Alunos e ex-alunos de colégios militares de todo o Brasil decidiram usar a Internet para denunciar abusos contra crianças e adolescentes nas instituições de ensino do Exército. Trata-se da página No Meu Colégio Militar, que conta hoje com mais de 10 mil inscritos e reúne 763 relatos.
 
“A página surgiu após algumas conversas sobre as situações que passamos nos colégios em que nada foi feito, mesmo após termos recorrido aos setores destinados justamente a nos ouvir”, explica o administrador da fanpage, que prefere manter o anonimato por questões de segurança.
 
“Pensamos também nas pessoas que não denunciam por medo de isso se voltar contra elas na instituição. Por isso, decidimos criar uma plataforma de denúncia anônima – para que elas se sentissem confortáveis em contar suas experiências e o comando do colégio se sentisse impelido a tomar providências”, justifica. 
 
Impunidade 
A lista de denúncias é grande e inclui de castigos físicos e até tentativas de estupro. 
"No meu Colégio Militar, crianças marchavam debaixo do sol quente até desmaiarem. Não adiantava avisarem que estavam passando mal ou que iriam cair: qualquer comentário desses era motivo de chacota”, diz um depoimento.  
 
"Meu professor de Geografia dava em cima de mim. Quando minha mãe foi ao colégio militar reclamar, o capitão disse para não levar o caso adiante. O professor era filho de general, que poderia arruinar a carreira militar do meu pai. Desistimos de denunciá-lo”, relata uma ex-aluna. 
 
“Um dos sargentos tentou me estuprar no banheiro. Fugi, quase nua, aos prantos. O comandante disse para eu não contar para ninguém. O sargento foi afastado por alguns meses e voltou”, revela outra ex-aluna, sobre um evento ocorrido em 2008.
 
Hierarquia encobre abusos
Todos os depoimentos recebidos passam pelo crivo dos administradores antes da publicação. “Na primeira semana, recebemos cerca de 70 depoimentos por dia. No entanto, aproximadamente 19% dessas respostas são de trolls ou de pessoas inconformadas com a página. Outros 7% são relatos que envolvem mais frustrações pessoais do que problemas institucionais”, diferencia o responsável. 
 
A hierarquia – um dos pilares do exército – é apontada pelos criadores da página como um dos motivos dos colégios militares serem vulneráveis a abusos. “A hierarquia se sobrepõe a outros valores e se coloca como inquestionável”, conta o administrador.  “Some isso ao fato de o militarismo ainda estar fortemente associado a valores machistas, racistas, heteronormativos e cristãos. Assim, desenvolve-se um ambiente onde certos perfis de alunos são marginalizados”, reflete. 
 
Fiscalização ineficiente
Os colégios militares são organizações do exército que funcionam como estabelecimentos de educação básica. A Diretoria de Educação Preparatória e Assistencial (DEPA) é o órgão que planeja, coordena e supervisiona o processo de ensino-aprendizagem nesses espaços. 
 
Procurados pela Reportagem, os porta-vozes do DEPA não quiseram ser entrevistados, mas afirmaram, via Assessoria de Imprensa do Exército, que conhecem a página. “Ao longo dos anos letivos, o Diretor do DEPA e/ou profissionais da área de ensino comparecem em todos os CM, alguns em mais de uma vez, por ocasião de inspeções, visitas, solenidades e atividades diversas.
 
Em todas as oportunidades é enfatizado, tanto ao corpo discente quanto ao docente, o total empenho em proporcionar a educação básica de excelência, sendo intolerável qualquer tipo de discriminação e assédio moral ou sexual”, diz a nota. “Os colégios militares mantêm várias células voltadas para o acompanhamento pedagógico dos discentes e mantêm canais de comunicação por meio do Sistema Eletrônico de Gestão Escolar , nos sítios da internet e via correio eletrônico”, completa. 
 
Os alunos e ex-alunos dos colégios militares, contudo, questionam as afirmações. “Tanto a seção psicopedagógica quando a DEPA têm sido ineficientes”, afirmam. “Esperamos que existam mecanismos de denúncia eficazes e seguros dentro dos colégios e que se debata assuntos como racismo, machismo, diversidade sexual e religiosa visando, assim, combater a origem dos problemas relatados”, finaliza. 
 
Veja mais: 
 
0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments

Talvez Você Também Goste

13 dicas para criar uma peça de teatro com os alunos

Professores recomendam trabalhar com jogos, improvisações, literatura e música no processo criativo

Como ensinar ginástica na educação física escolar?

Professoras indicam 8 possibilidades para desenvolver com alunos do ensino fundamental

11 formas de acolher o aluno com síndrome de Tourette

Ambiente inclusivo evita que estudantes sofram com bullying e dificuldades de aprendizagem

Receba NossasNovidades

Receba NossasNovidades

Assine gratuitamente a nossa newsletter e receba todas as novidades sobre os projetos e ações do Instituto Claro.