos estimularam o Ministério Público do Rio de Janeiro a abrir uma investigação oficial no país. Essas ocorrências têm gerado inquietação de pais e educadores, preocupados em encontrar formas de compreender e lidar com o fenômeno.
Depressão em pauta
Mas o que os jovens que supostamente aderiram ao “jogo” Baleia Azul, ou que procuram conteúdos similares na web, querem comunicar a pais e educadores? Para a psiquiatra e membro da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, Denise Gama, tal interesse pode revelar desde uma vontade de se diferenciar perante o grupo até evidenciar um quadro de depressão, com risco de suicídio. “Alguns sinais identificam a depressão nos estudantes, como isolamento, mudança no padrão de relacionamentos, baixo rendimento escolar e, também, marcas de corte e automutilação”, descreve a especialista. Ao notá-los, educadores podem chamar o aluno para uma conversa privada, para não o expor perante o grupo. “O jovem tem medo do que os colegas vão pensar”, adverte.
Segundo o coordenador estadual do Movimento Nacional de Direitos Humanos, Ariel de Castro, o professor também pode observar se há situações na escola que estejam contribuindo para a fragilidade do aluno. “Pode haver pressões diversas sobre o estudante, como o bullying”, contextualiza.
Prevenção ao suicídio
Em relação ao suicídio, a máxima “quem ameaça não faz” é um mito. O adolescente que pensa em tirar a sua vida comunica o seu desejo, mas ao modo dele. “Se houver indícios, aborde o tema de maneira direta. Pergunte se ele já pensou sobre o assunto sem julgá-lo ou intimidá-lo. Os pais tendem a reagir a isso com raiva, culpa ou tristeza. Sentem-se atacados”, assinala.
Se a revelação for feita a um professor, não deve prometer segredo. “Não é questão de trair a confiança do estudante, mas de explicar que há um risco real. Inclusive, o adolescente é mais impulsivo por estar com o cérebro em formação”, reforça. O adulto deve ajudá-lo a chegar a uma avaliação psiquiátrica rapidamente. O diagnóstico ainda é tardio devido ao preconceito contra a depressão, e a doença tende a se tronar crônica.
Por fim, caso o jovem não apresente sintomas depressivos evidentes, os pais podem se tranquilizar. “É uma situação similar aos jogos violentos de computador. O adolescente que está bem sabe que aquela violência é um símbolo, ou seja, ele não vai pegar uma arma para atirar nos colegas”, finaliza.
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