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Este plano de aula aborda a vida e a obra do importante poeta Manuel Bandeira, passando por temas como a influência de sua doença em sua obra e os elementos literários do movimento modernista, iniciado na década de 1920 no Brasil. Traz alguns poemas para análise e fruição, além de debater a importância da sua obra na literatura brasileira.

  • Modernismo brasileiro;
  • Poesia brasileira;
  • Manuel Bandeira; e
  • Obra de Manuel Bandeira.

Objetivos

  • Aprender sobre o Modernismo brasileiro do início do século XX;
  • Conhecer a vida do poeta Manuel Bandeira e suas influências; e
  • Ler e fruir alguns poemas feitos pelo poeta.

Palavras-chave:

Modernismo. Nacionalismo. Manuel Bandeira. Poesia. Pernambuco. 

Previsão para aplicação:

      4 a 5 aulas (50 min/aula).

1ª Etapa: Modernismo no Brasil

O Modernismo foi um movimento nacional de vanguarda artística e cultural, que apareceu em diversas áreas das artes, como pintura, escultura, arquitetura e, sobretudo, na literatura. Foi uma ruptura com o Parnasianismo e com a arte clássica, e esteve em consonância com os movimentos europeus e internacionais. Buscando encontrar uma arte legitimamente brasileira, retratou o cotidiano brasileiro, as principais figuras do Brasil, a língua mais próxima da falada pela população, os ritmos populares etc. Teve sua inauguração em 1922, na Semana de Arte Moderna, ocorrida no Teatro Municipal de São Paulo, e teve entre seus principais expoentes Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral.

As Vanguardas Modernistas na Europa e no Brasil — contexto histórico

O final do século XIX foi marcado, tanto nos países europeus quanto no Brasil, por um processo de consolidação dos Estados Nacionais, pela unificação de países e separação de outros e pela intensa urbanização e industrialização, consagrados pelo êxodo rural e pela imigração para países americanos, como o Brasil e os Estados Unidos. Além disso, no Brasil, a abolição da escravidão era algo extremamente recente, o que fez com que a população negra também vivesse um clima de liberdade, ainda que limitadíssimo.

Esse ambiente, que misturava nacionalismo com os aspectos modernos trazidos pela industrialização e pela eletricidade, causaram um impacto profundo nos artistas e nos escritores. O modernismo, bem como as vanguardas europeias, eram movimentos conscientes e organizados de ruptura com o passado, idealização de arte nacional e apropriação de elementos da cultura popular e, no caso europeu, também das culturas africana e asiática. 

Na Europa, podemos citar como exemplos: dadaísmo, cubismo, expressionismo e futurismo, dentre outros. Os artistas debatiam forma, conteúdo e outros aspectos de sua arte em oposição ao realismo, às imagens figurativas que representavam o “real” e, em seu lugar, propunham coisas novas e coloridas que não necessariamente tinham reflexo no mundo concreto. A mesma coisa ocorria com a literatura, que buscava trazer a linguagem coloquial e popular e o verso livre, sem rimas ou amarras.

O Brasil havia passado, recentemente, por dois marcos de grande significado: a Proclamação da República e a Abolição da Escravidão. Esses eventos traziam consigo a necessidade da formação de uma identidade nacional, distante dos portugueses e mais próxima do que pode ser chamado de Brasil. Os modernistas brasileiros estavam, portanto, nesse contexto. 

A Semana de Arte de 1922 ocorreu três anos depois do final da Primeira Guerra Mundial e cinco anos depois da Revolução Russa. Ambas as coisas também influenciaram na formação do Modernismo Brasileiro, inclusive porque muitos dos  artistas e poetas foram também militantes do Partido Comunista Brasileiro, fundado no mesmo ano. É importante entender que, tal como a política e a economia, a arte e a estética fazem parte do debate a respeito de qual país ou identidade se quer ter, com o Brasil nesse contexto. Nesse sentido, os modernistas estavam alinhados a todos esses setores, debatendo história, economia, política, poesia, literatura, artes visuais, teatro, repressão, censura etc. Muitos modernistas fizeram parte, nos anos 1930, do governo de Getúlio Vargas.

Modernismo no Brasil: arte e literatura

No Brasil, o Modernismo iniciou-se na década de 1920 e durou até os anos 1950, depois da Segunda Guerra Mundial. Dividiu-se em três fases, sendo a primeira a que mais é associada ao movimento e aos seus artistas mais lembrados. Nasceu sobretudo na cidade de São Paulo, local onde havia a maior quantidade de fábricas no período, com maior população e imigração, mas seus artistas são de todos os locais do país. A Semana de Arte de 1922 ficou conhecida como marco inicial do modernismo brasileiro, tendo ocorrido entre 13 e 18 de fevereiro, no Theatro Municipal de São Paulo.

Os modernistas se opunham aos moldes acadêmicos, pregavam a liberdade de forma, criação e expressão, eram espontâneos (ou pregavam a espontaneidade e a experimentação), buscavam o cômico e a ironia e valorizavam a linguagem popular. A ideia era, portanto, não se prender a regras que definiam previamente o que era arte, mas construir novos conceitos próprios e originais, incorporando aquilo que se acreditava bom de outras culturas e das vanguardas europeias, transmutando em algo nacional e orgânico. Os principais temas tratados pelos modernistas eram os cenários brasileiros, a miscigenação da população, as expressões verbais, os trabalhadores, o trabalho e as fábricas, a população rural e a natureza. Outras influências também eram as novas teorias, como a psicanálise e a invenção do cinema e da fotografia. 

É importante lembrar que essa ruptura do que se considerava arte era feita nos grandes centros urbanos, mas não era a única arte produzida no país, já que a população fazia música, dança, artes visuais, esculturas, contações de história e poemas, mas não tinha reconhecimento da academia. Os modernistas também se apropriaram desses elementos da cultura popular para produzir a arte moderna e instalar um novo paradigma na arte brasileira. 

Os artistas modernos buscaram a experimentação e eram também teóricos da arte, da literatura e da música. Mário de Andrade, além de escritor e pianista, também foi um dos grandes responsáveis pelos registros de arte popular em diversos locais do país, sendo alguns, inclusive, os únicos que existem até hoje. 

2ª Etapa: Vida e obra de Manuel Bandeira

Manuel Bandeira fez parte da primeira fase do Modernismo no Brasil e foi um dos maiores poetas da língua portuguesa. Com uma vasta e diversa produção lírica e também em prosa, Manuel Bandeira abordou, sobretudo, temas autobiográficos, com tom saudosista e melancólico, mas também falou de política, estética, natureza, do Recife e do Brasil. Além de poeta, também foi crítico de arte e literatura, professor e tradutor. Ocupou a 24ª cadeira na Academia Brasileira de Letras.

Vida de Manuel Bandeira

Nascido em 19 de abril de 1886, no Recife, em Pernambuco, Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho era filho de Manuel Bandeira e de Francelina Ribeiro. Sua família tinha boas condições financeiras e era herdeira de fazendas, sendo seu pai engenheiro e sua mãe pertencente a uma família de advogados. Apesar de ter nascido em Pernambuco, ainda criança mudou-se para o Rio de Janeiro, onde estudou no tradicional Colégio Pedro II.

Já no início da vida adulta, Bandeira iniciou o curso de arquitetura na Escola Politécnica de São Paulo, mas não conseguiu terminar, em razão da descoberta de uma tuberculose, o que o obrigou a parar os estudos para se tratar. De início, foi para a região serrana do Rio de Janeiro, mas em 1913 mudou-se para a Suíça. O poeta chegou a acompanhar o início da Primeira Guerra Mundial no país europeu, mas retornou para o Brasil quando a guerra tornou-se mais duradoura. 

Ainda que não tenha se tornado arquiteto, Manuel Bandeira formou-se no curso de humanidades, se tornou inspetor e depois professor de Literatura no Colégio Pedro II, onde também havia estudado.

O medo da morte e a doença acompanharam toda a produção de Bandeira, aparecendo em seus poemas com a temática da solidão, do desejo, da saudade etc. Sua poesia, bastante autobiográfica, explora com sensibilidade essa ideia da doença, o desejo físico e carnal, o bucólico e a saudade. O poema “Consoada” é um bom exemplo dessas temáticas sendo exploradas

Consoada

Quando a Indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
— Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.

Esse poema é de um simbolismo único, explorando metáforas. A morte, representada pela imagem da “indesejada”, “iniludível”, a vida tratada como o dia e a morte, como a noite. O eu lírico espera que tenha cumprido seus desejos e obrigações, podendo ter uma partida tranquila e sorridente. Outro exemplo do diálogo com a própria vida está em “Desencanto”:

Desencanto

Eu faço versos como quem chora
De desalento… de desencanto…
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente…
Tristeza esparsa… remorso vão…
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
— Eu faço versos como quem morre.

O poeta não casou com nenhuma mulher, mas manteve diversas relações, muitas delas simultâneas. O tema do amor carnal e do desejo também ocupou significativo espaço em sua vasta produção. 

Apesar de ter vivido com medo da morte ao longo de toda a sua vida, Manuel Bandeira morreu aos 82 anos, de um problema gástrico que nada tinha a ver com a tuberculose.

Manuel Bandeira e o Modernismo

Bandeira viveu pouco tempo em São Paulo. Sua participação no Modernismo foi, portanto, mais distante, porém não menos intensa ou importante. Adepto do verso livre e da linguagem coloquial, explorou toda a liberdade que o movimento lhe oferecia e sua contribuição foi intensa. Seu poema “Os sapos” abriu a Semana de 1922 e fazia uma crítica direta e explícita ao poeta Olavo Bilac, conhecido como “Princípe”.

Os sapos

Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
– “Meu pai foi à guerra!”
– “Não foi!” – “Foi!” – “Não foi!”.

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: – “Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinquenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.

Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas…”

Urra o sapo-boi:
– “Meu pai foi rei!”- “Foi!”
– “Não foi!” – “Foi!” – “Não foi!”.

Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
– A grande arte é como
Lavor de joalheiro.

Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo”.

Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
– “Sei!” – “Não sabe!” – “Sabe!”.

Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;

Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é

Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio…

O poema de Bandeira explora todas as características dos poemas parnasianos, tais como as rimas complexas, o uso dos hiatos e as redondilhas menores. Ele usa a forma adotada pelos poetas para ironizar e satirizar os próprios autores. Além disso, é ainda mais satírico, ao falar que a luz deslumbra os sapos, como se eles não quisessem sair da penumbra em que se encontram, falando que não reconhecem as mudanças pelas quais a poesia e arte passaram ao longo do período. Critica as imposições de regras e demonstra que, para ele e para muitos modernistas, esses poemas não passavam de formas que se podia encaixar qualquer conteúdo. 

O poema “Poética”, também aborda esses temas de um viés menos irônico e mais político, com tom enfático:

Poética

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor.
Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
maneiras de agradar às mulheres, etc
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

— Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

Para Bandeira, o rompimento com os parnasianos valorizava os temas, importando menos as regras rígidas em relação ao que é ou não um poema, baseado em seu formato. Como forma é também conteúdo, a mudança de formato tinha como intenção trazer a cultura popular para o centro da produção artística, no lugar de uma arte feita dentro dos moldes acadêmicos e oriunda apenas da elite. 

O poema apresentado caminha justamente nessa direção. Ao se colocar contra um lirismo comportado, burocrático e chato, que está preso às regras e às predeterminações, Bandeira torna o poema tão chato e enfadonho como um trabalho. O poeta expressa seu repúdio aos termos que não são compreensíveis, que precisam de um dicionário para acompanhar etc. Bandeira também enfatiza outros aspectos do Modernismo, como a valorização da espontaneidade, ao preferir o lirismo feito pelos bêbados, que estariam libertos de amarras. 

O poema “Trem de Ferro” explora justamente essa lírica que não se prende a determinações anteriores, mas inova com uma musicalidade e ritmos que simulam o próprio andar da máquina. O uso de palavras da língua oral e coloquial traz consigo o elemento do popular, o que faz com que, ao ler o poema, quase se possa ver os passageiros de dentro da composição. O cenário, todo descrito ao redor completa o caminho do trem e a imagem vista de fora.

Trem de ferro 

Café com pão
Café com pão
Café com pão
Virge Maria que foi isto maquinista?

Agora sim
Café com pão
Agora sim
Voa, fumaça
Corre, cerca
Ai seu foguista
Bota fogo
Na fornalha
Que eu preciso
Muita força
Muita força
Muita força

Oô…
Foge, bicho
Foge, povo
Passa ponte
Passa poste
Passa pasto
Passa boi
Passa boiada
Passa galho
De ingazeira
Debruçada
No riacho
Que vontade
De cantar!

Oô…
Quando me prendero
No canaviá
Cada pé de cana
Era um oficiá

Oô…
Menina bonita
Do vestido verde
Me dá tua boca
Pra matá minha sede
Oô…
Vou mimbora vou mimbora
Não gosto daqui
Nasci no Sertão
Sou de Ouricuri
Oô…

Vou depressa
Vou correndo
Vou na toda
Que só levo
Pouca gente
Pouca gente
Pouca gente…

Manuel Bandeira foi um poeta visionário, que explorou como ninguém as dores e as angústias, os aspectos políticos, e esteve sempre presente, desde literalmente a abertura oficial do Modernismo no Brasil. Críticas e aspectos políticos apareceram em sua lírica como no poema “O bicho”, que comparava um ser humano famélico a um animal revirando o lixo:

O bicho

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.

Justamente por não ter apego à forma e por acreditar que a poesia poderia ser feita da maneira que melhor lhe conferisse, também teve elementos de simbolismo, parnasianismo e outros em seus poemas, sem que isso o fizesse deixar de ser modernista, ao contrário, usou bem do conceito de antropofagia.

Obra de Manuel Bandeira

Bandeira publicou cerca de dez livros de poesia e diversos outros em prosa. 

Em ordem cronológica, os livros são:

  • A cinza das horas (1917)
  • Carnaval (1919)
  • O ritmo dissoluto (1924)
  • Libertinagem (1930)
  • Estrela da manhã (1936)
  • Lira dos cinquent’anos (1940)
  • Belo belo (1948)
  • Mafuá do Malungo (1948)
  • Opus 10 (1952)
  • Estrela da tarde (1963)

Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/literatura/manuel-bandeira.htm. Acesso: 10/03/2023.

É possível perceber que Manuel Bandeira teve uma vasta produção, ao longo de cerca de quarenta anos, tendo escrito livros até cinco anos antes de falecer. Sua vasta obra o consagrou entre os maiores poetas do Modernismo.

3ª Etapa: Fruição e análise de poemas

Sugestão: Sarau de poetas modernistas ou sarau de Manuel Bandeira

O sarau é um evento artístico no qual pessoas se reúnem para trocar experiências e, sobretudo, declamar poemas, cantar músicas, expor obras de artes, realizar performances e outras coisas que podem ser determinadas anteriormente ao evento.

Sugere-se que seja feito um evento à parte, ou como encerramento do semestre ou em um período diferente do período que ocorrem as aulas, para que seja um momento especial, com os alunos envolvidos em sua organização e preparação. É possível propor que os estudantes levem comes e bebes. A proposta é que os alunos façam, eles mesmos, toda a organização e sejam responsáveis pela divulgação do evento.

O grupo deve decidir o tema, o horário do evento, detalhes sobre a alimentação e a divulgação, como vão acontecer as leituras, se haverá uma ordem predefinida ou se as participações ocorrerão de forma livre. O/A professor/a pode levar livros físicos ou poemas impressos, para que os estudantes escolham, visualizando, tocando, podendo realizar trocas uns com os outros. Sugere-se que o/a professor/a reserve algumas aulas para organização e ensaio do sarau.

Sugestões de poemas de Manuel Bandeira: 

Vou-me Embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcaloide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Pneumotórax

Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:
— Diga trinta e três.
— Trinta e três… trinta e três… trinta e três…
— Respire.

— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

O último poema 

Assim eu queria o meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

Teresa 

A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna

Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)

Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.

A morte absoluta

Morrer.
Morrer de corpo e de alma.
Completamente.

Morrer sem deixar o triste despojo da carne,
A exangue máscara de cera,
Cercada de flores,
Que apodrecerão – felizes! – num dia,
Banhada de lágrimas
Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.

Morrer sem deixar porventura uma alma errante…
A caminho do céu?
Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?

Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,
A lembrança de uma sombra
Em nenhum coração, em nenhum pensamento,
Em nenhuma epiderme.

Morrer tão completamente
Que um dia ao lerem o teu nome num papel
Perguntem: “Quem foi?…”

Morrer mais completamente ainda,
– Sem deixar sequer esse nome.

Poema tirado de uma notícia de jornal

João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.

Para ler mais e fontes:

Disponível em: 10 poemas memoráveis de Manuel Bandeira (com interpretação) – Cultura Genial. Acesso: 10/03/2023.

Disponível em: Os 10 melhores poemas de Manuel Bandeira – Revista Bula. Acesso: 10/03/2023.

4ª Etapa: Questões de vestibular

1) (FUVEST) Leia o poema de Manuel Bandeira para responder ao teste:

Não sei dançar

Uns tomam éter, outros cocaína.

Eu já tomei tristeza, hoje tomo alegria.

Tenho todos os motivos menos um de ser triste.

Mas o cálculo das probabilidades é uma pilhéria…

Sim, já perdi pai, mãe, irmãos.

Perdi a saúde também.

É por isso que sinto como ninguém o ritmo do jazz-band.

Uns tomam éter, outros cocaína.

Eu tomo alegria!

Eis aí por que vim assistir a este baile de terça-feira gorda.(…)

(Libertinagem, Manuel Bandeira)

Sobre os versos transcritos, assinale a alternativa incorreta:

  1. a) A melancolia do eu lírico é apenas aparente: interiormente ele se identifica com a atmosfera festiva do carnaval, como se percebe no tom exclamativo de “Eu tomo alegria!”.
  2. b) A perda dos familiares e da saúde são aspectos autobiográficos do autor presentes no texto.
  3. c) A alegria do carnaval é meio de evasão para eu lírico, que procura alienar-se de seu sofrimento.
  4. d) O último verso transcrito associa-se ao título do poema, pois o eu lírico não participa, de fato, do baile de carnaval.
  5. e) O eu lírico revela, em tom bem-humorado e descompromissado, ser uma pessoa exageradamente sensível.

GABARITO: A.

Disponível em: Os 10 melhores exercícios sobre Manuel Bandeira com o Gabarito. Acesso em: 28 de março de 2023.

2) (ENEM 2000) “Poética”, de Manuel Bandeira, é quase um manifesto do movimento modernista brasileiro de 1922. No poema, o autor elabora críticas e propostas que representam o pensamento estético predominante na época.

Poética

Estou farto do lirismo comedido

Do lirismo bem comportado

Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente

protocolo e manifestações de apreço ao Sr. Diretor.

Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário

o cunho vernáculo de um vocábulo.

Abaixo os puristas

[…]

Quero antes o lirismo dos loucos

O lirismo dos bêbedos

O lirismo difícil e pungente dos bêbedos

O lirismo dos clowns de Shakespeare

– Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

(BANDEIRA, Manuel. Poesia completa e prosa. Rio de janeiro: José Aguilar, 1974)

Com base na leitura do poema, podemos afirmar corretamente que o poeta:

  1. a) critica o lirismo louco do movimento modernista.
  2. b) critica todo e qualquer lirismo na literatura.
  3. c) propõe o retorno ao lirismo do movimento clássico.
  4. d) propõe o retorno do movimento romântico.
  5. e) propõe a criação de um novo lirismo.

GABARITO: E.

Disponível em: Os 10 melhores exercícios sobre Manuel Bandeira com o Gabarito. Acesso em: 28 de março de 2023.

3) (FUVEST)

Teresa

A primeira vez que vi Teresa

Achei que ela tinha pernas estúpidas

Achei também que a cara parecia uma perna

Quando vi Teresa de novo

Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo

(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que

[o resto do corpo nascesse)

Da terceira vez não vi mais nada

Os céus se misturaram com a terra

E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.

(Libertinagem, Manuel Bandeira)

Em relação às imagens que compõem a figura feminina, no texto de Bandeira, só não se pode afirmar que:

  1. a) acentuam realisticamente os aspectos grotescos da mulher.
  2. b) destacam o estranhamento sentido pelo eu-lírico diante de uma visão surpreendente.
  3. c) constituem deliberado deboche das imagens consagradas pela literatura tradicional.
  4. d) dessacralizam o ideal de amor arrebatador.
  5. e) podem ser atribuídas à postura iconoclasta dos modernistas de 22.

GABARITO: C.

Disponível em: Os 10 melhores exercícios sobre Manuel Bandeira com o Gabarito. Acesso em: 28 de março de 2023.

Materiais Relacionados

  • Para ler mais sobre as Vanguardas Modernistas:

GUIDIN, Márcia Lígia. Modernismo no Brasil – o início – Das vanguardas europeias à Semana de Arte Moderna. UOL Educação.
Disponível em: Modernismo no Brasil — o início — Das vanguardas europeias à Semana de Arte Moderna. Acesso: 09/03/2023.

  • Para conhecer mais o Modernismo no Brasil:

GUIDIN, Márcia Lígia. Modernismo no Brasil – a Semana de Arte – São Paulo e a 1ª geração modernista. UOL Educação.
Disponível em: Modernismo no Brasil – a Semana de Arte: São Paulo e a 1ª geração modernista – UOL Educação. Acesso: 09/03/2023.

SOUZA, Warley. Modernismo. Brasil Escola.
Disponível em: Modernismo: características, autores, obras – Brasil Escola. Acesso em: 09/03/2023.

SILVA, Ariane Soares Pereira da. Modernismo no Brasil. InfoEscola.
Disponível em: Modernismo no Brasil. Acesso: 09/03/2023.

Modernismo 1ª Geração [Prof. Noslen] – Canal do Professor Noslen.
Disponível em: Modernismo 1ª Geração [Prof. Noslen] – Canal do Professor Noslen. Acesso: 09/03/2023.

  • Para ler mais sobre Manuel Bandeira:

FRAZÃO, Dilva. Manuel Bandeira. Poeta Brasileiro. Site ebiografia.
Disponível em: Manuel Bandeira. Poeta Brasileir. Acesso: 10/03/2023.

SOUZA, Warley. Manuel Bandeira. Brasil Escola.
Disponível em: Manuel Bandeira: biografia, características, obras – Brasil Escola. Acesso em 09 de março de 2023. 

JARDIM, Mara Ferreira. Manuel Bandeira e a poesia modernista. Letras de Hoje. Nº 46, vol. 2. pp. 37-42
Disponível em: Manuel Bandeira e a poesia modernista. Acesso: 10/03/2023.

Análise de poemas de Manuel Bandeira – Blog “Faciletrando”:
Disponível em: Análise de poemas de Manuel Bandeira. Acesso: 10/03/2023.

Manuel Bandeira – Brasil Escola
Disponível em: Manuel Bandeira. Acesso: 10/03/2023.

Ciência e Letras – Manuel Bandeira – Canal Saúde Oficial
Disponível em: Manuel Bandeira. Acesso: 10/03/2023.

Manuel Bandeira por ele mesmo (poemas declamados)
Disponível em: Manuel Bandeira por ele mesmo. Acesso: 10/03/2023.

Vou-me Embora Pra Pasárgada – Poema Manuel Bandeira – Canal Mundo dos Poemas
Disponível em: Vou-me Embora Pra Pasárgada. Acesso: 10/03/2023.

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