Professores e entidades de todo o Brasil se articularam no Movimento Educação Democrática como forma de fortalecer princípios democráticos considerados fundamentais contrapondo, assim, o Programa Escola Sem Partido. O objetivo central do movimento é debater a gravidade dos projetos de lei que pretendem coibir discussões políticas, sociais e filosóficas nas escolas sob o argumento de ‘doutrinação ideológica’, assim como proteger o professor que for vítima de intimidações. “Professor tem respaldo legislativo e científico para exercer a função para a qual estudou”, explica o idealizador do movimento e professor do Departamento de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF), Fernando de Araújo Penna.

O Movimento Escola Sem Partido foi criado em 2004, mas ganhou notoriedade em 2015 após inspirar 56 projetos de lei nas esferas municipal, estadual e federal. Em comum, todos têm a proibição de conteúdos escolares que estejam em desacordo com a posição política, ideológica e religiosa da família do estudante.
Em Alagoas, a lei 7.800/2016 chegou a ser aprovada para em seguida ser declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). “Para a educação ser um instrumento de emancipação, é preciso ampliar o universo de acesso à informação e à cultura por parte do aluno, e não reduzi-lo, com a supressão de conteúdos políticos ou filosóficos, a pretexto de ser o estudante um ser ‘vulnerável’”, justificou o ministro Luís Roberto Barroso em sentença. “Esse projetos não entendem o aluno como sujeito de direito”, denuncia Penna.
Confira abaixo entrevista com Fernando de Araújo Penna.
Como surgiu o Movimento Educação Democrática?
Fernando de Araújo Penna: Eu trabalho com a formação de professores e discuto políticas publicas de educação. Em 2015, deparei-me com o Escola Sem Partido e os projetos simulares que tentavam retirar da escola seu caráter educacional, apontando apenas a família como educadora. Naquele momento, a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados havia dado um parecer positivo para o projeto, o que causou preocupação entre alunos e colegas da universidade. Começamos a nos articular para divulgar informações sobre as consequências desse programa para a educação pública, laica, democrática e de qualidade.
Como se iniciou a articulação?
Fernando de Araújo Penna: Primeiramente, elaboramos a página Professores Contra o Escola Sem Partido , que chegou a 665 mil seguidores. Comecei a participar de debates e audiências públicas. Inicialmente, nossas pautas eram contra o Escola Sem Partido, a reforma do Ensino Médio sem discussão com a sociedade e a exclusão de gênero dos debates escolares.
Contudo, percebemos a necessidade de termos uma pauta única e propositiva: a defesa da educação democrática. Criamos uma associação para articular as pessoas e grupos do Brasil que possuíam essa bandeira em comum. O formulário de inscrição está disponível via Google Docs, na nossa página do Facebook. Não é necessário pagamento para se associar.
Como o Movimento Educação Democrática atua?
Fernando de Araújo Penna: Passamos a promover debates nas casas legislativas e locais onde professores sofreram intimidações. O objetivo é construir uma rede para ajudar esse docente e mostrar que ele não está socinho. Além disso, buscamos contrapor esse discurso que já está na sociedade de que o professor não é educador. Há respaldo legislativo e científico para o professor exercer a função de educador para a qual estudou. Por fim, o próprio conceito do que é uma educação democrática está sendo elaborado em conjunto com todos os participantes do movimento, a partir de discussões.
Quais os principais falhas no argumento que “professor não é educador?
Fernando de Araújo Penna: O artigo 205 da Constituição da República Federativa do Brasil já explica que a educação é função da família e do Estado, representada pela escola. O objetivo é educar para o trabalho e para a cidadania. Além disso, o Escola Sem Partido vê o aluno como uma folha em branco, vulnerável, não detentor de opiniões e conhecimentos e como propriedade da família. Esse foi um dos motivos da denúncia do projeto à Organização das Nações Unidas (ONU): não considerar o estudante um sujeito de direito, participativo e reflexivo.
Quais os outros discursos do Escola Sem Partido que precisam ser problematizados e combatidos?
Fernando de Araújo Penna: O projeto se apoia na pauta da exclusão de discussão de gênero no debate escolar. O mal entendido em relação ao assunto começou quando um material contra a homofobia nas escolas, elaborado pelo MEC, em 2011, foi batizado de “kit gay” e utilizado por políticos para gerar pânico e conseguir popularidade. A narrativa era que discutir a homofobia é erotizar as crianças e promover a homossexualidade. A função dessa conversação, porém, era combater preconceitos e desigualdades especificas e que estão presente na escola.
Por isso o foco em questões de gênero, machismo, homofobia e transfobia. Para eliminá-las, é necessário discuti-las. Além disso, o Escola Sem Partido promove uma lógica empresarial na escola, que contradiz a própria organização desse espaço pela gestão democrática, na qual alunos, pais, funcionários e comunidade também participam de sua organização, da elaboração do projeto pedagógico, entre outros.
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