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 Cidadania, analfabestismo e identidade do brasileiro.

Objetivos

– Refletir sobre o analfabetismo no Brasil e relacioná-lo com a ausência de cidadania; 
– Refletir sobre a busca de identidade dos brasileiros;
– Refletir como as transformações de valores e aprimoramento como ser humano.

1ª Etapa: Apresentação do Filme

O (a) professor (a) pode fazer uma apresentação inicial, explicando as premiações que o filme conquistou, a trajetória do diretor e dos atores protagonistas (trajetórias opostas: ela, uma atriz experiente e consagrada; ele, um garoto estreante, ex-engraxate). Para preparar esta apresentação, consulte as abas “Para organizar…” e “Material de apoio”.  Caso vários alunos já tenham visto o filme, é importante salientar que uma obra de arte merece ser analisada inúmeras vezes e que, certamente, em outra assistência se percebem outros aspectos do filme;

É interessante explicar o que é um road movie (filme de estrada), perguntar se eles já viram outros filmes com essa estrutura (viagens transformadoras) e deixá-los contar histórias de viagens que os ajudaram em seu amadurecimento pessoal; É possível observar que a viagem em si tem início apenas aos 38 minutos do filme. Antes disso, o filme nos contextualiza e nos passa uma visão sobre as famílias brasileiras a partir do senso comum, apresentado na voz de Dora, como “famílias pobres são desestruturadas”; “analfabetos não têm discernimento”; “os homens de famílias pobres são alcoólatras”. O filme vai desconstruindo esses preconceitos, transformando a visão não apenas dos protagonistas, mas dos espectadores. 

 

2ª Etapa: Exibição do Filme

O filme tem 113 minutos. Não convém que ele seja apresentado em partes. Caso não haja tempo para debate em seguida, algumas perguntas podem ser lançadas para que os alunos reflitam em casa. Algumas cenas podem ser retomadas e reprisadas na aula seguinte, para aquecer o debate. 

Sugestões de perguntas para reflexão, caso não haja tempo para debate, em seguida da assistência:

•De que forma os personagens se transformaram durante a viagem?

•Dora é uma professora e Josué um garoto que nem sequer ia à escola? Quem ensina quem? Quais os ensinamentos que um transmite ao outro?

•Como o contraponto Brasil urbano x Brasil rural é apresentado no filme?

•Como a religiosidade do povo brasileiro é apresentada no filme?

•Quais são os desencontros que acontecem no filme? Esses desencontros tem a ver com o analfabetismo que geram a falta de comunicação?

 

3ª Etapa: Debate com exibição de algumas cenas

A seguir, sugerimos cenas que podem ser reprisadas e/ou ser objeto de debates (numeração das cenas, conforme o DVD), a partir do interesse das diversas disciplinas. 

 

Cena 5: (29 – 38 min): Momento de virada na consciência de Dora, quando Irene a alerta que “tudo tem um limite!” Ela se revira na cama durante a noite e resolve buscar Josué com os traficantes; Questões possíveis de serem debatidas: 

é a partir do final dessa cena que o filme se caracteriza como um road movie. Até essa cena, será que haveria um gênero capaz de defini-lo? Drama (morte de Ana, menino abandonado?), Ação/perseguição/violência (resgate do menino junto aos bandidos? Fuga de Dora?). 

Até esse momento a relação entre Dora e Josué constrói-se muito mais na desconfiança. Ao final desta cena, quando o menino diz que vai embora sozinho, ele tem razão pra dizer que ela “não vale nada”? Como os alunos avaliam o caráter de Dora até essa cena?

 

Cena 8: (48min50seg até 53min25seg): Roubo de mantimentos do armazém. Os dois sentem fome, Dora repreende Josué por ter roubado o armazém e, depois, ela é quem rouba; Questões possíveis de serem debatidas:

É legítimo roubar quando se está com fome? Qual é nossa reação quando alguém que está com fome nos pede comida ou rouba? 

Por que Dora repreende Josué? Ela estaria assumindo a posição de educadora, fingindo ao menino que teria comprado pra que ele não se inspire em seu exemplo? 

Por que o caminhoneiro finge que não percebe que eles roubaram?

 

Na cena seguinte (ainda cena 8 do menu do DVD, 53min20seg a 1 hora de filme) – Dora e Josué sentem-se mais à vontade com César, o caminhoneiro, como se formassem uma família. Josué sente emoção ao experimentar a direção do caminhão. Dora se sente atraída pelo caminhoneiro e se dá conta que há tempos não se arruma, não cuida de sua aparência. Essa consciência é Josué que lhe dá, agressivamente, quando (na cena anterior) diz que sua mãe se arrumava mais e que Dora se veste como um homem. Quando ela fala sobre seus sentimentos, César vai embora. Dora chora (por trás do vidro), sentindo a rejeição. Questões possíveis de serem debatidas:

Josué, mesmo brigando, está ajudando Dora a se humanizar? 

O desejo de formar uma família é comumente confundido com amor? 

Na rápida relação com César, Josué vê nele uma referência masculina como se ele fosse seu pai? 

César gosta da companhia deles, mas sente medo da responsabilidade quando percebe os sentimentos de Dora? 

 

Cena 9 (1h3min): Momento em que Josué, pela primeira vez, aceita que sua mãe morreu e pergunta se ela teria sido enterrada decentemente. A cena é precedida da carona que os protagonistas conseguem com romeiros (que demonstram sincretismo religioso, como a umbanda). Josué canta as músicas e relembra que as aprendeu com sua mãe. Fala, também, da expectativa de conhecer o pai. Cena completa: 1h01min a 1h06min. Questões possíveis de serem debatidas:

Por que demoramos, às vezes, pra aceitar a morte de um ente querido? 

O tipo de enquadramento dessa cena é chamado de plano geral (muita distância da câmera em relação ao objeto); esse tipo de enquadramento é bastante usado para filmar grandes paisagens, mostrando a pequenez humana. Não à toa, essa é uma cena que propõe questões filosóficas, sobre vida e morte, pra onde vamos quando morremos, etc. 

Uma possibilidade é que a reza que sua mãe lhe ensinou tenha levado Josué à aceitação da morte da mãe; 

 

Cenas 10 e 11 (1h11 a 1h21): Dora se depara com mais uma dificuldade (sua amiga Irene mandou o dinheiro para a cidade errada). Eles sentem fome e, no desespero, Dora despenca em cima de Josué toda sua raiva (1h11min): “você é um castigo na minha vida!”; “seu pai e sua mãe te puseram no mundo e não deviam ter posto!” Josué foge em meio à procissão, Dora perde os sentidos e a cena termina com ela no colo de Josué como uma “pietá” invertida (1h14min). Logo após, é Josué que encontra a saída pra aquela difícil situação: aquele povo também precisava de uma escrevedora. Cena completa: das  Questões possíveis de serem debatidas:

Quando estamos nervosos, muitas vezes despejamos a raiva em pessoas que amamos. Será que Dora, após tantas peripécias, não havia aprendido a amar Josué? Não se sentia responsável por ele? Pais e filhos muitas vezes se xingam sem razão. Josué também amava Dora e por isso se sente ofendido por seu desabafo. 

A cena da pietá invertida mostra o momento de proteção da criança em relação ao adulto. Muitas vezes os filhos protegem os pais?

As cenas dos depoimentos para que Dora escreva cartas (do início do filme e nessa cena) mostram que o filme se posiciona com simpatia pelas pessoas simples, analfabetas, vítimas das desigualdades sociais. Pode-se perceber que a história central não é apenas de dois protagonistas, mas do povo brasileiro. 

• A reação de Dora nessa cena, comparada ao início do filme (seu comportamento em relação aos que ela atendia na estação Central do Brasil, no RJ) mostra a transformação de Dora, que passa a valorizá-las, ajudando-as não só para ganhar dinheiro (ela se empolga com suas histórias). Dora não se humaniza apenas a partir do afeto em relação a Josué, também se opera nela uma transformação ideológica, rompendo seus preconceitos sobre as pessoas simples. 

Ao final da cena, essa mudança fica evidente quando Josué (reproduzindo a postura de Dora) tenta jogar as cartas no lixo. Dora opta por colocá-las no correio. Segundo Walter Salles (em depoimento nos extras do DVD), o filme fala de “cartas que precisam chegar a seu destino”. 

O que significa hoje mandar cartas? Como se dá a comunicação hoje? A comunicação pela internet,via e-mails, substitui as cartas? De que forma saber ler e escrever é um exercício de cidadania? Podemos dizer o mesmo sobre a inclusão digital?  

Outra reflexão interessante é pensar as profissões e ocupações que servem à população. O conhecimento de Dora, que é professora, pode servir a uma população analfabeta que precisa se comunicar (tanto com a família, como com o santo). Quais os sentidos das várias ocupações? Será possível pensarmos apenas que as profissões servem para um possível enriquecimento pessoal?

 

Cenas finais 13 e 14 (1h28min a 1h45): São muitos os desencontros durante o filme. Durante todo o tempo, pairam dúvidas se Josué encontraria mesmo seu pai, se é verdade que seu pai é um bom marceneiro ou se era um “cachaceiro”, enfim, expectativas dos personagens e de quem assiste ao filme. O que torna a obra complexa é o não maniqueísmo, isto é, os personagens principais não são extremamente bons ou maus. Dora se apoia no senso comum para julgar as pessoas, a partir de estereótipos atribuídos às camadas populares. Estereótipo é uma generalização, não necessariamente uma afirmação falsa, mas é a base dos preconceitos. Aos poucos, é confirmada a informação que Jesus, pai de Josué, bebia muito, mas isso não o faz uma pessoa má, até porque outros dados são confirmados: que era trabalhador, bom marceneiro, que amava Ana e sua família. A transformação da personagem é também de quem assiste. Os desencontros é que tornam a narrativa emocionante, aumentando a expectativa sobre o desfecho do filme. Somente nos últimos minutos do filme (1h31min) Josué realmente entende que chegou à sua casa, olhando para o retrato de seu pai e de sua mãe, fixado na parede. Outra cena emocionante de reconhecimento de identidade é a da leitura da carta de Jesus endereçada à Ana, quando Isaías percebe que Josué é seu irmão (1h37min). É uma cena feita com olhares, muito bem interpretada pelo ator Mateus Natergale (hoje em dia, conhecido do público por conta da TV).  Cena completa: das. Questões possíveis de serem debatidas:

Uma boa questão é saber se os alunos consideram que houve um final feliz. Trata-se de um bom contraponto aos finais dos filmes hollywoodianos, em que os heróis são glorificados, a mocinha casa-se com o mocinho, alguém enriquece. Josué não encontra seu pai, mas encontra seus irmãos. Dora deixa Josué, mas sabe que ele está com pessoas boas e estruturadas.  

O que significam os registros históricos? As correspondências (cartas, e-mails), as fotografias (Josué e Dora têm as fotos dos binóculos para que não se esqueça da feição do outro), outras formas de registros atuais (filmes, registros no facebook, blogs, etc). 

Como os três filhos de Josué são analfabetos, será que Dora inventou a inclusão de Josué na carta de Jesus (dizendo que queria muito conhecê-lo)? O próprio Josué, conhecendo a capacidade de manipulação de Dora, desconfia disso. O que os alunos acham? Trata-se de um exemplo do poder de manipulação ou de informação das pessoas letradas e incluídas na sociedade. Os filhos não têm informação do pai, porque não sabem ler. 

Dora, na carta final (ela é escrevedora de cartas dos outros, mas, antes de Josué, não tinha para quem escrever) confessa que tem boas lembranças de seu pai. Muito do preconceito que ela desenvolve em relação ao pai de Josué tem a ver com as suas tristes memórias, portanto, os seus referenciais. A memória é exata? Ou é construção afetiva de fatos, situações e pessoas que passaram pela nossa vida?

 

4ª Etapa: Língua Portuguesa e Sociologia – Letramento e Cidadania

O não domínio do código escrito é uma marca de vários povos, entre eles, o povo brasileiro. À oralidade, a partir da concepção europeia de cultura, não era atribuído valor cultural. Embora hoje possamos dizer que a oralidade é hoje mais valorizada, o letramento ainda representa um importante passo para a emancipação de um povo e a possibilidade do exercício da cidadania. 

Pode ser solicitado aos alunos que eles localizem as cenas do filme em que se vê a manipulação dos letrados sobre os iletrados. Ou cenas em que a cultura oral é manifestada (trava línguas, por exemplo).

Uma pesquisa sobre o combate ao analfabetismo no Brasil, sua relação com o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), a comparação com outros países (China, Cuba, Uruguai, Argentina, Suíça, Moçambique) pode trazer um quadro interessante sobre a relação letramento X desenvolvimento social; 

A comunicação por cartas também é um dos temas fortes do filme. Uma carta chegar ou não ao seu destino pode mudar vidas (como é o caso da leitura da carta de Jesus, ao final do filme). A comunicação epistolar está morta ou fadada ao declínio? Quais as diferenças entre a carta e o e-mail? O que significa a exclusão digital? São questões importantes que os alunos podem refletir e se posicionar. 

 

5ª Etapa: Língua Portuguesa – Produção de textos

O ideal é que o debate preceda a solicitação de produção de texto, porque a reflexão e os vários pontos de vista sobre as cenas poderão municiar os alunos para que construam textos mais densos. Uma sugestão é a produção de cartas. 

Materiais Relacionados

•O filme Central do Brasil ganhou muitos prêmios, inclusive internacionais, assim como a atriz Fernanda Montenegro (Urso de Prata no Festival de Berlim, indicações ao Oscar, etc). O então presidente Fernando Henrique Cardoso a agraciou com uma homenagem, pela sua atuação como a personagem Dora, professora primária que, ao longo da vida, se tornou uma pessoa muito amarga. Fernanda leu, na ocasião do prêmio, um lindo discurso em defesa da Educação, que vale a pena ser conhecido, especialmente por professores. O texto encontra-se no link: http://admiravel.wordpress.com/2010/08/22/doras-e-carmosinas/

 
•Um artigo sobre a condição do professor do Brasil e uma avaliação sobre suas práticas, relacionado ao filme Central do Brasil pode ser lido no link: http://www.scielo.br/pdf/es/v21n71/a10v2171.pdf
 
•Dora ganha algum dinheiro, para complementar sua aposentadoria, escrevendo cartas para analfabetos, na Central do Brasil. Ao chegar ao nordeste, é essa sua habilidade que alivia a situação financeira dela e de Josué. O filme mostra a situação dramática do analfabetismo no Brasil. Você pode ter acesso ao mapa do analfabetismo no Brasil a partir de vários links, entre eles: 
 
Músicas brasileiras que dialogam bem com o filme: 
 
•A canção de Milton Nascimento e Fernando Brant Notícias do Brasil fala de um país (interior) que não é noticiado na mídia. Ela pode ser ouvida no link abaixo:  https://www.youtube.com/watch?v=r3Gh3eHT140
 
•O samba paulista também revela a importância das cartas, como no na canção de Adoniran Barbosa Vide verso meu endereço, em que um homem analfabeto, morador da periferia, pede que sua mulher escreva uma carta de agradecimento. Essa música pode ser particularmente articulada ao filme, no caso de Educação de Jovens e Adultos (EJA): https://www.youtube.com/watch?v=VYmMUgjwH08
 
•Outra canção que trata com muito respeito da religiosidade popular é Procissão, de Gilberto Gil, que no link abaixo pode ser ouvida a partir de uma interpretação de Dori Caymmi. http://www.radio.uol.com.br/#/letras-e-musicas/dori-caymmi/procissao/2355595
 
•O curta metragem – bastante premiado – Socorro Nobre (1995), realizado por Walter Salles foi a matriz do argumento do filme Central do Brasil. Socorro Nobre – uma mulher que está condenada no presídio feminino de Salvador – constrói uma amizade por correspondência com o escultor polonês radicado no Brasil Frans Krajcberg. Uma dessas cartas chegou às mãos de Walter Salles, que descobriu que Socorro ajudava suas companheiras de presídio a escrever cartas para os parentes. Em sua homenagem, Socorro é a primeira pessoa que aparece no filme Central do Brasil, ditando uma carta à escrevedora Dora.  O filme está disponível no youtube em duas partes: https://www.youtube.com/watch?v=AaongYDMfCchttps://www.youtube.com/watch?v=qn5l8_Sf8hw
 

 

Arquivos anexados

  1. Cinema e Educação: Central do Brasil

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