Conteúdos
– Introdução à teoria de Comte – conceitos gerais
– Teoria
Objetivos
– Compreender a teoria de Auguste Comte, um dos principais autores da sociologia clássica
1ª Etapa: Sobre o autor e seu contexto
Para começar a aula é importante que o(a) professor(a) apresente o autor e faça um breve relato de seu contexto histórico. É aconselhável, se possível, apresentar imagens do autor e da época da Revolução Industrial e da Revolução Francesa, para retratar um pouco a nova organização social. Seguem elementos para embasar a aula:
Auguste Comte nasceu em Montpellier em 19 de janeiro de 1798, último ano da Revolução Francesa. No ano seguinte, 1799, ocorreu o golpe de Estado que colocou Napoleão Bonaparte no poder. Comte cresceu em um momento político bastante agitado na França. Aos 16 anos muda-se para Paris e ingressa na recém-inaugurada École Polytechnique. Contudo, o fechamento temporário dessa escola fez Comte retornar a sua cidade de origem e continuar seus estudos por lá. Em 1817, com a reabertura da Escola Politécnica, retorna a Paris e começa a escrever o livro “Curso de Filosofia Positiva”. Já nessa época, Comte formulou a “Lei dos Três Estados”, teoria que embasou todo o seu pensamento. Em 1826, foi internado com problemas psiquiátricos. Em 1832, recuperado, volta para trabalhar como examinador de admissão da Escola Politécnica, mas acaba sendo expulso, em 1844, por divergências políticas internas. Fundou a “Sociedade Positivista” em 1948 e, entre 1851 e 1854, escreveu os quatro volumes de “Sistema de Política Positivista”. Morreu em Paris, em 5 de setembro de 1857, vítima de uma doença desconhecida.
A Europa, no final do século XVIII e início do século XIX, vivia a Revolução Industrial, processo que transformou profundamente aspectos sociais, econômicos e culturais da sociedade europeia. A máquina a vapor possibilitou a fabricação de grandes quantidades de produtos e estabeleceu uma nova relação entre as pessoas – a de patrão e empregado. A exploração da mão de obra criou miséria e desumanização. A falta de regulamentação dessa nova forma de trabalho, fez com que homens, mulheres e crianças fossem expostos a jornadas diárias extensas, existindo casos de morte por exaustão. Ao mesmo tempo, a ideia de igualdade e liberdade era amplamente difundida a partir das Revoluções Francesa (1789) e Americana (1776).
É nesse contexto que autores como Auguste Comte, Karl Marx, Max Weber, Émile Durkheim, entre outros, viveram e analisaram questões envolvendo profundas transformações sociais. O conjunto dessas teorias tornou-se a base da sociologia contemporânea.
2ª Etapa: Introdução à Teoria de Comte - conceitos gerais:
Para explicar a teoria de Auguste Comte é fundamental que o(a) professor(a) faça um paralelo entre a sociologia compreensiva de Max Weber e o materialismo histórico de Karl Marx, explicando as diferentes formas de analisar a sociedade e explicitando que nenhuma delas é verdadeira e única, já que esses autores partilham do mesmo momento histórico. Ao mesmo tempo, essas teorias são fundamentais para entendermos as bases do pensamento sociológico atual, inclusive no que tange às críticas e limites encontrados por esses autores.
Sendo assim, nessa ou em outras aulas, é importante que o(a) professor(a) faça a relação entre os autores e como cada um explicava a sociedade que estava inserido. Por exemplo, a sociologia positivista de Augusto Comte e Émile Durkheim, analisa a ordem social como algo inerente e exterior aos indivíduos, acredita que são as estruturas que modelam o comportamento dos homens e mulheres, criando assim, a ordem social a partir de uma ideia de progresso, de fora para dentro. Já a sociologia compreensiva de Weber, compreende que a ação e a motivação dos indivíduos constroem a ordem social, de dentro para fora. De maneira simplista, a segunda diz que o indivíduo constrói o mundo, enquanto a primeira diz que é o mundo que constrói o indivíduo.
3ª Etapa: Teoria
Para o aprofundamento na teoria de Comte é importante que o(a) professor(a) pergunte à turma o que sabe sobre o tema. Inicie, portanto, com uma roda de debate e indague se já ouviram falar em positivismo e o que entendem/sabem a respeito desse tema; mostre uma imagem da bandeira do Brasil e pergunte se sabem o que significa o escrito “ordem e progresso” ou se conhecem/participam da religião positivista. Depois dessa rodada inicial, escreva na lousa os principais tópicos da teoria e faça uma discussão mais profunda com o grupo. Seguem os tópicos a serem discutidos:
– Positivismo e a Sociologia
Auguste Comte é o precursor da corrente de pensamento chamada positivismo. Nela, a ciência é a única maneira válida e legítima de investigar a sociedade. Comte acreditava que em todos os ramos de estudo era preciso preocupar-se com a objetividade, entendendo que a matemática deveria estar presente na base e no topo de qualquer esforço de compreensão sobre o mundo. Assim, Comte criou a “Sociologia” (primeiro denominada de Física Social) como um método científico de análise objetiva de normas de comportamento e com ausência de metas preconcebidas. Por meio de leis e princípios presentes nas ciências físicas e biológicas, os(as) pesquisadores(as) poderiam construir teorias sociais objetivas, fundamentadas em métodos matemáticos e empíricos. Portanto, o(a) pesquisador(a) não deveria ser influenciado(a) pela emotividade, adotando posturas semelhante à adotada na Química ou Física. Comte, ao elaborar uma espécie de filosofia científica tida como suporte para as ciências da sociedade, pôde colaborar com toda história da Sociologia, que encontrou terreno fértil, principalmente numa ciência desenvolvida no ambiente deixado pelas conquistas racionais do Iluminismo (Revolução Industrial).
Comte comparava a sociedade a um organismo vivo e estabeleceu, portanto, três princípios básicos:
– A prioridade do todo sobre as partes;
– O progresso dos conhecimentos é característico da sociedade humana;
– O homem é o mesmo por toda a parte e em todos os tempos.
Na teoria positivista, a ordem social está ligada a leis eternas, criadas sem a participação do sujeito enquanto indivíduo, são leis naturais da sociedade, como uma entidade superior, de ordenação das partes para a manutenção do todo. Segundo Durkheim, “a maioria de nossas ideias e tendências não são elaboradas por nós, mas nos vem de fora” (DURKHEIM, 1980, p.3). O progresso é, portanto, um movimento filosófico linear e eterno, que ensina aos homens e às mulheres, em coletividade, as leis gerais de manutenção da ordem social. Essa ordem é a condição fundamental do progresso e todo progresso tende a consolidar essa ordem.
Desse modo, a filosofia positiva, ao contrário do materialismo histórico-dialético de Karl Marx, tem a noção de progresso como manutenção da ordem social. O positivismo vê o indivíduo como um sujeito impotente, incapaz de criar sua própria realidade, vivendo ao sabor das correntes coercitivas da sociedade sem a possibilidade de se impor contra ela, de negá-la, superá-la ou transformá-la.
– A Sociologia enquanto Ciência
Propondo que a sociedade continha, em si mesma, leis que a conduziam de um estado primitivo a um estado final positivo, e alcançável independente da atuação dos indivíduos que a compõem, Comte possibilitou que a Sociologia passasse a ser reconhecida como ciência. Até então, as investigações acerca da sociedade eram filosóficas e pontuais. Comte atua, portanto, para situar essas investigações dentro de uma ciência rigorosa e restritiva. Considerando que os grandes intelectuais da época eram matemáticos, físicos e economistas, podemos entender a importância de Comte para a Sociologia como um todo.
Perseguindo o ideal de uma ciência do social mais ampla que a economia política, Comte encontra na história elementos importantes para entender interesses coletivos. Observando a civilização em vários momentos históricos, destaca que existe uma linearidade, assim como uma aversão a rupturas extremas. O tempo social evidencia a tendência natural humana à boa ordem, obediência e resignação como virtude.
Segundo Comte, a sociologia deve formar racionalmente as classes dirigentes e disciplinar as classes populares (submissão das massas). Sendo assim, as classes se distinguirão por suas funções sociais harmônicas e pela divisão social entre o sentimento (marca da classe proletária) e a razão (marca da classe dirigente).
A teoria comtiana propõe que se reflita seriamente sobre a organização da sociedade europeia do século XIX, como possibilidade de superar o estado de anarquia instaurado após a Revolução Francesa. Alguns dos termos-chave que irão mapear sua trajetória são: sociedade moderna, Revolução, organização e consenso, todos de cunho acentuadamente político.
– A Lei dos Três Estados e a Religião Positivista
Comte fundamentou sua teoria a partir da famosa lei dos três estados. Segundo Comte, o espírito humano começava pelo estado teológico e progredia para o estado metafísico intermediário, até o estado positivo ou científico atual, definitivo. A passagem de um estado ao outro era linear e conquistada por meio da ordem, característica fundamental do progresso.
– Teológico ou Fictício (inicial): em que se explicam os fenômenos sociais e da natureza por meio de ações divinas ou sobrenaturais. O estado teológico divide-se em: a) fetichismo – conferir vida e poder a seres inanimados ou animais; b) politeísmo – atribuir a deuses traços humanos (bondade, emoções, vícios); c) monoteísmo – crer em um único deus.
– Metafísico ou Abstrato (transitório): em que se explicam os fenômenos sociais e da natureza por meio de forças ocultas e/ou entidades abstratas (desconhecidas). A partir dessas ideias explica-se a natureza das coisas e a causa dos acontecimentos.
– Positivo ou Científico (definitivo): em que se explicam os fenômenos sociais e da natureza por meio da formulação de leis fundamentadas em métodos empíricos.
A ordem social deveria, portanto, conduzir os homens e mulheres até o terceiro estado. Contudo, como aos humanos, na perspectiva comtiana, não cabia a transformação da vida, mas sim a permanência, a submissão, a obediência. Portanto, seria função social da religião positivista fazer a ponte entre os estados e contribuir para o progresso da sociedade como um todo. A religião positivista, sem dogmas, estabelecia o “pacto social positivista” entre as classes sociais: o proletariado e os “ricos ativos” (que deveriam “orientar” as massas).
4ª Etapa: Atividade em grupo
O(A) professor(a) poderá indicar aos(às) alunos(as) (ou até mesmo passar em sala de aula) o filme “Kon-Tiki” de 2012. A película retrata a história real do explorador Thor Heyerdahi, que defendia a tese de que a Polinésia havia sido colonizada por povos indígenas da América do Sul, por meio de jangadas. Desacreditado pelos cientistas, Thor tem que provar empiricamente a sua tese.
Após o filme, faça um debate em sala de aula, organize as cadeiras em roda. Sente-se como eles(a)s, em uma cadeira de estudante, aberto(a) a dialogar igualmente, sem dizer “certo” ou “errado”. Proponha aos(às) alunos(as) uma roda de conversa com o tema “saberes populares”. Incentive-os(as) a relatarem conhecimentos adquiridos na família, no bairro, com amigos(as). Conhecimentos úteis, que nos ajudem em nosso dia-a-dia, mas que não são considerados “ciência”. O(A) professor(a) poderá relatar fatos da sua própria vida para abrir o diálogo. Esses conhecimentos podem estar relacionados, por exemplo, à saúde, como chás, xaropes, práticas e atitudes que nos ajudam a nos manter saudáveis sem precisar da medicina ocidental e da alopatia; ou à práticas e atitudes para sairmos bem em diversas situações. Você pode citar conhecimentos indígenas (por exemplo, só é possível a muitos(as) cientistas entrarem e permanecerem na floresta Amazônica acompanhados(as) de indígenas que conhecem muito bem a floresta e como evitar ou superar os seus perigos).
É imprescindível que você incentive os(as) estudantes a darem a sua contribuição para o debate. Depois, pergunte à sala: Por que esses conhecimentos, apesar de válidos, não são reconhecidos pela ciência ocidental? O que é a ciência? A sociologia contemporânea é uma ciência?
Embase a discussão a partir de uma perspectiva crítica ao positivismo, trazendo novas versões da Sociologia. Por exemplo, o autor Boaventura Souza Santos defende que as linhas abissais (que dividiram o mundo em Norte e Sul, ou seja, em “realidade relevante” e “ausência, invisibilidade”) inviabilizam e excluem, a favor de uma ciência única e verdadeira, teorias e práticas do Sul (alternativas), com o intuito de criar um saber hegemônico e universal. Para Boaventura, o pensamento pós-abissal necessita de rupturas radicais com as formas ocidentais de pensar, em um contra-movimento de globalização que ele chamou de “cosmopolitismo subalterno”. O autor diz que essa forma de pensar poderá ser construída por meio de uma “ecologia de saberes”, baseada na valorização da pluralidade de conhecimentos heterogêneos. Nesse sentido, a ciência ocidental é mais uma forma de saber/conhecer e não a única.
Boaventura também fala sobre um conceito muito relevante para a ciências sociais contemporânea, a “co-presença”, ou seja, o reconhecimento de que todas as pessoas do mundo são iguais e contemporâneas, não existindo o progresso positivista, ou seja, um tempo linear que separa as diversas formas de sociedade e as coloca como “mais” ou “menos” desenvolvidas. A intersubjetividade, “interescalaridade” (escalas diferentes) e “intertemporalidade” (tempos diferentes) fazem as sociedades coexistirem. Também é possível trazer para a discussão exemplos de “pesquisa participante” em que o(a) pesquisador(a) se envolve com a comunidade pesquisada, assumindo funções, tarefas, se envolvendo emocionalmente e mesmo assim está produzindo ciência.
Nessa dinâmica, o(a) professor(a) não pode esquecer de apenas pontuar questões aos(às) estudantes, a fim de acrescentar ao debate, pois é fundamental que haja espaço para que todos(as) se coloquem, reflitam juntos(as), construam o saber coletivamente. A proposta é romper com a ideia de que o(a) professor(a) é o(a) único(a) que sabe e de que o que ele(a) diz é verdadeiro e indiscutível. Para isso é necessária uma postura humilde frente à sala, intervindo apenas para fomentar o debate, respeitando os diversos saberes que irão se apresentar, ouvindo, mais do que falando.
Referências Bibliográficas:
COMTE, Auguste. Discurso sobre o espírito positivista. São Paulo: Edipro, 2016.
DURKHEIM, Emile. As regras do método sociológico. São Paulo: Editora Nacional, 1980.
SANTOS, Boaventura S.; MENESES, Maria P. Epistemologias do sul. São Paulo: Cortez, 2009.
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1 – Para entender melhor sobre o tema é preciso que o(a) professor(a) esteja bem informado sobre o contexto do autor e suas principais publicações. Para tanto, trazemos nesse plano de aula referências importantes.
2 – Para fazer um contraponto da perspectiva positivista, trazida por Comte, sugerimos o debate contemporâneo feito por Boaventura de Souza Santos, autor português que, apesar de estar na Europa, discute a marginalização e invisibilidade do conhecimento produzido pelo “Sul Global” (conceito que divide o mundo em sul e norte a partir da divisão entre colonizadores/colonizados) como resultado do estabelecimento de uma ciência única e verdadeira. Estabelecendo a sociologia das ausências/emergências, Boaventura nos mostra que a compreensão de mundo é muito maior, plural e intersubjetiva do que a compreensão de mundo proposta pela ciência ocidental que tem suas raízes no positivismo. E ainda, que diversas formas de sociedades coexistem no mundo, não havendo uma linha temporal que as separam em diferentes níveis de “progresso”.
3 – Ao final da aula teórica, deixamos a sugestão de atividade em grupo. Sendo assim, é importante que a aula seja dividida em dias diferentes para que os(as) alunos(as) tenham tempo de pesquisar em casa sobre os temas propostos e tragam um trabalho para ser apresentado à turma. O tempo de apresentação também é importante, recomendamos deixar duas aulas de 50 minutos para realizar um debate sobre os resultados.
4 – É importante que o(a) professor(a) use a lousa, ou outro meio disponível, para fixar os tópicos da teoria e definir os conceitos fundamentais.