O Ministério da Educação (MEC) finalizou a minuta do relatório sobre a formação de docentes. O documento é resultado do Grupo de Trabalho (GT) criado para propor políticas de melhoria na formação inicial de professoras e professores.
Entre os tópicos está a revogação das resoluções do Conselho Nacional de Educação n° 02/2019 e nº 01/2020, que correspondem à Base Nacional Comum de Formação de Professores e de Formação Continuada de Professores (BNC-Formação).
“É uma proposta de formação que traz uma concepção pragmática, tecnicista de formação de professores. Ela é centrada numa matriz de competências e habilidades que acabam por padronizar e esvaziar o currículo da formação de professores”, analise a professora e atual presidente da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope), Suzane Gonçalves.
Retorno à resolução de 2015
O sumário do relatório do MEC propõe o retorno às diretrizes da Resolução CNE nº 2/2015, que, segundo a doutora em educação e professora aposentada da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Helena de Freitas trouxe avanços importantes para a formação inicial e continuada de professoras e professores.
“A ‘2015’ permite que formemos todos os licenciados de uma forma mais ampla, cientificamente sólida, referenciada, principalmente na dimensão das ciências pedagógicas de como o professor entende o seu trabalho docente na escola pública”, argumenta a professora.
Para as educadoras, apesar de constar no sumário do relatório do Ministério da Educação, é preocupante que ainda não haja uma data definida para a revogação da Base Nacional Comum de Formação de Professores e de Formação Continuada de Professores (BNC-Formação).
Gonçalves defende a publicação imediata da resolução de 2015 para que o Conselho Nacional de Educação as proposições do Grupo de Trabalho. A expectativa é de que essa revogação e consequente retorno à resolução CNE 2/2015 aconteça até dezembro de 2023.
Música: Introdução de “O Futuro que me Alcance”, de Reynaldo Bessa, fica de fundo
Suzane Gonçalves:
A Anfope participou, como membro do Fórum Nacional de Educação (FNE), da composição do GT que discutiu a formação inicial, organizado pelo Ministério da Educação. Nestes encontros, as diferentes entidades que participaram, assim como várias secretarias do Ministério da Educação e a própria Capes e o Inep, ressaltaram que a formação inicial precisa estar articulada com a formação continuada. Ter duas diretrizes que tratam elas, de forma separada, não contribui para a qualificação da formação de professores.
Sou a professora Suzane Gonçalves, atual presidente da Anfope, que é Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação, uma entidade que tem mais de 40 anos na luta e defesa pela formação dos professores e professoras com qualidade e comprometida com a escola pública.
Vinheta: Instituto Claro – Educação
Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo
Marcelo Abud:
Uma das resoluções trazidas pelo Grupo de Trabalho da Educação, criado pelo atual governo federal, é a revogação da Base Nacional Comum de Formação de Professores e de Formação Continuada de Professores. A medida consta no sumário do relatório do Ministério da Educação. Suzane Gonçalves explica por que é importante essa revogação das resoluções n° 02/2019 e nº 01/2020, do Conselho Nacional de Educação.
Suzane Gonçalves:
A Base Nacional Comum, tanto da formação inicial quanto da formação continuada, é uma proposta de formação que traz uma concepção pragmática, tecnicista de formação de professores. Ela é centrada numa matriz de competências e habilidades que acabam por padronizar e esvaziar o currículo da formação de professores e, consequentemente, o currículo da educação básica, que também está centrado numa Base Nacional Comum Curricular. A perspectiva que a BNC traz é de uma defesa restrita de preparação para o mercado de trabalho, em que os professores assumem um papel de aplicadores da BNCC.
Marcelo Abud:
A atual presidente da Anfope justifica a importância dessas formações voltarem a ser orientadas pelas diretrizes da Resolução nº 2/2015.
Suzane Gonçalves:
O que se espera é que a formação inicial e continuada estejam articuladas e que oportunizem uma outra perspectiva de formação, diferente desta posta hoje nas resoluções do Conselho Nacional de Educação que estão em vigor.
Busca-se que a formação de professores, ela seja centrada no desenvolvimento profissional para o desempenho das funções do magistério, tanto nos espaços escolares como nos espaços não escolares, a partir de uma compreensão ampla e contextualizada da educação escolar, buscando a produção e a difusão dos conhecimentos que os professores estão envolvidos; que tenha a gestão democrática como eixo dessa formação e que seja pautada numa educação de direitos humanos antirracista; e que tenha a perspectiva de uma qualidade socialmente referenciada, que contribua efetivamente para os processos de ensino e aprendizagem.
Marcelo Abud:
Para Suzane Gonçalves, essa resolução representa um avanço na concepção de se pensar a formação de professoras e professores.
Suzane Gonçalves:
A Resolução 02/2015 trata a formação de professores de modo integrado, em que formação inicial e continuada e carreira é pensada de forma indissociável, o que representa um grande avanço para a construção de uma política nacional de valorização dos profissionais da educação.
As concepções presentes na resolução de 2015 foram construídas com ampla participação da sociedade, das entidades científicas, das universidades, em que trouxeram o que se espera para a formação de professores para dentro do texto da resolução; e que amplia a carga horária para que haja uma equiparação em todos os cursos de formação de professores; em que se valorize a autonomia das instituições formadoras, respeitando as regionalidades locais de cada uma das instituições e das necessidades que a educação básica apresenta.
Marcelo Abud:
A doutora em educação e professora aposentada pela Unicamp Helena de Freitas reforça os argumentos a favor do retorno da resolução 02, de 2015.
Helena de Freitas:
A ‘2015’, ela traz alterações fundamentais, principalmente na compreensão dos cursos de formação de professores, né? Os cursos de licenciatura articulados a eixos formadores que estão presentes nas diretrizes do curso de pedagogia de 2006. O que permite que formemos, portanto, todos os licenciados de uma forma mais ampla, cientificamente sólida, referenciada, principalmente na dimensão das ciências pedagógicas de como o professor entende o seu trabalho docente na escola pública.
Suzane Gonçalves:
A resolução indica que todas as instituições formadoras devem construir projetos institucionais de formação que expressem a concepção que cada instituição tem na construção das suas propostas pedagógicas de formação de professores.
Dessa forma, buscará se trazer a identidade da formação de professores em cada instituição e contribuirá para que esta formação seja pensada olhando para os territórios onde estão estes cursos, em articulação com a educação básica.
Helena de Freitas:
Com relação à discussão do que importa para a carreira docente, na verdade, é a elevação da formação, porque as diretrizes que vêm em 2019/2020, elas vêm rebaixando a formação teórica; retiraram uma carga horária que era fundamental e que é fundamental na formação dos profissionais de educação, reduzindo a formação a uma dimensão técnica, né, tecnicista.
Suzane Gonçalves:
Além disso, no âmbito do GT, questionou-se muito a concepção presente na resolução de 2019 e 2020, centrada em competências e habilidades, numa perspectiva que não coloca os professores como sujeitos históricos dentro do processo de ensino e aprendizagem; não coloca os professores como intelectuais críticos e reflexivos.
Helena de Freitas:
Então, isso contribui não só para a desvalorização profissional, mas para uma formação desqualificada, né, da infância e da juventude do nosso país. Então eu acho que são essas questões contra as quais nós estamos lutando: contra a desqualificação do trabalho docente, contra a desqualificação da escola pública e por uma formação cada vez mais elevada dos profissionais de educação, dos professores que formam a infância/juventude, que representam praticamente a formação das nossas gerações e o futuro do nosso país.
Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo
Marcelo Abud:
Para as entrevistadas, apesar de constar no sumário do relatório do Ministério da Educação, é preocupante que ainda não haja uma data definida para a revogação da Base Nacional Comum de Formação de Professores e de Formação Continuada de Professores.
A presidente da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope) ressalta que é preciso que a resolução seja publicada o quanto antes para que o Conselho Nacional de Educação dê encaminhamento ao que foi indicado no Grupo de Trabalho. A expectativa de Suzane Gonçalves é de que essa revogação, e consequente retorno à resolução 02, de 2015, aconteça até dezembro de 2023.
Marcelo Abud para o podcast de educação do Instituto Claro.