Conteúdos
• Graciliano Ramos
• S. Bernardo
• Memória
Objetivos
• Conhecer o escritor Graciliano Ramos;
• Conhecer o romance S. Bernardo;
• Analisar a construção da narrativa de Paulo Honório;
• Reconhecer a escrita como registro da memória;
• Relacionar o livro ao filme S. Bernardo.
1ª Etapa: Um herdeiro
Inicie a aula retomando o fato de Paulo Honório não ter vínculos familiares. Retome o trecho em que se preocupa em encontrar D. Margarida, senhora que o criou, para dar a ela um lugar para viver. Existe nessa relação uma gratidão, uma forma de pagar o que ela havia feito por ele. Novamente um acerto de contas.
Peça para os alunos continuarem a leitura, converse sobre a necessidade de Paulo Honório casar-se e garantir um herdeiro. Chame a atenção para o momento em que esse pensamento surge. Mostre que novamente o narrador não busca uma companheira ou mesmo um romance, mas sim acertar alguém que cuide de suas conquistas.
Leia com a turma o capítulo XIV, momento em que Paulo Honório encontra Madalena e ela lhe chama muito atenção. Nesse momento, ele pensa ter escolhido a mulher certa para se casar. Retome com a classe as características do narrador e pergunte aos alunos como eles veem essa relação. Poderia dar certo esse arranjo: ‘casar-se para fazer um herdeiro? ’. Observe se eles traçam hipóteses sobre esse relacionamento e continue a leitura com eles.
Levante com a classe quais seriam as características de Madalena, o que ela teria a ganhar ao casar-se com Paulo Honório. Destaque o fato de Madalena ser uma moça criada para dar valor às letras, sua formação e o esforço da tia em formá-la professora.
Mostre aos alunos que, apesar de Paulo Honório tratar o casamento como mais um de seus negócios, ele apaixona-se por Madalena, ela consegue produzir nele algo que ele nunca havia sentido: o amor. Porém, esse sentimento vai levá-lo ao ciúme e a obsessão, já que ela se mostra livre e aberta ao outro. Enquanto ele é fechado em si mesmo.
Converse com os alunos sobre essa dualidade que se constrói a partir da personalidade de cada um deles. Chame a atenção para o modo como Madalena vincula-se a S. Bernardo: procurava entender o lugar, conhecer as pessoas, saber da necessidade de cada um. Desejava ter um ofício para ocupar o dia e com isso ficou responsável pela correspondência. Conversava com todos, interessava-se por diversos assuntos, enquanto Paulo Honório não conseguia dominá-la e passou a desconfiar dela, provocando muitas brigas, tentando dominá-la, não conseguindo.
Chame a atenção dos alunos para a obsessão que tomou conta de Paulo Honório, que ficou cego de ciúme e passou a acusar Madalena de conspirações e traições das quais não há nenhum indício. Mostre que isso levou ao fim esse casamento infeliz, que destruiu a jovem moça e teve como fruto um filho pelo qual o narrador não sentia nenhum vínculo.
Faça a leitura compartilhada do capítulo XXVIII:
“Senhor conhece a mulher que possui.”
Que frase!
Padilha sabia alguma coisa. Saberia? Ou teria falado à toa?
Conjecturas. O que eu desejava era ter uma certeza e acabar depressa com aquilo. Sim ou não.
“O senhor conhece a mulher que possui.” Conhecia nada! Era justamente o que me tirava o apetite. Viver com uma pessoa na mesma casa, comendo na mesma mesa, dormindo na mesma cama, e perceber ao cabo de anos que ela é uma estranha! Meu Deus! Mas se eu ignoro o que há em mim, se esqueci muitos dos meus atos e nem sei o que sentia naqueles meses compridos de tortura!
Já viram como perdemos tempo em padecimento inúteis? Não era melhor que fôssemos como os bois? Bois com inteligência. Haverá estupidez maior que atormentar-se um vivente por gosto? Será? não será? Para que isso? Procurar dissabores! Será? não será?
Converse com os alunos sobre os trechos destacados apontando para o diálogo com o leitor que Paulo Honório estabelece. Inicialmente ele discorreu sobre as “conjecturas” para logo em seguida questionar o leitor sobre a perda de tempo com “padecimentos”, ou seja, com a fantasia que lhe ocupava. Desejava ter pleno controle de Madalena. Note que distanciado do ocorrido Paulo Honório consegue ter ciência da “estupidez” de atormentar-se com pensamentos e hipóteses que em nenhum momento confirmaram-se.
2ª Etapa: Fechamento
Inicie a aula lendo os trechos a seguir do capítulo XXXVI:
“Faz dois anos que Madalena morreu, dois anos difíceis. E quando os amigos deixaram de vir discutir política, isto se tornou insuportável. Foi aí que me surgiu a ideia esquisita de, com o auxílio de pessoas mais entendidas que eu, compor esta história. A ideia gorou, o que já declarei.
(…)
O que estou é velho. Cinquenta anos pelo S. Pedro. Cinquenta anos perdidos, cinquenta anos gastos sem objetivo, a maltratar-me e a maltratar os outros. O resultado é que endureci, calejei, e não é um arranhão que penetra esta casca espessas e vem ferir cá dentro a sensibilidade embotada.
Cinquenta anos! Quantas horas inúteis! Consumir-se uma pessoa a vida inteira sem saber para quê! Comer e dormir como um porco! Como um porco! Levantar-se cedo todas as manhãs e sair correndo, procurando comida! E depois guardar comida para os filhos, para os netos, para muitas gerações. Que estupidez! Que porcaria!”
Converse com os alunos sobre a descrição que Paulo Honório faz de si, compare com a apresentação inicial. Retome com os alunos a perda de Madalena, que se suicidou depois de três anos de uma vida de acusações e ofensas. Chame a atenção da turma para a análise que ele faz da vida: “consumir-se uma pessoa a vida inteira sem saber para quê!”, mostre como isso é contrário ao homem que desejava adquirir tudo o que não tinha, a qualquer preço.
Apresente o início do filme São Bernardo (link disponível na Seção Saiba Mais) e organize um debate sobre a imagem que temos de Paulo Honório sentado à mesa iniciando seus primeiros registros do livro e a solidão em que se encontra. Converse, a partir desta cena inicial, sobre consumir uma vida inteira em busca de algo que não se sabe o que seria.
3ª Etapa: Graciliano Ramos – escritor do essencial
Inicie a aula com a leitura compartilhada do texto de Antonio Candido:
“Para ler Graciliano Ramos, talvez convenha ao leitor aparelhar-se do espírito de jornada, dispondo-se a uma experiência que se desdobra em etapas e, principiada na narração de costumes, termina pela confissão das mais vívidas emoções pessoais. Com isto, percorre o sertão, a mata, a fazenda, a vila, a cidade, a casa, a prisão, vendo fazendeiros e vaqueiros, empregados e funcionários, políticos e vagabundos, pelos quais passa o romancista, progredindo no sentido de integrar o que observa ao seu modo peculiar de julgar e de sentir. De tal forma que, embora pouco afeito ao pitoresco e ao descritivo, e antes de mais nada preocupado em ser, por intermédio da sua obra, como artista e como homem, termina por nos conduzir discretamente a esferas bastante várias de humanidade, sem se afastar demasiado de certos temas e modos de escrever. ”
Converse com os alunos sobre o “espírito de jornada” apontado por Antonio Candido, mostrando a eles que este autor faz parte da 2ª fase do Modernismo brasileiro, momento em que muitos escritores se voltaram para o registro de um retrato do país. Nesse sentido, o romance S. Bernardo percorrerá o sertão, a fazenda, a casa de Paulo Honório, personagem narrador.
Pergunte aos alunos como eles pensam ser um narrador que possui um “modo peculiar de julgar e sentir”; aponte para a turma que Graciliano Ramos trabalha com a concisão, buscando o essencial a ser expresso.
Comente que esse fato vem ao encontro da construção de um protagonista que deseja contar sua história, mas não a quer em linguagem literária, cheia de ‘penduricalhos’, quer uma linguagem seca, áspera como ele, quase bruta. Leia com a turma os dois primeiros capítulos e destaque como Paulo Honório se apresenta:
“O que é certo é que, a respeito das letras, sou versado em estatística, pecuária, agricultura, escrituração mercantil, conhecimentos inúteis neste gênero. Recorrendo a eles, arrisco-me a usar expressões técnicas, desconhecidas do público, e a ser tido por pedante. Saindo daí, a minha ignorância é completa. E não vou, está, claro, aos cinquenta anos, munir-me de noções que não obtive na mocidade.
Não obtive, porque elas não me tentavam e porque me orientei num sentido diferente. O meu fito na vida foi apossar-me das terras de S. Bernardo, construir esta casa, plantar algodão, plantar mamona, levantar a serraria e o descaroçador, introduzir nestas brenhas a pomicultura e a avicultura, adquirir um rebanho bovino regular. Tudo isso é fácil quando está terminado e embira-se em duas linhas, mas para o sujeito que vai começar, olha os quatro cantos e não tem em que se pegue, as dificuldades são terríveis.”
Mostre para os alunos que o narrador se centra em tudo o que “obteve”, ou seja, apega-se a tudo que conseguiu possuir durante sua vida.
4ª Etapa: O relato de uma vida
Inicie a aula conversando com os alunos sobre o narrador-protagonista e a proximidade que se estabelece com o leitor quando a narrativa é construída em 1ª pessoa, reforçando a cumplicidade entre eles. Porém, o tom de Paulo Honório é preciso e formal. Ele apresenta-se ao leitor apenas no terceiro capítulo:
“Começo declarando que me chamo Paulo Honório, peso oitenta e nove quilos e completei cinquenta anos pelo S. Pedro. A idade, o peso, as sobrancelhas cerradas e grisalhas, este rosto vermelho e cabeludo têm-me rendido muita consideração. Quando me faltavam estas qualidades, a consideração era menor.
Para falar com franqueza, o número de anos assim positivo e a data de S. Pedro são convencionais: adoto-os porque estão no livro de assentamentos de batizados da freguesia. Possuo certidão, que menciona padrinhos, mas não menciona pai nem mãe. Provavelmente eles tinham motivos para não desejarem ser conhecidos. Não posso, portanto, festejar com exatidão o meu aniversário. Em todo o caso, se houver diferença, não deve ser grande: mês a mais ou mês a menos. Isto não vale nada: acontecimentos importantes estão nas mesmas condições. ”
Chame a atenção para a linguagem concisa e para as características que o narrador busca apresentar: peso e idade e, em seguida, os traços que indicam o envelhecimento. Aponte para a imprecisão (mas precisa) da idade exata e da data de aniversário não conhecida e mostre que Paulo Honório indica que não está preocupado com a convenção, busca o prático da vida, afirmando ao final “isto não vale nada”.
Converse com a classe sobre a determinação que motiva Paulo Honório: escrever um livro; e discuta o que pode indicar essa determinação: como seria esse caboclo que sem pai nem mãe consegue adquirir S. Bernardo e promover uma inovação e transformar-se num latifundiário atroz.
Retome com os alunos o trecho da 1ª parte:
“(…) O meu fito na vida foi apossar-me das terras de S. Bernardo, construir esta casa, plantar algodão, plantar mamona, levantar a serraria e o descaroçador, introduzir nestas brenhas a pomicultura e a avicultura, adquirir um rebanho bovino regular.”
Destaque o verbo utilizado pelo narrador: “apossar-me” das terras e peça para a turma ler os capítulos III e IV.
5ª Etapa: Estabelecer-se e produzir
Inicie a aula retomando o uso do verbo “apossar-me” apresentado logo início do livro. Como podemos relacioná-lo ao que acontece nos capítulos III e IV? Ouça os alunos e observe se reconhecem que o narrador se apodera de tudo e vai conseguindo atingir seu objetivo: deixar a pobreza para trás, a qualquer custo.
Mostre aos alunos que os capítulos seguintes trazem o relato de tudo que Paulo Honório fez para alcançar esse objetivo. Destaque a linguagem sem adornos e, apesar de estatística, inexata. Como nos trechos a seguir:
“Violências miúdas passaram despercebidas. As questões mais sérias foram ganhas no foro, graças às chicanas de João Nogueira.”
(…)
“A verdade é que, aparentando segurança, eu andava assustado com os credores. Ia bem, sem dúvida, o ativo era superior ao passivo, mas se aqueles malvados quisessem, capavam-me. Agora os receios diminuíam. A escola seria um capital. Os alicerces da igreja eram também capital.”
(…)
“Aqui nos dias santos surgem viagens, doenças e outros pretextos para o trabalhador gazear. O domingo é perdido, o sábado também se perde, por causa da feira, a semana tem apenas cinco dias, que a Igreja ainda reduz. O resultado é a paga encolher e essa cambada viver com a barriga tinindo.”
Converse com a turma sobre a preocupação com a contabilidade (monetário) presente nos trechos em destaque. O narrador pretende dominar e capitalizar tudo que for possível; até mesmo a educação e a religião dos empregados.
Materiais Relacionados
Para conhecer vida e obra de Graciliano Ramos, acesse o site do autor
Para assistir ao documentário “Universo Graciliano”, acesse o
site.
Para ter acesso ao dossiê organizado pela Revista Veja, acesse o
link.
Para assistir ao filme S. Bernardo, baseado na obra de mesmo título, acesse o
link.
FLAUZINO, Valter Donizete. A escrita e a escritura em S. Bernardo, de Graciliano Ramos: a confluência da memória e dos olhares.
Dissertação de Mestrado em Literatura e Crítica Literária – PUC-SP. Disponível no
link.
CANDIDO, Antonio. Ficção e Confissão: Ensaios sobre Graciliano Ramos. 3. Ed., Rio de Janeiro, 2006.
RAMOS, Graciliano. S. Bernardo. 96.ed. Rio de Janeiro, Record, 2014.
Arquivos anexados
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