Conteúdos

Mario de Andrade;

conto;

 

Objetivos

Conhecer o escritor Mario de Andrade;

Conhecer o conto “Tempo de camisolinha”;
Analisar o conto “Tempo de camisolinha”: relação entre a forma e conteúdo;
Reconhecer o tom memorialista.
 

1ª Etapa: Memórias da infância

Inicie a aula com a leitura compartilhada do trecho a seguir:

 

“A feiúra dos cabelos cortados me fez mal. Não sei que noção prematura de sordidez dos nossos atos, ou exatamente, da vida, me veio nessa experiência da minha primeira infância. O que não pude esquecer, e é minha recordação mais antiga, foi, dentre as brincadeiras que faziam comigo para me desemburrar da tristeza em que ficara por me terem cortado os cabelos, alguém, não sei mais quem, uma voz masculina falando: “Você ficou um homem, assim!” Ora eu tinha três anos, fui tomado de pavor. Veio um medo lancinante de já ter ficado homem naquele tamanhinho, um medo medonho, e recomecei a chorar.

 

Meus cabelos eram muitos bonitos, dum negro quente, acastanhado nos reflexos. Caíam pelos meus ombros com cachos gordos, com ritmos pesados de molas de espiral. Me lembro de uma fotografia minha desse tempo, que depois destruí por uma espécie de polidez envergonhada. . . Era já agora bem homem e aqueles cabelos adorados na infância, me pareceram de repente como um engano grave, destruí com rapidez o retrato. Os traços não eram felizes, mas na moldura da cabeleira havia sempre um olhar manso, um rosto sem marcas, franco, promessa de alma sem maldade. (…)”

 

Levante com os alunos algumas questões sobre o início do conto “Tempo da Camisolinha”: a imagem do cabelo cortado é uma recordação que dói no narrador-protagonista, que se lembra desse acontecimento com bastante pesar: o que parecia afligir tanto o menino? Anote na lousa o que a turma responder.

 

Depois, volte ao texto para discutir com eles o final do primeiro parágrafo, já que ele sintetiza o sofrimento desse menino, que vê no corte do cabelo o fim de sua infância, confirmada pela fala do adulto, como uma sentença: “você ficou um homem, assim”. Converse com os meninos como a percepção de mundo se diferencia para cada pessoa: o que parece marcar tanto esse menino?

 

Conte aos meninos que além dessa lembrança do corte de cabelo, esse personagem já adulto guarda várias recordações dessa época da infância: uma fotografia, a camisolinha – a metonímia marcada no título do conto. Chame a atenção dos alunos para o trecho no qual ele remonta à imagem registrada na fotografia:

 

“Guardo esta fotografia porque se ela não me perdoa do que tenho sido, aos menos me explica. Dou a impressão de uma monstruosidade insubordinada. Meu irmão, com seus oito anos é uma criança integral, olhar vazio de experiência, rosto rechonchudo e lisinho, sem caráter fixo, sem malícia, a própria imagem da infância. Eu, tão menor, tenho esse quê repulsivo do anão, pareço velho. E o que é mais triste, com uns sulcos vividos descendo das abas voluptuosas do nariz e da boca larga, entreaberta num risinho pérfido. Meus olhos não olham, espreitam. Fornecem às claras, com uma facilidade teatral, todos os indícios de uma segunda intenção. ”

 

Mostre aos alunos que temos aqui um reconhecimento do personagem no tempo presente, ou seja, algo nessa infância já indicava quem esse menino viria a se tornar quando adulto. Peça para que a classe identifique outros indícios de como é esse personagem. O que poderíamos dizer de um homem que não se perdoa por aquilo que tem sido e vê numa fotografia da infância a indicação do que ele haveria de ser no presente: “alguém que tem uma segunda intenção no sorriso”. O que isso pode indicar sobre a personalidade dessa pessoa? Converse com os alunos sobre as possíveis características desse protagonista.

 

2ª Etapa: Fechamento

Releia com a turma o final do conto:

 

“Aí, que ele entendeu, pois não aguentava mais! Me olhou, foi pegando na estrela, sorriu por trás dos bigodões portugas, um sorriso desacostumado, não falou nada felizmente que senão eu desatava a berrar. A mão calosa quis se ajeitar em concha para me acarinhar, certo! ele nem media a extensão do meu sacrifício! e a mão calosa apenas roçou por meus cabelos cortados. 

 

Eu corri. Eu corri pra chorar à larga, chorar na cama, abafando os soluços no travesseiro sozinho. Mas por dentro era impossível saber o que havia em mim, era uma luz, uma Nossa Senhora, um gosto maltratado, cheio de desilusões claríssimas, em que eu sofria arrependido, vendo inutilizar-se no infinito dos sofrimentos humanos a minha estrela-do-mar.”

 

Converse com os alunos sobre esse sofrimento do menino. Ele se compadece com a dor do outro, mas sofre imensamente por ter de abrir mão daquele objeto que ilusoriamente lhe trazia conforto. Levante quais as impressões deles sobre o conto e peça para que escrevam um comentário sobre a ação do menino e todo sofrimento.

 

3ª Etapa: Cumplicidade entre o narrador e o leitor

Inicie a aula conversando com os alunos sobre o narrador-protagonista e a proximidade com o leitor. Leia com eles o trecho a seguir:

 

“Me davam presentes. Era razão pra mais choro. Caçoavam de mim: choro. Beijos de mamãe: choro. Recusava os espelhos em que me diziam bonito. Os cadáveres de meus cabelos guardados naquela caixa de sapatos: choro. Choro e recusa. Um não-conformismo navalhante que de um momento pra outro me virava homem-feito, cheio de desilusões, de revoltas, fácil para todas as ruindades. (…)

 

E o meu passado se acabou pela primeira vez. Só ficavam como demonstrações desagradáveis dele, as camisolinhas.”

 

Chame a atenção para o uso da primeira pessoa: me, mim, meus. Mostre como o narrador está centrado em contar para o leitor os pequenos sofrimentos pelos quais passava. Converse com a turma sobre essa cumplicidade que se estabelece entre eles. 

 

Mostre aos alunos como a linguagem corrobora para essa proximidade narrador-leitor, uma vez que o uso de uma linguagem bastante coloquial imprime à narrativa um tom confessional e despreocupado com aspectos de formalidade que poderiam afastar o leitor.

 

Chame a atenção também para o movimento de ir ao passado, retomar as lembranças da infância e retornar ao presente, ao homem-feito que ainda guarda esses objetos que o aproximam e tornam vivas essas memórias. Esse movimento aproxima o protagonista dos adultos que o rodeavam e o adulto que ele se tornou a partir desse convívio. Chame a atenção para a perda dos sonhos, cortados junto com o cabelo que o deixava lindo, e que mesmo assim lhe fora tirado.

 

“Toda a gente apreciava os meus cabelos cacheados, tão lentos! e eu me envaidecia deles, mais que isso, os adorava por causa dos elogios. Foi por uma tarde, me lembro bem, que meu pai suavemente murmurou uma daquelas suas decisões irrevogáveis: “É preciso cortar os cabelos desse menino.” Olhei de um lado, de outro, procurando um apoio, um jeito de fugir daquela ordem, muito aflito. Preferi o instinto e fixei os olhos já lacrimosos em mamãe. Ela quis me olhar compassiva, mas me lembro como se fosse hoje, não aguentou meus últimos olhos de inocência perfeita, baixou os dela, oscilando entre a piedade por mim e a razão possível que estivesse no mando do chefe. Hoje, imagino um egoísmo grande da parte dela, não reagindo.”

 

Em roda, converse com os alunos sobre esse possível egoísmo que ele viu no comportamento da mãe: como agem os adultos com as crianças? Por que sempre elogiam os comportamentos que se aproximam do mundo adulto? Isso já aconteceu com algum deles? De que forma?

 

Em seguida leia o restante do conto com a turma (link disponível na Seção Saiba mais)

 

4ª Etapa: As estrelas da sorte

Retome com os alunos o sentimento do narrador no momento em foram necessárias as férias para a recuperação da mãe. De que forma a chegada da irmã trouxe nova aflição a esse menino que se sentia sozinho e incompreendido enquanto crescia.

 

Converse com a turma sobre o papel que a mãe atribuía para a madrinha, a santa Nossa Senhora do Carmo, no crescimento do menino. Esta via tudo o que ele fazia e também como deveria se comportar bem em frente a ela, mas o menino negava essa proteção. Ele odiava o mar, mas ia à praia e um dia encontrou alguns pescadores na praia que lhe deram três estrelas do mar que trariam sorte para toda a vida.

 

Nesse momento o menino se encheu de esperança: seria uma forma de apaziguar suas aflições, pois as companheiras da sorte poderiam livrá-lo de qualquer perigo:

 

“Ora se deu que um dos pescadores pegara três lindas estrelas-do-mar e brincava com elas na mão, expondo-as ao solzinho. E eu fiquei num delírio de entusiasmo por causa das estrelas-do-mar. O pescador percebeu logo meus olhos de desejo, e sem paciência pra ser bom devagar, com brutalidade, foi logo me dando todas. — Tome para você, que ele disse, estrela-do-mar dá boa sorte. — O que é boa sorte, hein? Ele olhou rápido os companheiros porque não sabia explicar o que era boa sorte. Mas todos estavam esperando e ele arrancou meio bravo: — Isto é… não vê que a gente fica cheio de tudo. . . dinheiro, saúde. . . Pigarreou fatigado. E depois de me olhar com um olho indiferentemente carinhoso, acrescentou mais firme: — Seque bem elas no sol que dá boa sorte. ”

 

Volte a esse trecho do conto e mostre aos meninos que esses amuletos fizeram o menino se esquecer até mesmo da comida, vivia para cuidar das estrelas até que se cansou dela e foi brincar no canal, foi quando viu alguns operários em um momento de descanso, e um lhe chamou a atenção. O que chama a atenção nesse operário?  Por que o menino se detém nele?

 

Converse com os alunos sobre esse olhar de alteridade que tem o narrador, incomoda-o a melancolia desse homem, talvez por que se aproxime daquilo que ele mesmo sente. Mas o fato é que o menino decide dar as estrelas da sorte para este homem, pois este sim necessita de sorte. E o menino constata que é feliz, e o outro deve precisar mais das estrelas do ele mesmo.

 

Materiais Relacionados

Para conhecer mais sobre Mario de Andrade.

 
Para conhecer mais sobre Mario de Andrade, assista programa Mestres da Literatura da TV Escola.
 
Para acessar o conto “Tempo de Camisolinha”.
 
Para assistir ao Jornal da Gazeta  sobre Mario de Andrade.
 
ALMEIDA, Laura Beatriz Fonseca de. “No tempo da camisolinha, um narrador da experiência”. In: Itinerários, Araraquara, 21, 151-160, 2003. Disponível no link.
 
CANDIDO, Antonio. “O Mario que conheci”.
 
GEBRA, Fernando de Moraes. Identidades intersubjetivas em contos de Mario de Andrade. Tese de doutorado apresentada à Área de Estudos Comparados da UFPR. Disponível no link.
 
ANDRADE, Mario de. Contos novos. 15.ed., Belo Horizonte – Rio de Janeiro: Villa Rica, 1993.
 

 

Arquivos anexados

  1. “Tempo de Camisolinha” – Mario de Andrade

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