A inventividade do ser humano e a sua capacidade de convertê-la em tecnologia era a questão que impulsionava um dos debates num dos congressos do Icase, uma associação internacional que reúne educadores da área de ciências. Naquele evento, fui convidado para debater sobre a aprendizagem diante dos avanços da indústria cultural e das novas tecnologias da informação e da comunicação. A minha posição foi bastante enfática e, como muitos, afirmei que as diversas formas de novas tecnologias ampliavam a produção e a circulação da informação e saberes, mas a constituição do conhecimento requereria processos reflexivos mais complexos. E para mim, a inventividade humana teria ao menos um limite: a produção de texto escrito ainda era e vai continuar sendo a melhor de organizar o pensamento, portanto, de prover as pessoas da capacidade de compreensão e expressão. Portanto, a produção de texto escrito, com coesão e coerência, seria também prioridade para inclusão digital e acesso às novas tecnologias da informação e da comunicação.

O acesso às informações e aos saberes provê as pessoas de mais argumentos, mas nem sempre de capacidade de escrever. Conhecemos pessoas que expõem com facilidade as suas idéias na forma oral, mas que possuem extrema dificuldade para sistematizá-las na forma escrita. Idéias orais, por mais convincentes que sejam, são diferentes em aspectos organizativos das expostas na forma escrita. Talvez não sejam menos importantes, mas são diferentes.

 

As novas tecnologias da informação e da comunicação produzem habilidades necessárias à produção textual tais como a ampliação do raciocínio lógico (pelas habilidades desenvolvidas em jogos), a ampliação da interação com as ferramentas colaborativas de produção intelectual, a flexibilização na localização das informações e maior circulação dos saberes. Mas sigo acreditando que a produção do texto escrito é o elemento que possibilita o pleno exercício de todas elas. Sem a capacidade de expressão dessas capacidades na forma escrita, todas elas serão limitadas e em muitos casos inócuas. Os avanços da inclusão digital, portanto, promovem cada vez mais condições para a produção textual, mas as escolas continuam com dificuldades para que os educandos produzam textos básicos, com coesão e coerência.

 

 

Mais do que prover as pessoas de um ponto de internet e de domínio de ferramentas básicas da rede, a inclusão digital requer que a pessoas consigam sistematizar a imensa massa de informações disponíveis. E por outro lado da inclusão é preciso condições de produção textual para falar ao mundo na forma escrita pela rede, potencializando e qualificando os e-mails, as postagens em redes sociais, ampliando as condições de publicações em blogs e sites e a produção de materiais audiovisuais (em franca ascensão na internet). Não que a forma escrita seja a única, seguramente as outras linguagens são fundamentais e cada uma encontra novos canais na capilaridade da rede. Mas escrever e publicar passam a ser uma dimensão necessária da cidadania destes novos tempos. E, novamente, nos vemos diante de dilemas que nasceram com a escola: como transformar pessoas alfabetizadas, que decodificam a linguagem escrita, em efetivos leitores e em capacitados a escrever? Como as informações e saberes convertem-se em pensamento organizado? Todas as alternativas levam à produção textual – digitado ou manuscrito.

 

A capacidade de produção escrita que era um antigo problema se coloca também como uma nova necessidade. E continua sendo um problema para organizar e expressar efetivamente as suas idéias e pensamentos. Os processos de escolarização para os incluídos e para os a incluir no mudo digital, embora disponibilizem condições fundamentais para a produção textual, não a promovem automaticamente.

 

Nesse sentido, considero fundamental, pelos educadores, a leitura do livro “Produzindo Texto com ‘Velhas’ e ‘Novas’ Tecnologias” de Glaucia Brito e Paulo Negri, (Editora Infantil, Curitiba, 2008). A obra apresenta metodologias para tratar com toda a diversidade das novas tecnologias da comunicação e informação, mas também (re)valoriza instrumentos antigos que às vezes o professor pensa em abandonar.

 

Outra característica interessante do livro é a de que foi escrito a partir de e-mails que os autores receberam de professores. Portanto, diversos trechos partem diretamente das dúvidas e problematizações concretas do cotidiano das salas de aula. O livro atua numa mediação importante entre recursos disponíveis e com os quais muitos professores estão habituados. Portanto, trata-se de ações que podem ser implementadas em todas as salas de aula, e que poderão ser ampliadas na mesma proporção do surgimento de novos recursos digitais. E assim, o livro propõe ações pedagógicas para preparar nossas crianças, adolescentes e jovens para uma verdadeira inclusão digital: a de efetivos leitores e escritores, para um futuro onde as pessoas vão estar conectadas 24 horas por dia. Portanto, uma obra imprescindível para uma questão educacional prioritária e urgente.

 

* Marcos Cordiolli é historiador e mestre em educação. É palestrante e escritor. Atua em atividade de qualificação docente e em consultoria para redes e intuições educacionais de educação básica e superior. Mantém a página http://cordiolli.wordpress.com em que apresenta publicações sobre educação e outros temas. É, também, produtor de cinema e teatro.

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