Conteúdos

Este plano de aula de literatura e filosofia apresenta o pensamento de Franz Kafka, mostrando a literatura menor do autor tcheco dentro da análise dos filósofos Gilles Deleuze e Felix Guattari.

Objetivos

  • Apresentar a vida e a obra de Franz Kafka;
  • Compreender o conceito de literatura menor;
  • Introduzir um excerto da obra “A Metamorfose”;
  • Identificar os principais problemas levantado na obra de Kafka;
  • Relacionar a literatura com a filosofia; e
  • Refletir sobre os problemas contemporâneos abordados pelo autor tcheco.

Conteúdos / Objetos do conhecimento: a literatura filosófica em Franz Kafka.

Palavras-chave: Literatura menor, Literatura, Filosofia.

Previsão para aplicação:

4 aulas de 45 minutos/cada.

1ª Etapa: Contextualização

Professor(a), nesta etapa você deve introduzir o assunto que será trabalhado durante a aula. Aproveite o momento para identificar os conhecimentos prévios dos alunos a respeito do tema. Para começar, leia com os estudantes a biografia de Kafka, apresentando sua história e suas principais obras. Para ajudar, deixamos um texto de apoio:

Vida de Franz Kafka

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                     Franz Kafka (crédito: autor desconhecido / licenciado em CC BY-SA-NC)

Acesso em: 08 de novembro de 2023.

Franz Kafka foi um importante escritor judeu de língua alemã, nascido em Praga, na República Tcheca, em 3 de julho de 1883. Sua vida e sua obra são marcadas por uma profunda exploração da alienação, da burocracia, da ansiedade e da condição humana em suas formas mais dilaceradas. Esses temas o tornaram uma figura icônica na literatura mundial do século XX. Nos próximos parágrafos, há uma breve visão geral de sua vida e obra.

Ele nasceu em uma família de origem judaica. O pai, Hermann Kafka, era um comerciante de sucesso, enquanto a mãe, Julie Kafka, era dona de casa. Franz Kafka era o mais velho de seis irmãos. 

O autor estudou direito na Universidade Karl-Ferdinand, em Praga, e trabalhou como advogado por um curto período, mas sua paixão era a escrita, o que o fez sofrer demais por trabalhar em um setor com o qual não se identificava, tirando dele o tempo para fazer o que mais amava: escrever.

Para ele, o trabalho era uma forma de tortura, de modo que podemos perceber que o seu personagem mais conhecido, Gregor Samsa, da obra “A Metamorfose”, refletia um pouco da vida do próprio Kafka, trazendo o sofrimento de ambos em relação ao trabalho desumanizador.

Dito isso, é importante mencionar que ele passou a maior parte de sua vida trabalhando para uma companhia de seguros, uma experiência que influenciou demasiadamente sua obra, pois o autor tcheco frequentemente explorava a alienação e a burocracia em suas histórias a partir de sua própria vivência.

Kafka teve uma saúde frágil ao longo da vida, sofrendo de tuberculose e outras doenças. Vale dizer que sua saúde debilitada também influenciou sua escrita. Ele faleceu no dia 3 de junho de 1924, em Kierling, na Áustria, em decorrência da tuberculose.

Sua obra foi divulgada pelo seu melhor amigo, Max Brod, que ficou incumbido de queimar todos os textos de Kafka após a morte do autor, mas não teve coragem e fez o contrário: dedicou sua vida a divulgar os textos de Kafka que hoje conhecemos. Dessa forma, só o conhecemos esse autor por causa do seu amigo. Abaixo, está uma foto de ambos:

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                   Max Brod e Franz Kafka, quando jovens, em uma praia (crédito: MG (EFE)

Acesso em: 09 de novembro de 2023.

A escrita de Kafka é caracterizada por sua linguagem precisa, imaginação surreal e uma atmosfera de absurdo. Suas obras frequentemente refletem a sensação de impotência e alienação que ele próprio tinha em relação à sociedade e à vida. Kafka influenciou profundamente a literatura e a filosofia do século XX, e seu estilo único continua a cativar leitores e estudiosos em todo o mundo.

Obra:

A obra mais famosa, “A Metamorfose” (1915), narra a história de Gregor Samsa, que acorda um dia transformado em um inseto gigante. A história explora a alienação e o isolamento.

“O Processo” (1925) é outra obra muito conhecida. Publicada postumamente, esse romance segue a jornada de Josef K., personagem acusado de um crime e que não qual é a acusação que recai sobre si. A obra examina a opressão burocrática e a falta de sentido do sistema legal.

“O Castelo” (1926) é mais um romance póstumo, que segue o protagonista, K., em sua busca para entrar em um castelo, mas é barrado por uma série de obstáculos. A obra aborda temas de alienação e impotência.

Já “Carta ao Pai” (1919) foi escrito por Kafka a seu pai, Hermann, explorando o relacionamento complexo e conflituoso com o genitor.

“Colônia Penal” (1919) é uma narrativa curta que explora temas de justiça, punição e tortura em uma sociedade distópica.

2ª Etapa: Problematização e aprofundamento

O conceito de literatura menor foi popularizado pelo filósofo francês Gilles Deleuze e pelo psicanalista e filósofo francês Félix Guattari. O livro que apresenta essa noção conceitual “Kafka: por uma literatura menor” (1975). Na obra, eles exploraram a ideia de que a produção de Kafka pode ser considerada um exemplo de “literatura menor.”

Essa noção não se refere ao valor literário ou menor no sentido de quantidade, isso é, inferior a maior, mas sim a uma forma de expressão que desafia as convenções literárias tradicionais e se liga a questões culturais, políticas e sociais. Em outras palavras, um conceito que atravessa três campos ou componentes: linguagem, política e coletividade.

No campo da linguagem, podemos pensar no componente que Deleuze e Guattari chamavam de “desterritorialização da língua”, que seria, em Kafka, a sua própria escrita. Embora escrevesse em alemão, estava imerso em uma cultura judaica e vivia em uma região onde o alemão era uma língua minoritária em relação ao tcheco.

Vale dizer que esse alemão não era o mesmo usado pelo escritor Goethe, que seria uma das maiores referências da língua alemã na Alemanha. Sua escrita refletia essa tensão entre diferentes línguas e culturas. A literatura menor desafia o formato consagrado e busca formas de expressão não convencionais.

O autor frequentemente utilizava elementos surrealistas e absurdos para questionar a realidade e a autoridade a partir de uma língua considerada vulgar ou informal para os padrões gramaticais da língua oficial alemã.

Kafka define nesse sentido o impasse que barra aos judeus de Praga o acesso à escrita e faz de sua literatura algo de impossível: uma impossibilidade de não escrever de outro modo. Impossibilidade de não escrever, porque a consciência nacional, incerta ou oprimida, passa necessariamente pela literatura. A impossibilidade de escrever de outro modo que não em alemão é para os judeus de Praga um sentimento de uma irredutível distância com a territorialidade tcheca primitiva. (DELEUZE; GUATTARI, 2017, p. 36).

Já no campo político, podemos pensar a partir da própria resistência política. A literatura menor muitas vezes está ligada a contextos políticos de opressão, resistência ou marginalização.

Kafka, como judeu na Europa, estava ciente das tensões políticas e sociais de sua época, e isso se refletiu em sua escrita de forma que a obra de Kafka não era uma literatura baseada nas questões particulares ou familiares, mas sim em questões que atravessam a vida de qualquer pessoa em sociedade, estando na ordem da política e do social, e não do individual, familiar ou particular.

Ou seja, o autor não era um edipiano ou alguém que tinha problemas com o pai, mas sim alguém que falava por todas as crianças oprimidas pelos seus genitores, o que é demonstrado em sua obra “Carta ao Pai”, além de falar também por todos os funcionários oprimidos pelo trabalho autoritário e pelas burocracias das instituições.

Vale dizer ainda que Kafka buscava sempre despersonalizar, a partir da literatura menor, tendo como intenção evitar a expressão pessoal direta, preferindo uma voz coletiva ou impessoal em sua obra. Com exceção de “Carta ao Pai”, o escritor frequentemente usava narradores distantes e impessoais em suas histórias.

“[…] a literatura menor é completamente diferente: seu espaço exíguo faz com que cada caso individual seja imediatamente ligado à política”. (DELEUZE; GUATTARI, 2017, p. 36).

Conexão com o coletivo: a literatura menor busca uma conexão com o coletivo, representando as vozes e experiências de grupos marginalizados. Kafka frequentemente explorava temas universais, como alienação, autoridade e burocracia.

A ideia de literatura menor é complexa e sujeita a interpretações diversas, mas é uma lente útil para analisar a obra de Kafka, que desafiou as normas literárias e sociais de sua época. Sua escrita continua a ser estudada e apreciada por sua profundidade e complexidade, bem como por sua capacidade de abordar questões universais por meio de uma perspectiva única e muitas vezes “menor”.

A terceira característica é que tudo toma um valor coletivo. Com efeito, precisamente porque os talentos não abundam numa literatura menor, as condições de uma enunciação individual não são dadas, que seria a de um tal ou qual “mestre”, e poderia ser separada da enunciação coletiva. De maneira que esse estado de raridade dos talentos é de fato benéfico, e permite conceber outra coisa que uma literatura de mestres: o que o escritor sozinho diz já constitui uma ação comum, e o que ele diz ou faz é necessariamente político, mesmo que os outros não estejam de acordo. O campo político contamina todo enunciado. (DELEUZE; GUATTARI, 2017, p. 37).

As literaturas maiores são dos mestres que procuram desenvolver um caminho expresso na individualidade, enquanto nas literaturas menores os escritores tentam expressar uma voz coletiva.

O agenciamento não é um processo individualizante — é o devir singular de alguém em meio ao que o transforma em uma máquina literária de expressão minoritária, é a invenção dos conceitos que são enunciados ou expressados como produção da subjetividade de um povo, ou seja, é alguém que fala pelo coletivo. Na obra “O processo”, de Kafka, há uma passagem que descreve esse momento:

O que aconteceu – continuou dizendo K., com a voz um tanto mais baixa do que antes, sem deixar de examinar os rostos dos ouvintes das primeiras filas para tentar estabelecer a impressão que sobre eles faziam suas palavras – não é senão um caso particular que como tal não apresenta grande importância, visto que eu mesmo não o levo muito a sério, mas constitui o sintoma de um modo de agir que se exercita contra muitos outros. Para representá-los estou aqui, não somente pela minha causa. (KAFKA, 1969, p. 41)

3ª Etapa: Sistematização

Professor(a), esta etapa tem como objetivo sistematizar os conhecimentos dos estudantes a respeito do tema trabalhado durante a aula. Para isso, a atividade deve servir como forma de evidência daquilo que os estudantes aprenderam, tornando visíveis os objetivos de aprendizagem alcançados ao longo da aula, ainda que parcialmente.

 Para finalizar, os estudantes devem realizar a análise dos seguintes documentos:

1) Exiba o vídeo “A Metamorfose” para os estudantes

Acesso em: 08 de novembro de 2023.

2) Peça para os alunos lerem o texto a seguir:

Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. Estava deitado sobre suas costas duras como couraça e, ao levantar um pouco a cabeça, viu seu ventre abaulado, marrom, dividido por nervuras arqueadas, no topo de qual a coberta, prestes a deslizar de vez, ainda mal se sustinha. Suas numerosas pernas, lastimavelmente finas em comparação com o volume do resto do corpo, tremulavam desamparadas diante dos seus olhos. — O que aconteceu comigo? — pensou. Não era um sonho. Seu quarto, um autêntico quarto humano, só que um pouco pequeno demais, permanecia calmo entre as quatro paredes bem conhecidas. Sobre a mesa, na qual se espalhava, desempacotado, um mostruário de tecidos — Samsa era caixeiro viajante, — pendia a imagem que ele havia recortado fazia pouco tempo de uma revista ilustrada e colocado numa bela moldura dourada. Representava uma dama de chapéu de pele e boa pele que, sentada em posição ereta, erguia ao encontro do espectador um pesado regalo também de pele, no qual desaparecia todo o seu antebraço. O olhar de Gregor dirigiu-se então para a janela e o tempo turvo — ouviam-se gotas de chuva batendo no zinco do parapeito — deixou-o inteiramente melancólico.  KAFKA, Franz. Metamorfose, p. 06.”

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3) Em seguida, peça que respondam às seguintes questões:

  • O que significa metamorfose? Explique.
  • Qual é a interpretação do excerto acima? Quais características físicas comprovam a metamorfose de Gregor?
  • Qual era o contexto em que viveu Franz Kafka?
  • Quais eram os principais temas da obra kafkaniana? Explique.
  • O que seria literatura menor e quais são seus principais componentes? Explique.

Materiais Relacionados

A Metamorfose – Franz Kafka

Acesso em: 08 de novembro de 2023.

Literatura menor e invisibilidade social nos livros ilustrados

Acesso em: 08 de novembro de 2023.

  • Referências Bibliográficas

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Kafka: Por uma literatura menor. Tradução: Cintia Vieira da Silva. Belo Horizonte. Autêntica, 2017.

KAFKA, Frantz. Diários. Belo Horizonte, Itatiaia. 2000.

KAFKA, Frantz. Carta ao Pai. Tradução Modesto Carone. São Paulo, Companhia das Letras, 2000.

KAFKA, Frantz. O Castelo. Tradução Modesto Carone. São Paulo: companhia das Letras, 2000.

KAFKA, Frantz. O processo, tradução de Torrieri Guimarães. São Paulo: editora Hermus, 1969.

Plano de aula elaborado pelo professor mestre Fabiano Bitencourt Monge.

Coordenação Pedagógica: prof.ª dr.ª Aline Bitencourt Monge.

Revisão textual: professora Daniela Leite Nunes.

Crédito da imagem principal: picture alliance – CPA Media

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