“A leitura e a literatura são minhas bandeiras, causa, militância… minhas paixões”.  É com o tom poético que a educadora Celinha Nascimento fala sobre a presença dos livros em sua vida, iniciada ainda na infância. “Como passava por dificuldades financeiras, meus pais não compravam livros, mas faziam questão de me ajudar nas leituras quando eu retirava alguns exemplares na biblioteca da escola”, relembra a profissional. Celinha comenta que a atitude dos familiares fez toda a diferença em sua formação. “Apesar de serem pessoas bem simples, sem acesso a bens culturais, meus pais amavam a escola e acompanhavam tudo o que acontecia em seu interior”, declara a educadora.

Mestre em literatura brasileira, Celinha se declara “absolutamente louca por livros” e, em entrevista ao NET Educação, fala sobre a importância da leitura e do posicionamento de escolas, professores e familiares na formação de leitores.

NET Educação – Qual a importância da leitura na formação das pessoas?
A leitura pode ter diversas funções na formação das pessoas. Vivemos numa sociedade da cultura letrada, ou seja, estamos cercados por palavras e textos escritos a todo o momento. Por isso, inicialmente, temos uma necessidade social da leitura, que é aquela que nos aproxima da nossa sociedade, da maneira como o mundo contemporâneo está organizado. Aqui a leitura está compreendida como todo texto escrito, toda palavra que circula, todo tipo de texto nas diferentes esferas – cotidianas, jornalísticas, escolares etc.

No entanto, podemos estender a pergunta e pensar na leitura de literatura. Então precisamos pensar em outra formação das pessoas, uma formação humanista. A literatura humaniza. Humanizar não quer dizer que as pessoas se tornam melhores ou piores, mas que conseguem tornarem-se mais humanos, ou seja, mais “colados” na humanidade. Lembrando Antonio Candido: é preciso elaborar a fantasia cotidianamente, e a literatura é a forma mais elaborada de elaboração da fantasia.


NET Educação – Qual o papel das escolas e dos professores no processo de formação de leitores?
É um papel de extrema importância. Para a maioria das crianças brasileiras, a escola é o local onde circula a literatura. Muitas famílias não têm hábito de ler coletivamente, de falar sobre livros, de socializar as leituras feitas, de frequentar livrarias e bibliotecas. Infelizmente muitos pais também não são leitores; daí a escola preencher a lacuna deixada pela família não leitora e ainda realizar a sua tarefa que é de aproximar os alunos do conhecimento acumulado pela humanidade, inclusive a literatura. A escola é um espaço privilegiado de conhecimento e a literatura não pode ser esquecida. Além disso, ela pode ter acervos variados com livros, mapas, periódicos, músicas, filmes que podem atender aos mais variados gostos e desejos dos alunos. Mais ainda: é um espaço coletivo que pode (e deve) propor debates, conversas, bate papos, aulas e exposições sobre leitura e literatura. Todas essas atividades aproximam os alunos de uma das funções da literatura: que é de melhor compreender o mundo.

NET Educação – E a família, como pais e responsáveis podem incentivar a aproximação dos filhos com a leitura?
Como respondi na pergunta anterior, muitas famílias brasileiras não têm o hábito coletivo da leitura. É essencial ser “modelo”. Os filhos imitam os pais com muita frequência, costumam refletir os hábitos familiares, daí que pais leitores são fundamentais na formação de filhos leitores. O ambiente familiar faz muita diferença. Não adianta os pais exigirem que seus filhos leiam quando eles mesmos não se interessam por livros. Os filhos logo percebem e já não levam a sério. Ler para os filhos desde bem pequenos, ter livros em casa, frequentar livrarias e bibliotecas, falar em literatura, ter momentos coletivos de leitura, ser modelo de bom leitor são dicas importantes.

NET Educação – Como avalia a utilização e a presença dos livros nas escolas?
Os livros na escola têm uma longa história e momentos diversos, como a própria história da leitura e da literatura. Sem me ater a toda a contextualização dessa longa história, posso dizer que hoje – nas escolas – não faltam livros, e sim leitores. A ordem inverteu. Hoje temos um movimento muito positivo de distribuição de livros pelos poderes públicos – Município, Estado e Governo Federal. “Biblioteca em Minha Casa”, “Minha Primeira Biblioteca”, “Um Estado de Leitores” são exemplos de projetos eficientes do poder público que distribuem livros para salas de aula, salas de leitura e também aos alunos. Evidente que sempre precisaremos renovar acervos e conhecer novos títulos, em uma tarefa permanente, pois lançamentos de livros acontecem todos os dias. Porém, por muitos fatores sociais e culturais, os alunos possuem outros atrativos e outras relações com o conhecimento que os afastam da leitura. Só a presença de livros, portanto, não constrói leitores. É preciso também ter professores apaixonados por leitura e por literatura. O professor também é modelo.  A literatura tem que ter espaço em horário nobre na escola e na grade escolar. Professores precisam ler mais e melhor. O Município de São Paulo tem as Salas de Leitura com aulas semanais que fazem um ótimo trabalho de formação de leitores. A Rede Estadual tem as salas, mas infelizmente não tem o responsável pelas aulas. Uma pena.

NET Educação – Quais tipos de abordagens pedagógicas são importantes quando se tem como objetivo aproximar os alunos dos livros?
O mais importante é ler sempre e ler bem em todas as áreas do conhecimento. Até bem pouco tempo, acreditava-se que a tarefa de ler na escola era exclusividade da área de Língua Portuguesa e Literatura. Felizmente essa ideia começa a se mostrar desgastada e atualmente professores de História, Geografia, Ciência, Artes e outras disciplinas buscam melhorar suas aulas com o auxílio de muita leitura. Fazer leituras específicas em suas áreas e também “linkadas” com outras áreas que tornem o tema estudado mais amplamente compreendido é um grande avanço. Para isso acontecer de forma ampla, verdadeira e significativa para os alunos é preciso que os professores pesquisem, estudem, não se conformem com o que já sabem. Novamente digo que o professor é um modelo. Garantir nas aulas semanais momentos de conversa sobre leitura, sobre experiências leitoras, valorizar as impressões e gostos dos alunos, criar situações coletivas, sem dúvida são caminhos seguros e boas abordagens pedagógicas.

NET Educação – Segundo a última pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, publicada em 2008 pela Imprensa Oficial, o número de leitores no País aumenta à medida que cresce a escolaridade dos brasileiros. No entanto, dos 4,7 livros lidos per capta/ano no país, 3,4 são indicados pela escola, ou seja, apenas 1,3 não têm essa origem. A que atribui esse cenário? Quais as alternativas para modificá-lo?
É um cenário que merece uma avaliação profunda e generosa. São muitos aspectos a considerar e todos são importantes. Temos uma questão de formação cultural da sociedade e uma questão social e econômica que traz à tona os preços dos livros – ainda caros no Brasil. Para a questão cultural, penso que o país tem melhorado e dado mais importância ao livro, mas não podemos esquecer que muitas famílias também não sabem ler com fluência e essa é uma capacidade importante para ser bom leitor. Um leitor que não entende o que lê ou que demora demasiadamente para terminar uma página fatalmente se cansa e abandona a leitura. À medida que tivermos famílias mais leitoras, evidentemente a situação melhorará, mas esse é um longo caminho, pois como já disse, trata-se ao final, da própria relação com o conhecimento. Para as questões econômicas, é necessário ter mecanismos que aproximem os leitores dos livros via uma compra mais barateada, que depende de muitas mudanças no cenário financeiro que eu não saberia definir. Infelizmente conheço pouco de economia. Porém, os espaços públicos de leitura devem ser aproveitados e deve haver uma luta constante de melhoria e conservação desses espaços.  Mas acredito que as empresas fazem pouco. Por que não fazer projetos de leitura com operários, funcionários, trabalhadores em geral? A escola trabalha com as crianças e jovens, mas poucos projetos cuidam dos adultos. Fico feliz quando vejo ideias simples e geniais que pipocam em todo o Brasil (e mundo) com o objetivo de aproximar a literatura. Um borracheiro criou uma Biblioteca dentro de seu espaço de trabalho; um pedreiro criou uma biblioteca num ponto de ônibus em Brasília; um pescador conseguiu mais de oito mil livros que guarda em suas caixas de peixe e os compartilha com toda a comunidade de Pirapora. Estas são iniciativas maravilhosas de pessoas comuns e que reconhecem verdadeiramente o valor da literatura e a querem para todos. Vejo muita esperança nestas iniciativas e procuro acompanhar, visitar, estudar, enfim aprender com elas.

NET Educação – Considerando a era digital, e a consequente facilidade de pesquisar e realizar leituras via internet, como garantir que os livros não percam espaço?
Muito se tem falado nessa questão ultimamente. Na última FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty), tivemos várias mesas de debate com este tema. Acredito que ninguém tenha a resposta ainda. Estamos em pleno fervor desse momento, não temos ainda a distância (histórica, temporal e analítica) necessária para avaliar. Algumas mudanças já são palpáveis como a leitura de jornais impressos que migrou fortemente para a Internet causando até o fechamento de jornais em várias partes do planeta. O livro impresso e, em especial o livro de literatura, ainda convive muito bem com os dois formatos: impresso e digital. O que importa é pensarmos que são abordagens diferentes, leituras e leitores diferentes. Aquilo que chamamos de habilidades e comportamentos leitores distintos. Não se lê da mesma forma no computador e no livro aberto sobre a mesa ou o colo. Colocamos em alerta e em uso práticas diferentes de se relacionar com a leitura e seus conteúdos. Assim como aprendemos a fazer com outras ferramentas maravilhosas que surgiram e continuarão surgindo nesse novo mundo tecnológico, é importante analisar, aprender, se relacionar com esta nova ferramenta e descobrir seus mais potentes e inteligentes usos.  O livro já foi de pedra, de madeira, de folha de bananeira, de papiro, de tecido. Seu futuro não poderia ser diferente. Para mim, o livro impresso é eterno e sempre teremos espaço para ele. A Bienal do Livro de São Paulo, encerrada recentemente prova isso. Foram milhares de leitores ávidos por achar um livro especial. Tenho certeza que os leitores aprenderão a transitar sobre a leitura impressa e digital e quantas mais surgirem e encontrarão os seus caminhos.  Estou mais preocupada com as atividades de pesquisa. Está realmente muito difícil convencer os alunos a recorrerem a uma enciclopédia, a um paradidático. Só desejam a Internet. É preciso um esforço redobrado para que eles acreditem que possam aprender com outros movimentos e ferramentas de pesquisa. Tenho insistido com professores que façam este trabalho de resgatar outras formas de pesquisa.

NET Educação – Há diferenças entre a leitura de um livro ou aquela realizada via internet?
Sim, existem diferenças que são variadas. Existem diferenças relacionadas com o conteúdo do que é lido, ao local onde é lido, ao tempo dedicado e muitas outras. É preciso levar em conta o que se está lendo e para que se está lendo (leitura por prazer e fruição, por estudo, para pesquisa, etc). As diferenças que podemos apontar e identificar estão totalmente relacionadas a este quadro complexo. Vejamos: quando faço uma pesquisa, um estudo, preciso ter cuidados com referências e buscar fontes confiáveis. Existem livros que também devemos desconfiar, mas existem milhares de sites que devemos desconfiar. A internet tem essa característica da “enormidade” das coisas. Tudo é muito superlativo. Eu clico “Revolução Francesa” no Google e aparece um milhão de endereços. Qual escolher, qual ler, como filtrar? Tudo é muito rápido e muito abrangente, mas exige muita “desconfiança”, muito cuidado. Quando leio uma literatura na tela, sei que não poderei levar o livro a todo canto, abrir e fechar a qualquer momento, dormir com a obra debaixo do travesseiro, no entanto, estas reações não são características universais de todo leitor. Para alguns, ligar e desligar baterias e botões pode ser tão fácil e agradável quanto. Enfim, a leitura via computador também precisa ser melhor estudada, melhor entendida e melhor analisada. Como disse, estamos no centro do acontecimento. Ainda teremos tempo e chance de aperfeiçoar nossa performance e nossa relação com esse mundo da cibernética e suas ferramentas.

NET Educação – Como você avalia as políticas públicas de incentivo à leitura?
Elas têm melhorado bastante. São vários os projetos de distribuição de livros, de formação de agentes de leitura. Ainda precisamos de muito mais, porque o país é grande e as famílias não são leitoras em sua maioria. Temos tido a aprovação de importantes leis, como a obrigação da existência de uma biblioteca por município, por exemplo. Ma, como já comentei, os livros, as salas de leitura e as bibliotecas não fazem o trabalho sozinhas. É preciso, por outro lado, criar alternativas e tomar medidas para conseguir a diminuição do preço dos livros.

Sobre o autor:
Mestre em literatura brasileira pela Universidade de São Paulo (USP), coordenadora dos projetos de leitura Letras de Luz (2007 e 2008), Ecoteca (2001 a 2006) e da Escola Castanheiras.

Talvez Você Também Goste

Notícias

Gestão da sala de aula: 5 livros para entender o assunto

Conheça estratégias e práticas que ajudam o professor a criar um ambiente favorável à aprendizagem

há 3 semanas
Notícias

Veja 6 vídeos sobre didática para melhorar o processo de ensino

Conteúdos permitem aperfeiçoar a prática docente e tornar a aprendizagem mais acessível e significativa

há 3 semanas
Notícias

Conheça 6 livros que ajudam a descomplicar a Teoria da Evolução

Obras explicam conceitos de forma simples e com evidências científicas, servindo de apoio para o trabalho em sala de aula

há 1 mês
Notícias

A psicologia do bullying: 6 links para se aprofundar no tema

Materiais mostram como diferentes correntes analisam o fenômeno e a relação entre agressores e vítimas

há 2 meses

Receba NossasNovidades

Captcha obrigatório
Seu e-mail foi cadastrado com sucesso!

Receba NossasNovidades

Assine gratuitamente a nossa newsletter e receba todas as novidades sobre os projetos e ações do Instituto Claro.