Lançado no final do século XIX, “Coração, Cabeça e Estômago”, do português Camilo Castelo Branco, pertence ao romantismo, mas chega a sofrer alguma influência do então incipiente realismo literário. Isso traz originalidade à obra e uma parcela de crítica social.
O contexto histórico do livro se dá no momento da segunda revolução industrial. Ocasião em que a sociedade estava perdendo o idealismo da revolução francesa, que trouxera perspectivas de um mundo mais justo. A desilusão acontece em função do avanço dos interesses comerciais que o modo de vida burguês estabelece. “O sonho acaba se perdendo quando a sociedade passa a visar cada vez mais à produção e ao lucro e torna o ser humano quase que objetificado.”
Esse desapontamento é verificado com facilidade na terceira parte do livro: Estômago. Nela, o protagonista da história, Silvestre Silva, encontra a satisfação que até então não percebera quando tentou valorizar, primeiramente, o lado emocional e, na sequência, o cerebral. “O Silvestre cede a esse tipo de vida, se acomoda e aceita essa nova realidade, até que acaba morrendo em consequência dos hábitos alimentares desregrados.”
Caus vê nas relações entre aquela sociedade do final do século XIX e os dias de hoje um possível caminho para as questões dos vestibulares. Nesse sentido, atualmente, “parece que esgotamos aquilo que a experiência emocional humana pode nos trazer em termos de satisfação e que há um colapso das teorias, do racionalismo. Isso tem levado as pessoas a um desenvolvimento ultranarcisista, em que, predominantemente, exploram suas próprias imagens.”
“Coração, Cabeça e Estômago” traz a história de sete mulheres que foram namoradas do protagonista, por meio de anotações deixadas por ele, num recurso de metalinguagem. No enredo, essas narrativas se tornam públicas após a morte de Silvestre, a partir de um amigo e editor que organiza os textos e os transforma em livro.

Créditos:
As músicas utilizadas na edição do áudio, em ordem de entrada, são: “Românticos” (Vander Lee), com Rita Ribeiro, “O casamento dos pequenos burgueses” (Chico Buarque), “Sanduíche de coração” (Wander Taffo/Lee Marcucci), com Rádio Táxi e “O regime (Leo Jaime/Selvagem Big Abreu). Imagem: patpitchaya – iStock