Conteúdos
• Gênero poema;
• Manoel de Barros;
• Poesia.
Objetivos
• Conhecer o fazer poético de Manoel de Barros;
• Compreender a poesia como metáfora da natureza e da cultura;
1ª Etapa: Apresentação de Manoel de Barros
Inicie a aula com esta epígrafe de E.R. Curtius:
“Muita coisa tem de ser esquecida quando se deve conservar o essencial.”
Peça aos alunos que comentem a epígrafe, associando-a a questões cotidianas dos alunos. O que seria o essencial? Como defini-lo? Depois que comentarem, cada um deles deve dizer uma palavra que traduza o essencial para si. Anote-as na lousa.
Deixe as palavras na lousa e apresente esse poema de Manoel de Barros, do Livro sobre nada:
Desejar Ser
8.
Nasci para administrar o à-toa
o em vão
o inútil.
Pertenço de fazer imagens.
Opero por semelhanças.
Retiro semelhanças de pessoas com árvores
de pessoas com rãs
de pessoas com pedras
etc etc.
Retiro semelhanças de árvores comigo.
Não tenho habilidade pra clarezas.
Preciso de obter sabedoria vegetal.
(Sabedoria vegetal é receber com naturalidade uma rã no talo.)
E quando esteja apropriado para pedra, terei também
sabedoria mineral.
Peça para os alunos apresentarem suas impressões. Novamente, anote as palavras junto com as demais. Faça uma leitura compartilhada, mostrando que o eu lírico desse poema tem como essencial a inutilidade: “nasci para administração o inútil”.
Converse com os alunos sobre o conceito de poesia de Manoel de Barros:
“a poesia é a virtude do inútil – não tem nenhuma utilidade”,
A partir desse conceito, volte ao poema e mostre que ele é poeta da simplicidade, da transgressão e da natureza, do fazer poético da desconstrução, da negação da linguagem referencial.
Com os alunos retome o uso do verbo “pertenço”, qual seria o sentido do trecho:
“pertenço de fazer imagens”?
Mostre que, ao escolher verbo “pertencer”, o eu lírico parece apontar para uma forma de ser, como se fazer imagens fosse intrínseco a sua existência. Nesse mesmo sentido, ele apresenta a matéria sua poesia: “retiro semelhanças de pessoas com árvores, de pessoas com rãs, de pessoas com pedras etc etc.”
Após essa conversa, você pode apresentar trechos do documentário “Só dez por cento é mentira” (link 2 na Seção Para saber mais”).
Volte às palavras da lousa, peça para completarem ou retirarem o que desejarem, registre-as para utilizá-las na 4ª etapa do trabalho.
2ª Etapa: aproximando do tema – encontrar a poesia
Leia com os alunos o trecho de Bachelard, retirado da obra Leitura de poesia, de Alfredo Bosi (LINK 7):
“É necessária a união de uma atividade sonhadora e de uma atividade ideativa para produzir uma obra poética. A arte é natureza enxertada.”
Converse com os alunos sobre o fazer poético segundo a visão de Bachelard, o que eles entendem como atividade sonhadora? E atividade ideativa? Mostre que temos uma visão próxima a de Manoel de Barros.
Retome a metáfora: “a arte é natureza enxertada” e converse sobre a relação com o verso “Preciso de obter sabedoria vegetal”. Talvez alguns alunos desconheçam o sentido de palavra enxertada. Peça que olhem no dicionário (há dicionários na web, acessíveis por celular)
Verifique se os alunos reconhecem que a natureza enxertada é a natureza que fecunda, insemina a arte e ao mesmo tempo está inserida na arte como temática.
Leia com os alunos este poema de Manoel de Barros:
O apanhador de desperdícios
Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.
Depois de ler o poema com a sala, retome a metáfora de Bachelard, é possível reconhecê-la nesse poema? Peça para os alunos destacarem todas as referências da natureza presentes no texto. Verifique se os alunos, depois de fazerem as marcações, reconhecem que o eu lírico recolhe na natureza a essência de seu poema: “dou respeito às coisas desimportantes e aos seres desimportantes.” Chame a atenção para o uso do prefixo “des”, usado para a negação do importante, do significativo, dando ênfase à desconstrução.
Retome a ideia do pertencimento presente no poema apresentado na 1ª etapa, do pertencer de fazer imagens e mostre a relação existente com “eu fui aparelhado para gostar de passarinhos.” Aponte para os alunos essa associação, analisando o sentido de estar “aparelhado”, novamente, algo que parece ser inerente ao eu lírico: “ser da invencionática”.
3ª Etapa: dois caminhos para a poesia
Leia com os alunos outro trecho de Alfredo Bosi (Link 7)
“Bachelard insiste na metáfora: o enxerto se faz porque o poema participa tanto da natureza, terra-água-ar-fogo, suporte das imagens, quando da cultura, que é afinal a própria natureza que milênios de operações simbólica trabalharam e aperfeiçoaram.
Essa dupla participação, que se reconhece na matéria signata da palavra, abre ao nosso olhar duas portas.
Uma porta comunica com os labirintos do inconsciente onde se gestam as metamorfoses do desejo. Porta do sonho.
A outra porta dá para os tesouros da memória formados por mais de três mil anos de tradição letrada. Porta da cultura.”
Em seguida, apresente o poema do Livro sobre Nada:
9.
A ciência pode classificar e nomear os órgãos de um sabiá
mas não pode medir seus encantos.
A ciência não pode calcular quantos cavalos de força existem
nos encantos de um sabiá.
Quem acumula muita informação perde o condão de adivinhar: divinare.
Os sabiás divinam.
Converse com os alunos sobre as “portas” presentes nesse poema. A classificação que se apresenta inútil frente ao sentir os encantos do sabiá. Mostre aos alunos que nesse poema o eu lírico faz um jogo de palavras com sabiá que também pode retomar a ideia de sábia, a ciência como detentora de um saber da cultura letrada.
Verifique se os alunos percebem que a porta do sonho, do desejo deve estar mais aberta para “divinar” com o sabiá.
4ª Etapa: Fechamento
Apresente o poema para os alunos, do livro Tratado geral das grandezas do ínfimo
POESIA
A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado.
Sou fraco para elogios.
Se a poesia está guardada nas palavras, retome com os alunos as palavras destacadas na primeira etapa, peça agora que escrevam um poema com este título: Tratado geral de ____________
Oriente-os para manterem o que seria essencial para eles. Quando todos acabarem, organize um varal de poesia.
Para encerrar leia com eles o poema “Matéria de poesia” (link 6)
Materiais Relacionados
1. Para conhecer mais sobre Manoel de Barros, acesse.
3.
Para visualizar algumas pinturas de Manoel de Barros,
acesse.
5. BARROS, Manoel de. Poesia Completa. São Paulo: Leya Brasil, 2013.
7. BOSI, Alfredo (org.). Leitura de poesia. São Paulo: Ática, 2003.
8. CHEVALIER, J.; GHEERBRANT, A. Dicionário de Símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formar, figuras, cores, números. Trad. Vera da Costa e Silva. 16.ed., Rio de Janeiro: José Olympio, 2001.
Arquivos anexados
- Manoel de Barros